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2.8 ENSAIOS DE CAMPO, CAPACIDADE DE SUPORTE E TENSÃO RESIDUAL

2.8.2 TENSÃO RESIDUAL EM PROVAS DE CARGAS

Aspectos como tipo de estaca, geometria, execução, profundidade da estaca, concretagem, cura e efeito de escala trazem questionamentos, por exemplo, quanto às tensões residuais e à profundidade crítica que afetam a capacidade de suporte e necessitam de análises.

Muitos textos sugerem a existência da chamada “profundidade crítica” isto é, uma profundidade abaixo da qual as resistências lateral e da base seriam constantes e independentes do acréscimo da tensão efetiva. Segundo Fellenius (2002), este conceito é errado, pois é baseado em uma interpretação incorreta de resultados de provas de carga instrumentadas e, portanto, não deveria ser aplicado. A consideração de que a resistência de ponta aumenta linearmente com a profundidade até um determinado valor limite é uma idealização que teve como suporte os trabalhos experimentais de Vésic (1977 a) e Meyerhof (1976).

Anjos (2006) apresentou o efeito da tensão residual a partir das Equações 2.16 a 2.18 e da Figura 2.15. O autor considerou a situação de uma estaca isolada executada em solo arenoso homogêneo e admitiu que a resistência lateral unitária, ql, aumenta linearmente com a

profundidade, z, ou seja, é proporcional à tensão vertical efetiva, ’v de acordo com:

( ) ( ) (2.16)

O esforço normal N à profundidade z é dado por:

∫( ( ) ( )) ( )

(2.17)

Onde:

F= força aplicada no topo da fundação; = peso específico do solo.

O atrito lateral foi representado por uma fração da carga, xF, e a relação entre o esforço normal, a carga aplicada no topo da fundação, e o atrito é dada pela Equação 2.18, uma equação do segundo grau ou parabólica.

( ) (2.18)

Para as situações para x= 0,6 e 0,9, isto é, 60 e 90% da carga aplicada F é suportada pelo atrito lateral (Figura 2.15). Anjos (2006) ainda salientou que, caso existisse uma profundidade a partir da qual tanto a resistência de ponta como a resistência lateral se mantivessem constantes, a distribuição do esforço normal a partir dessa profundidade seria linear (visto que a integração de uma constante resultaria a equação de uma reta).

Figura 2.15 - Distribuição do esforço normal em profundidade(Anjos,2006).

As cargas residuais, geralmente, são de natureza semelhante ao atrito negativo e surgem devido a vários fatores, entre eles: perturbações durante a instalação; reconsolidação do solo após instalação; ciclos de carregamentos em provas de cargas; e retração do concreto.

Fellenius & Altaee (1994) alertaram que não existe profundidade crítica e que, muitas vezes, a interpretação dos ensaios de prova de carga é feita tendo apenas em vista as cargas aplicadas durante o ensaio, ignorando-se a existência de quaisquer forças “residuais” instaladas na estaca antes do carregamento. Apresentaram um caso de estudo em que se compara a distribuição

0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1 N / F z /L x = 0,6 x = 0,9

correta do esforço normal com a distribuição sem consideração das cargas residuais (Figura 2.16).

(a) (b)

Figura 2.16 -a) Distribuição de carga; b) Resistência lateral unitária em profundidade (Fellenius &Altaee, 1994).

Falconio & Mandolini (2003) abordam a influência das tensões residuais em estacas escavadas e, segundo esses autores, o fenômeno poderia ser descrito como a seguir: após a concretagem de uma estaca escavada, ocorre um processo químico exotérmico podendo surgir efeitos de contração ou expansão de acordo com as condições ambientais externas (seco ou úmido) e o tipo do cimento usado. Assumindo que um estado de deformação “zero” exista na interface estaca-solo no momento da colocação do concreto, eles entendem que o solo circundante à estaca reage a qualquer variação de deformação depois deste tempo. Em condições ambientais secas, a estaca poderá contrair, mas o solo, na interface, desenvolverá atrito lateral, desta forma, permitindo uma redistribuição das deformações na estaca de acordo com a condição de carga externa total igual a zero. O mesmo se aplica a ambiente externo úmido, com a diferença de que, neste caso, a estaca poderá experimentar expansão. A Figura 2.17 e a Figura 2.18 mostram resultados de medidas de deformações após a concretagem. Vê-se, na Figura 2.17, que, dependendo da profundidade, distintos valores de deformações ( - microdeformações) são registrados e também que somente valores de deformação negativos (contração) são registrados. O subsolo é composto de uma areia siltosa saturada. Na Figura 2.18, valores

Carga residual Instrumentação

positivos e negativos de deformação são registrados em função da presença de nível d’água que se encontrava na cota (-4m).

Figura 2.17 -Medidas de deformações (negativas) em estaca escavada (Falconio & Mandolini, 2003).

Figura 2.18 -Medidas de deformações (positiva e negativa) em estaca escavada (Falconio & Mandolini, 2003).

Segundo Fleming (1992), a resistência de ponta aumenta em profundidade, mas a uma taxa progressivamente menor com o aumento do nível de tensões, explicada pela redução do ângulo de resistência ao cisalhamento do solo com o aumento das tensões e a ruptura confinada da base da estaca. Na prática, significa que o fator Nq decresce com o aumento do

nível de tensões.

O programa Unipile foi desenvolvido por Goudreault & Fellenius (1990) e considera a capacidade de suporte, recalque, atrito negativo, aspectos da instalação e as tensões residuais. Segundo os autores, geralmente, ignoram-se as cargas residuais em análises de provas de

7,9 m 1,3 m 3 m 10 m 20 m 35 m

cargas instrumentadas, levando-se, na maioria dos casos, a uma maior estimativa do atrito lateral e a uma consequente diminuição na resistência na base da fundação.

Entretanto, segundo Goudreault & Fellenius (1990), as tensões residuais podem ser levantadas através do uso do programa Unipile, obtendo-se a hipotética curva de distribuição de carga em profundidade.

Fellenius (1988, 2004) justificou a metodologia, a partir de uma série de trabalhos. Entre esses, estão Bjerrumet al.(1969); Fellenius & Broms (1969); Fellenius (1972); e Bozozuk (1981), que, essencialmente, conduzem a afirmar que todo sistema composto pela estaca e o maciço está sujeito à tensão residual e, portanto, sujeito à carga residual. Assim, geralmente, há um equilíbrio de forças entre a soma do peso próprio e a carga (advinda do atrito negativo) na parte superior da fundação e a soma entre as parcelas de carga devido à base e do atrito (atrito positivo) na parte inferior da estaca. O ponto de equilíbrio é o chamado ponto neutro. Segundo Fellenius (2004), o fenômeno ocorre sempre e independente da magnitude do recalque do solo ao redor da estaca, com deslocamentos obtidos para a mobilização da tensão residual da ordem de 2 mm.