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"A mudança social que estamos a viver (...) obriga-nos a repensar aquilo que é, e foi, habitualmente tomado como certo" (Stoer, 1997:5) transportando consigo transformações que marcam os nossos quotidianos, que deixam rasto, pondo em causa equilíbrios que fragilizam as nossas identidades e nos levam a pensar que nunca como hoje conceber o nosso tempo foi tarefa tão difícil!

No entanto, neste mundo realmente contraditório e bastante fracturado, caracterizado pela compressão cada vez mais intensa do tempo e do espaço, despojado de quadros explicativos susceptíveis de organizar de uma forma

coerente o desenrolar dos acontecimentos que vamos vivenciando e intensamente focado em supostas marginalidades que nos surgem a cada instante, vai-se apoderando de alguns de nós a urgência de quebrar muitas das nossas rotinas ao pressentirmos a emergência de novos paradigmas, criando então novos conceitos, imaginando novas ideias, removendo alguma cultura instalada e gerando assim novos horizontes de possibilidades, de aspirações e de esperanças.

É que já não somos, de modo algum, o senorito satisfecho de que nos falava Ortega Y Gasset. Essa época terminou, e o momento presente parece- nos ser de consciencialização, de reflexão, de revisão, de reencontro, e talvez de construção de novos espaços, de novos lugares de enraizamento que possam criar como que um equilíbrio sábio entre a visão pessoal de cada um e a circunstância que o envolve. O espaço, o lugar, poderá ser uma condição

sine qua non para pensar as coisas ou para determinar aquilo que se pensa...e

a sua continuidade e irreversibilidade leva-nos ao desejo de o querer organizar, pois o seu estar em permanente devir, não nos permite cair na utopia de supor que aquilo que já foi possa de novo vir a ser.

Desse modo a responsabilidade que cada um de nós assume ao pretender organizar o espaço que o cerca ou onde se move, surge pelo simples facto de saber que essa organização pretendida, tendo de responder e atender à circunstância, nunca é por ela determinada e de saber ainda que, uma vez organizado, o espaço constitui igualmente circunstância. Não é portanto possível abstrair todo e qualquer acontecimento de todo o espaço e de toda a circunstância que o envolve. O "acontecer", para além de ser a essência de um mundo revelado no tempo e no espaço, é fundamentalmente determinado pela própria situação específica, concreta e singular de cada momento "que funda

no mesmo conjunto o futuro entrevisto e o passado relembrado", como escreve

Boutinet (1990:63).

Digamos que a fragilização45 dos mecanismos de securização foram

criando novos individualismos que se foram construindo na desagregação dos quadros de referência, assegurados nas sociedades tradicionais pelos mitos e

"Muitas estratégias administrativas de mudança não só se limitam a fragilizar os próprios desejos dos professores relativamente ao ensino, mas também ameaçam o próprio desejo de ensinar." (Hargreaves, 1998:5)

pelas crenças, urgindo a reabilitação do local, da comunidade de pertença, de um espaço onde as subjectividades possam ser investidas, onde o pragmatismo possa ser substituído pela reflexão e o contentamento pela felicidade... e que nos possibilite "o «contar histórias» que tenham em conta os

nossos sonhos, os nossos ideais, as nossas utopias realizáveis" como nos diz

Correia (1999:21).

E, porque, para além disso, penso também e tal como Lopes (1998: 62) que "o encontrar-me a mim mesma é um afazer individual levado a cabo com a

ajuda dos outros" continuei na minha escola a «viver» a história do meu

quotidiano, como actor e agente de uma mudança pretendida, e que incluía a ideia de uma equipa entendida como lugar de comunicação com esses outros, já que das suas diferenças e dos seus conflitos poderia com toda a certeza nascer uma unidade afectiva que se traduzisse num desejo de cooperação, de aceitação da diversidade e do imprevisto e que transformasse alguma incomunicabilidade, que sob a capa de um aparente entendimento se ia espraiando pela escola, em trabalho conjunto e participado.

E assim se foi consubstanciando o tempo e o espaço para que surgisse, um dia, vindo de uma Faculdade, o Projecto "CRIA-SE",46 talvez porque alguns

professores dessa escola, que no seu quotidiano viviam já há muito um projecto... sem projecto...tivessem interiorizado a sua falta de engenho e arte para com os alunos deitar mãos à obra e construir o projecto formal que urgia acontecesse e se constituísse em fonte de legitimidade e autorização passível de provocar alguns efeitos potencializadores de mobilização.

O "CRIA-SE" que se apresentou como um projecto centrado na mudança do processo ensino-aprendizagem mediante mudanças no trabalho da sala de aula, da escola e com a comunidade, possibilitou ainda um trabalho de participação e valorização de instituições com diferentes estatutos, procurando firmar a partilha dos diversos saberes específicos, contribuindo, desse modo, para uma construção de saberes e saberes-fazer "nem situados

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O Projecto CRIA-SE, financiado pela JNICT e desenvolvido pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto em colaboração com o Instituto Irene Lisboa, assumiu como objectivos integrar a dimensão criativa no trabalho escolar quotidiano e verificar os seus efeitos no desenvolvimento de duas escolas primárias e dois Jardins de Infância distribuídos por duas comunidades situadas na área urbana do Porto" (Ribeiro et ai, 1997:6)

num registo do saber «sábio» dos eruditos, nem do saber «profano» dos que agem, mas antes, um saber decorrente da reflexão crítica a partir dos contextos vivenciados, e legitimados no próprio processo de «investigação pela acção»" (Terrasêca e Rocha, 1999:9).47

Das dinâmicas interaccionais que despontaram e dos trajectos e afectos que se desenrolaram, foram sendo criados significados, sentidos e envolvimentos que ao serem experimentados, se foram fundindo connosco, com a nossa identidade e com os nossos comportamentos, influenciando o futuro que a escola começou a ser...

Como contava a professora "G" "...depois apareceu o CRIA-SE...era um projecto diferente que nos uniu, nos pôs a trabalhar novamente em equipa...deu uma dimensão diferente ao trabalho da turma...foi aglutinador em termos de escola."

"O que procuramos na nossa vida é apreender as coisas vagas que nos circundam de maneira um pouco

menos arbitrária do que outrora fazíamos".

(Abraham Moles, 1995)

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