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ENTRE O REAL E O IMAGINÁRIO

1.3. Tempo da transição

Entre a vida e a morte, entre o mistério da origem e o apo- calipse final, escoa-se o drama da existência humana, desdobrado pelo percurso das entidades ficcionais de Gracq. Designados por Geneviève Alliez como «romans de crépuscule»95, as obras de Julien

Gracq parecem situar-se no período de transição de um dia que caminha para “la pente de l’après-midi” e de uma estação “l’arrière- automne”, de uma vida “vers la mort imminente”, de uma História para o fim dos tempos. Numa longa trajectória caracterizada pela atracção de um além desconhecido e direccionada para o momento da sua revelação, a existência do herói, marcada pela tentativa de decifração desse devir, decorrerá sob o signo da espera, reenviando- -o, dessa forma, para um tempo de transição. O futuro, para o qual convergirá o seu percurso, virá apresentar-se, em última instância, como o porvir e, naturalmente, como a morte, o horizonte último da existência.

94 Roland Barthes. 1977. “Introduction à l’analyse structurale des récits”, in

Gérard Genette et Tzvetan Todorov (Org.), Poétique du récit. Paris: Seuil.

95 Geneviève Alliez. 1982. “Julien Gracq et Ernst Jünger”, in Julien Gracq, Actes

A espera pela revelação, traduzida pelo momento que antecede e prepara o acontecimento, espécie de prelúdio de um jogo mortal, tenderá a impor-se como um processo e não como um resultado. Indefinidamente prolongada e ampliada através dos motivos privi- legiados da diegese, tais como a viagem e a transgressão, a espera reenviará o texto para o domínio de uma infindável transição onde, apesar da complexidade do enredo e das pausas, ela virá a reclamar, no entanto, uma (lenta) progressão. À semelhança da espera de Penélope, desdobrar-se-á como uma tessitura interminável, que no trabalho que se desfaz, irá remeter, simbolicamente, para a suspensão do tempo e, por conseguinte, para o retardamento do acontecimento que, quase sempre catastrófico – assassínio, suicídio, guerra –, virá a apresentar-se como a forma renovada de uma morte individual ou colectiva e onde as personagens parecerão apenas existir em função da possibilidade de morrerem.

Personagens que consideram a eventualidade da ocorrência de algo (“cela s’annonce de très loin […]”, “N’as-tu pas remarqué les Signes?” (RS, I: 828)), finalmente, o inevitável acontecimento que, na ficção de Gracq, marcará a transição entre a vida e a morte, e que em Le Rivage des Syrtes parece pairar sobre a cidade de Orsenna, remetendo, através da comparação, para a catástrofe que se avizinha,

cette chose endormie dont la Ville était enceinte, et qui faisait dans le ventre un terrible creux de futur. Nous la portions tous… (RS, I: 832) A premonição da catástrofe final, temática rica em ecos que se repercutem no conjunto da obra, desenvolve-se em analogias96 que

96 Os trabalhos de Michel Murat e de Elisabeth Cardonne-Arlyck estudaram

de muito perto o dinamismo metafórico que, nas suas modalidades mais complexas, anima o conjunto da obra de Gracq. A este propósito, consultar a bibliografia geral, em particular, Michel Murat. 1983. Le Rivage des Syrtes de Julien Gracq, Le roman des noms propres, Vol. I. Paris: José Corti e Le Rivage des Syrtes de Julien Gracq, Poétique de l’analogie, Vol. II. Paris: José Corti e Elisabeth Cardonne-Arlyck. 1984. La métaphore raconte. Pratique de Julien Gracq. Paris: Klincksieck.

permitirão reenviar para um outro tempo, futuro, tomando a forma através dos indícios presentes no texto:

Déjà de cette naissance pressentie la terre est grosse, et pourtant, ce qu’elle a choisi pour s’y cacher, c’est la nuit du trouble conseil et des mauvais présages, et ce qui marche devant elle et l’annonce comme la poussière au-devant d’une armée, c’est une rumeur sinistre, le sang répandu, et les présages mêmes de la destruction et de la mort. (RS, I: 709-710)

Nessa perspectiva, as análises de Ricoeur sobre a projecção temporal parecem corroborar as considerações de Gracq acerca do momento presente, onde se repercute esse “rumeur sinistre”, apresentando-o como um tempo de gestação e de espera de um futuro anunciado e, por conseguinte, como o tempo de transição entre dois períodos, entre ele e o passado:

Le présent, désormais, est perçu comme un temps de transition entre les ténèbres du passé et les lumières de l’avenir. [...] Hors de ce rapport, le présent est indéchiffrable. Son sens de nouveauté lui vient du reflet sur lui de la clarté du futur attendu. Le présent n’est jamais nouveau, au sens fort, que dans la mesure où nous croyons qu’il ouvre des temps nouveaux97.

No entanto, se, como afirma Maria Helena Mira Mateus, na sua

Gramática de Língua Portuguesa, o presente se refere “à simultaneidade

do intervalo de tempo em que ocorre o estado de coisas descrito”98,

parece então significar que será por meio desse tempo do verbo que se irá exprimir a actualidade da acção, correspondendo, na ficção de Gracq, ao acto que levará o herói a provocar o acontecimento. Nesse sentido, a política de Orsenna, que nada parece fazer para contrariar o conflito secular que a divide do Farghestan, o país inimigo, irá considerar estranho qualquer acto que venha anunciar

97 Paul Ricoeur, Temps et récit, III: Le Temps raconté, Op. cit., pp. 301-302.

98 Maria Helena Mira Mateus et aliï. 1989. Gramática de Língua Portuguesa. Lisboa:

uma provável alteração da sua situação expressa, precisamente, na verbalização do presente do indicativo:

[...] et c’est le péché mignon d’Orsenna – qui trouve toujours un peu incongru qu’on lui parle à l’ indicatif présent – d’y prêter l’oreille. (RS, I: 834) Na expressão do presente, encontrar-se-ia, assim, ainda que em estado latente, essa ameaça inerente à própria existência e sublinhada pela percepção do tempo cadenciado, “le sentiment de l’heure” (PQ, II: 172), à qual se vem juntar, em particular, o som produzido pelo relógio, “le battement régulier de l’horloge de fer” (CA, I: 56), essa “infernale machine” (CA, I: 54) como é designada em Au château d’Argol. Talvez por essa razão seja capaz de despertar sentimentos de medo e de angústia, como parece ser o caso da reacção de Albert perante o som resultante da passagem dos ponteiros “[...] le son lointain d’une horloge perdue au fond d’un couloir vide”, que o irá levar a “frissonner un instant comme un enfant” (CA, I: 18). Sensação idêntica será experimentada por Herminien no momento em que Albert e Heide decidem aventu- rar-se pela floresta, deixando-o sozinho. Assaltado por sentimentos confusos de ciúme e de insegurança, virá a sentir-se oprimido e ameaçado pela marcha do tempo, traduzida, precisamente, pelo som do relógio:

Resté seul, Herminien se perdit dans d’absorbantes et funèbres pensées, auxquelles le balancement monotone d’une massive pendule [...], résonnant avec un bruit insolite et curieusement perceptible depuis le départ des deux convives, prêta bientôt insensiblement un caractère d’inexorable fatalité. (CA, I: 33)

Sentimentos que serão agravados à medida que se tornar mais nítida a passagem dos segundos, justificados por Marie Francis, como resultantes de um tempo matemático que “rapproche de la mort, débite les secondes fatales”99.

99 Marie Francis, Forme et signification de l’attente dans l’oeuvre romanesque de Julien

Ses nerfs tressaillirent à mesure que le balancier aggravait à chaque seconde d’une quantité horrible la durée de cette inexplicable dispa- rition. (CA, I: 33)

Esses sentimentos parecem resultar da tomada de consciência da passagem do momento presente, esse espaço de tempo de transição «indéchiffrable», para retomar a expressão de Ricoeur, e ponte de projecção para um futuro, desconhecido e ameaçador como os seus indícios o parecem anunciar.

Et, cependant, au milieu de cette atmosphère de rêve [...] une horloge de fer hérissait ses dangereuses armes, et le bruit grinçant et régulier de son mécanisme, qui ne pouvait au milieu de ces solitudes se rapporter en quoi que ce fût pour l’âme à la mesure d’un temps vide [...], mais seulement annoncer le déclenchement de quelque infernale machine. (CA, I: 54)

Trata-se aqui, como é frequente em Gracq, de um tempo percepcionado através da audição e da visão. Isabelle Husson- -Casta100, que se mostra sensível a esta perspectiva, reconhecerá que

os marcadores alegóricos do tempo virão a traduzir-se através de tudo aquilo que soa, ressoa ou estremece, com o objectivo de ritmar a passagem temporal, de acordo com a visão ascendente ou decadente da claridade, vindo ainda sublinhar o sentimento subjectivo em relação às estações ou mesmo à lentidão da passagem das horas. Nesse sentido, a presença recorrente do motivo do relógio, ao qual se virá juntar o da areia, parecem constituir signos da morte, à qual todo o ser humano se encontra votado desde o nascimento, sendo, dessa forma, atribuída uma dimensão suplementar ao tempo da espera101. 100 Isabelle Husson-Casta. 1998. “Desseins et déclin du temps dans les trois

premiers romans de Gracq”, in Patrick Marot (Org.). Julien Gracq 3, Revue des Lettres Modernes, Op. cit., p. 49.

101 No momento em que Albert descobre um cemitério abandonado, “un pâle

soleil brilla sur le pays d’Argol” (CA, I: 25). No entanto, o clima modificar- -se-á radicalmente quando o protagonista resolve inscrever o nome de Heide sobre uma cruz, antes da sua chegada ao castelo e de travar conhecimento com ela “[...] une force guida alors son bras [...], il marchait vivement vers la

Espera da morte, através da passagem do tempo que a anuncia, ou promete, representada pela fluidez da areia102: “Je sens les minutes

s’écouler sans remède. Je suis triste, triste mortellement” (BT, I: 202), afirma Christel, deixando transparecer a angústia decorrente da inexorabilidade do tempo: “Je sens le temps couler entre mes doigts comme le sable” (BT, I: 202). À semelhança da ampulheta, a passagem dos grãos de areia permite recordar a finitude do homem. Esse fluir inscreve-se num movimento circular, cíclico do tempo, em que as entidades ficcionais se confrontam com a angústia da inexorabilidade temporal da (sua) vida. Ter consciência assim do tempo é, na perspectiva de Marie Francis, sentir a vida a passar, “c’est se perdre de vue, s’évanouir”. Ter consciência do vazio da existência é aperceber-se da deficiência do momento presente. Dizemos, com Georges Poulet103, que é como se existir significasse

viver simultaneamente duas vidas, a do dia-a-dia, lacunar e vazia, e uma outra que, através do pensamento e da imaginação, permita ao homem escapar ao presente da sua realidade.

Esta problematização da temática do tempo vai ao encontro da percepção temporal dos românticos que a concebiam como a nostalgia de uma vida que a alma não conseguiria nunca sentir na sua plenitude, no momento inacessível da duração. Enclausurado no instante do presente, o homem romântico sempre procurava escapar ao resto da sua vida. Dividido entre um passado para croix, et, s’armant d’un éclat de pierre aigu, y gravait grossièrement le nom de HEIDE. Un voile d’ombre s’appesantit à ce moment sur l’enclos des tombes, et Albert rejeta la tête en arrière, tant pour discerner la cause de cette soudaine éclipse que pour jouir une dernière fois du spectacle de la baie” (CA, I: 26- -27). Sobre este assunto, poderá ver-se também, “[...] la féerie du soleil, la fraîcheur qui semblait présider à une nouvelle création du monde au sortir du chaos [...]; ils puisaient à pleins poumons dans l’atmosphère recréée de la jeunesse du monde” para logo em seguida fazer alusão à brusca mudança climatérica: “Dans l’après-midi une torpeur que le soleil faisait peser sur les cours et les appartements du château annonçait à leurs nerfs aiguisés par l’attente le prélude d’un jeu mortel” (CA, I: 37).

102 O tempo é designado por Jean-Louis Leutrat como «prometteur de mort».

Cf Jean-Louis Leutrat. 1967. Julien Gracq. Paris: Classiques du XXè siècle, p. 81.

sempre perdido e um futuro apenas pressentido104, limitava-se a

existir no tempo, consumido pela angústia provocada pelo “mal de

l’avenir”105. É dessa forma que, no íntimo do seu ser, se engendraria

assim o sentimento de uma existência fragmentada no tempo, entre a consciência do passado e a premonição do futuro.

Em Au château d’Argol, quando Albert, percorrendo o espaço que circunda o castelo, encontra um cemitério abandonado, irá confrontar-se com essa sinistra experiência temporal, devida à irreversível passagem do tempo e representada pela simbologia dos motivos temporais; as cruzes de pedra, que aleatoriamente emergem do solo, já não apresentam as suas inscrições, apagadas pela acção do tempo, traduzida em particular, pelo desgaste dos grãos de areia:

L’agent de cette impitoyable et deux fois sacrilège destruction était révélé par le sifflement incessant des grains de sable dont le vent, seconde après seconde, et avec un acharnement atroce, projetait la fine poussière sur le granit. Il paraissait couler de Sa paume inépuisable, c’était le sablier horrible du Temps!. (CA, I: 26)

A exclamação, a disforia da adjectivação e a sua relação com a maiúscula do possessivo permitem considerar essa dimensão

104 É o que se torna perceptível na afirmação de Lamennais “Je fuis le présent par

deux routes, celle du passé et celle de l’avenir” (Cf. Lamennais. Correspondance, T. II, p. 378) e ainda a este propósito George Sand dirá “Je m’apercevais que le présent n’existait pas pour moi ..., que l’occupation de ma vie était de me tourner sans cesse vers les joies perdues ou vers les joies encore possibles”, in George Sand. 1960. Lélia. Paris: Garnier Frères.

105 Esta expressão é referida por Quinet e citada por Georges Poulet em Études

sur le temps humain: “Une étrange maladie nous tourmente aujourd’hui sans relâche. Comment l’appellerai-je? Ce n’est plus, comme la tienne, René, celle des ruines; la nôtre est plus vive et plus cuisante. Chaque jour elle ranime le cœur pour mieux s’en repaître. C’est le mal de l’avenir, mal aigu, sans sommeil, qui, à chaque heure, vous dit sur votre chevet, comme au petit Capet: Dors-tu? Moi, je veille. Au fond de nos âmes, nous sentons déjà ce qui va être. Ce rien est déjà quelque chose, qui palpite dans notre sein. Nous le voyons, nous le touchons, quoique le monde l’ignore encore. Ce qui nous tue… c’est le poids de l’avenir à supporter dans le vide du présent”. Cf. Georges Poulet, Études sur le temps humain, I, Op. cit., p. 37.

simbólica das cruzes de pedra e da areia, reveladora de uma relação premonitória entre a passagem cadenciada do tempo e a aproximação do grande acontecimento. Vem-se assim desdobrar a figuração da areia, enquanto signo de morte, “agent [de cette] impitoyable et deux fois sacrilège destruction”, relativa ao cemitério abandonado. Nessa «paysage de mort» (CA, I: 27), como refere o texto, “ayant puisé dans le creux de sa main une poignée de sable sec, se penchant au-dessus de la tombe” de Heide, Albert “en laissa filtrer à travers ses doigts le courant des grains ténus et chauds comme un liquide de mort” (CA, I: 93).

Gesto que virá a ser repetido em Le Rivage des Syrtes, numa clara alusão à morte, aquando do enterro de Carlo: “geste compassé des mains qui [...] égrenaient sur le cercueil, chacune à son tour, des poignées de sable” (RS, I: 783).

Também em Un beau ténébreux, o momento em que o narrador deambula pela praia virá a apresentar a mesma simbologia da areia:

Je me suis couché sur le sable et laissé rouler par la monotone catastrophe des vagues. [...] Puis c’est la succion brutale, corrosive, impitoyable du sable par la langue salée – le bruit de la terre lessivée, râclée, rédimée de toute mollesse, [...] jusqu’à la prostration de gisant de cette blonde chaussée d’ossements. (BT, I: 121-122)106

Por sua vez, o episódio em que Allan e os companheiros se encontram reunidos frente à baía do Hôtel des Vagues, no final do baile de máscaras, tornar-se-á revelador de sentidos, pela sua ligação ao tempo da transição, evoluindo em crescendo, ao orientar-se para a precipitação do fim:

Un long moment ils restèrent silencieux, semblant écouter fuir les secondes, ce temps soudain plus irréparable, ces dernières minutes qui

106 Cf. também “Vers le soir, je suis parti pour une promenade [...]. Le phare

passé, soudain toute une vie cesse, et s’étend un grand arc de plage bordé de dunes, un paysage complètement nu, d’un vide opressant, tout tressaillant du tonnerre des grands rouleaux de vagues sur le sable désoeuvré. Sous le ciel gris, entre les vagues marines et les vagues de sable, c’était comme une chaussée de plain-pied au péril de la mer” (BT, I: 121).

glissent plus vite, comme le sable au fond du sablier. Quelque chose, ici, allait se défaire. (BT, I: 237)

Em Le Rivage des Syrtes, das duas alusões à ampulheta, objecto emblemático da passagem do tempo, e que surgem relacionadas com o capitão Marino, a primeira parece designá-lo, metaforicamente, como o guardião de um tempo inalterável que ele não permite que evolua para que venha sempre reconduzir ao Mesmo, não deixando espaço para o Outro:

[...] La pile de papiers rangée le matin à sa gauche et reformée le soir à sa droite, comme on renverse un sablier, restait la figure même du temps sans secousses. (RS, I: 659)

No exercício do que poderemos considerar a sua verdadeira função, Marino tenderá a impor-se no sentido da preservação do frágil equilíbrio vivido em Orsenna, de onde, comparando- -se à decrepitude da cidade, sairá derrotado depois de terem hipoteticamente tentado assassiná-lo. Após a transgressão da fronteira e durante uma acesa discussão com Aldo, o tempo irá pronunciar a sua sentença fatal: arrastado pela tempestade que se abatera sobre a cidade, Marino irá desaparecer nas águas do mar. A areia, que momentos antes escorria das suas mãos, “sa main, machinalement, faisait couler entre ses doigts une poignée de sable” (RS: I: 788), poderá simbolizar o final do seu percurso, traduzido pela fusão entre o homem e o espaço107, simbologia

ainda reforçada pela definição de Syrtes como “[des] bancs de sable

107 A este propósito, confrontar com as palavras de Aldo acerca de Marino e que

ilustram esta problemática da fusão homem/espaço e que irá ser desenvolvida no ponto dois da primeira parte deste trabalho: “Un sens plus caché s’attachait pour moi à cette disparition sans traces; il me semblait que le capitaine, qui pour moi n’avait jamais tout à fait vécu à l’Amirauté, mais plus profondément l’avait hantée à la manière d’un génie engourdi de la terre, avait passé au sein de cette nuit noire et de cette lagune dormante d’une manière trop suspecte pour que ne s’y attachât pas la valeur d’un de ces signes auxquels la vie à l’Amirauté m’avait tenu les sens entrouverts – comme si l’esprit même de ces eaux lourdes et de ces pierres moisies, un esprit en qui le temps même avait

mouvants”. “Image duelle”108, como é referida por Isabelle Husson-

-Casta, decorrente do seu duplo registo do visual e do sonoro, a ampulheta e, por extensão, a areia, vir-se-ão a juntar a outras figuras emblemáticas do tempo que irão marcar, precisamente, esse «entre- -tempo», o momento de transição entre o passado e o futuro, tantas vezes evocado através da sua metaforização sonora.

[...] les légers bruits autour de nous [...] donnaient à l’écoulement du temps, par leurs longs intervalles suspendus et leurs soudaines reprises, une incertitude flottante coupée de rapides sommeils. (RS, I: 682-683)

Da mesma forma que “le grincement léger de la plume cousait seul les heures lentes de son bruit de taret” (RS, I: 752). Após o desaparecimento de Marino, a manifestação acústica do tempo virá a sublinhar essa ausência: “[...] un esprit en qui le temps même avait semblé engourdir ses battements”. (RS, I: 798)

A percepção do tempo poderá ainda fazer-se notar de uma maneira mais abrangente, tendo em conta a dimensão do espaço:

Les solitudes qui environnaient le château se refermèrent vigilantes sur des hôtes dont le séjour parut très vite devoir revêtir une durée indéfinie. (CA, I: 36)

Em Un beau ténébreux as recordações de Gérard emergem também em consonância com as repercussões acústicas do tempo:

Journées couvertes et fraîches d’été, sans un souffle – je ne sais pourquoi journées d’enfance, presque toujours un après-midi de

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