• Nenhum resultado encontrado

7 UMA ESCOLA DO CAMPO: UM CAMPO DE FORMAÇÃO NA

7.3 Tempo de aprender fora do tempo da escola

Nesse momento da análise, procurarei identificar nas falas dos alunos (as) egressos e dos colaboradores/as deste trabalho, quais as contribuições do projeto formativo vivido na EFA Dom Fragoso para a convivência com o universo de suas regiões, relacionando as percepções e sentimentos na entrada e saída da escola e quais as implicações desta formação para atuação no mundo.

É importante destacar que muitos desses alunos e alunas, assim como a Viviane (aluna egressa da comunidade de Lagoa do Norte/Nova Russas) não tem a oportunidade de permanecer em seus lugares, pois ainda é grande a concentração de terras não mãos de poucos. A organização de nossa sociedade, sobretudo na sociedade agrária, é muito desigual. As lutas por uma distribuição de terras e melhores condições de trabalho são antigas, embora se tenha muitos avanços, há, ainda, o registro de muitas famílias na Região do Sertão Cearense que não dispõem sequer de um espaço pequeno de terra para as atividades agrícolas da família.

Em contraposição à situação de degradação da dignidade humana imposta pela estrutura conservadora de nossa sociedade, o sentimento de saber-se pertencente a um lugar move todas as expectativas de superação das adversidades criadas sob o jugo da exploração, da desigualdade e da falta de oportunidade de trabalho no campo.

Sobre isso, Padre Géu nos esclarece:

Ainda temos uma frustração na escola, pois não conseguimos fazer com que todos os nossos jovens tenham condição de permanecer no desenvolvimento de suas atividades agrícolas. Uma grande questão que inibe seus trabalhos é que muitos deles não têm terra, são moradores, então a liberdade fica impedida de ser exercida. É complicado fazer um trabalho com uma modelagem diferente numa terra que não é sua. (Pe. Jefferson Carneiro da Silva – Pe. Géu, Membro da CPT e do Conselho da EFA Dom Fragoso)

Ao fazer uma reflexão sobre o significado das situações adversas que se enfrenta na saída do tempo escolar, FREIRE (1983) coloca que a superação das adversidades pode ser possível a partir do momento em que as pessoas passam a ter a compreensão de que estas podem estar sendo apenas os meios desafiadores para o verdadeiro exercício das ações humanas sobre seus destinos. “Cria-se, assim, um clima de esperança e confiança que eleva os homens e as mulheres a empenharem-se na superação de seus problemas” (FREIRE. 1983, p.106).

Para Alcides, o fim do tempo escolar significou o florescimento de uma nova visão sobre o mundo que há muito vinha se formando no silêncio de suas atividades na sua criação de ovinos. Conforme nos relata em sua fala:

Antes de entrar na EFA só pensava em ir embora, morar com meus irmãos em São Paulo. Tinha vergonha das atividades no campo. Depois que aprendi o sentido de tudo o que há na terra, me encantei pelo trabalho no campo. No projeto profissional da escola estudei com afinco o melhor jeito de cuidar da criação ovina. Deu certo, além de me envolver nesta criação ainda consegui envolver toda a família. Quando concluí o curso em 2013, já nem lembrava mais da vontade de ir embora, apareceu à oportunidade de trabalhar com cadastro de famílias para obtenção de sementes pela EMATERCE, eu fui. Passo 15 dias em Fortaleza e tiro 04 dias de folga, meu objetivo é só ficar no interior cuidando da unidade produtiva de ovinos que dei início ainda no tempo de estudante (Alcides da Luz dos Santos, ex-aluno da EFA, morador da comunidade indígena Aldeia da Viração – Tamboril/CE)

Silva e Queiroz (2008), no estudo sobre Formação em Alternância e Desenvolvimento Rural no Brasil, apontam que um dos avanços percebidos no projeto formativo das EFAs, está na dimensão da contribuição técnica e cidadã para uma atuação mais consciente na vida familiar e comunitária. Esta está diretamente relacionada a valores até então desconhecidos pelos/as estudantes, e isso os mantém cada vez mais próximos de suas raízes.

Sobre esse assunto, Nágila e Victor dizem:

Minha formação na EFA não foi só uma passagem pelo Ensino Médio, foi sobretudo um mergulho nas minhas raízes, algo que favoreceu a formação de minha identidade e me fez entender que a história de nossas vida é a história que a gente faz, e eu quero fazer algo grande e bom para mim e minha comunidade. (Nágila de Sousa, aluna egressa da EFA Dom Fragoso)

Nós aprendemos muito sobre a vida, são muito fortes os valores e princípios aqui trabalhados. Aprendemos sobre o estudo e o valor que ele tem para ajudar melhorar nossa vida. (Victor Luís, aluno egresso da EFA Dom Fragoso)

As falas destes alunos reforçam as contribuições apontadas por Silva e Queiroz (2008), que estão para além da formação comunitária, pois dizem receber uma formação para a vida.

Para Hélio, João dos Santos e Gonçalo Nelo, o fato de a escola ter como eixo formativo a própria realidade dos estudantes torna possível a persistência nos sonhos através da renovação da esperança para dar sentido a vida constantemente, vivendo sob a inspiração da reinvenção da vida profetizados pelos versos de Cecília Meireles(1982), quando nos coloca que “a vida só é possível reinventada”. Assim, o processo formativo da EFA coloca como renovada as forças naquilo que se aprende. Sobre isso, Hélio coloca que:

Quando conclui o curso em 2012, iniciava-se um período de estiagem, e eu triste e saudoso da escola, deixei minha criação de caprino e fui para o Rio de Janeiro. Trabalhava como ajudante de garçom, e a cada dia eu percebia o quanto minha fala e minha cultura eram diminuídas naquele lugar. Vim embora porque descobri que o sentido de minha vida é trabalhar com os animais de pequeno porte. Como as chuvas tão demorando a chegar, tô trabalhando na cidade numa loja de móveis e o que ganho dá pra ajudar na alimentação das cabras, me sinto feliz agora porque me entendo melhor. (Hélio Félix, Lagoa do Norte – Nova Russas/CE)

João também nos relata que,

Logo que concluí os estudos fiquei sem saber direito no que ia trabalhar, queria continuar com o aviário, mas sabia que precisava de uma renda que me ajudasse a manter a unidade de produção. Comecei a trabalhar de moto táxi na cidade, pego das 7 às 13 horas e depois retorno para comunidade para cuidar do aviário. (João dos Santos, Independência/CE)

A tomada de consciência de que se pode, no sertão, perseguir outros sonhos é outra contribuição da escola, que vai mostrando aos(as) alunos(as) que é possível formas de vida no semiárido que não seja apenas o trabalho no campo. Gonçalo Neto assim relata sua experiência:

Matriculei-me na EFA em 2012 e fiquei um ano, e tudo o que aprendi foi que uma atividade para ser bem feita precisa que se goste do que se faz para fazê-la. Assim, eu acabei por concluir que jamais saberia fazer bem uma atividade no campo. Então, saí da escola em maio de 2013, foi uma tristeza na família, mas eu me senti bem porque fazia, naquele momento, algo conscientemente dito pelo meu coração. Concluí o Ensino Médio numa escola regular e hoje trabalho como garçom para juntar dinheiro e fazer faculdade de administração. (Gonçalo Neto, comunidade de Irapuá – Nova Russas/CE)

O caminho da EFA Dom Fragoso está se iniciando e os resultados que a escola apresenta são muito positivos. Ver jovens tentando desenvolver atividades econômicas em seus lugares, buscando alternativas para sua permanência no lugar é algo animador. Ademais, muitos desses jovens conseguiram adentrar em faculdades públicas, em regiões como Rio Grande do Norte, Crateús e Canindé, o que demonstra o compromisso da formação do ser construída para além do Ensino Médio. Fica registrada a proposta de que é um dever do Estado colaborar para a manutenção de uma escola, cujos valores estão voltados para o desenvolvimento de um lugar tantas vezes esquecido pelas autoridades políticas ou até mesmo pelos seus filhos, que, por alguma razão, precisam dele se ausentar.

Os jovens que concluem o Ensino Médio na EFA seguem as ordens do destino com a força histórica do sertanejo, brigam para transformar as estruturas que perpetuam as práticas que fazem o sujeito se perder de sua história. Assim, eles buscam a participação em diferentes espaços de formação. Neste ano, 15 jovens que concluíram seus estudos na EFA

em 2014 estão participando de um Curso de Formação Continuada na EMBRAPA Caprinos e Ovinos, na cidade de Sobral.

A consciência de quem aprendeu a se respeitar e a valorizar seu lugar e sua cultura é diferente, um período de estiagem não é motivo para querer ir para terras estranhas exercer atividades desvinculadas de sua história, mas, ao contrário, este se constitui como um desafio para melhor aprender a construir a convivência no e com o seu lugar.

7.4 As contribuições do Projeto Formativo da EFA Dom Fragoso na prática social de