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A tentativa de colonização industrial em São Francisco do Sul: Falanstério do Saí

Destes, 7.203 eram escravos, sendo os demais livres, contando entres eles brancos, pardos e

1.1.2. A tentativa de colonização industrial em São Francisco do Sul: Falanstério do Saí

De acordo com Rocha (1994), o enfraquecimento da estrutura feudal na Alemanha – que ocorreu tardiamente, final da fase “a” do ciclo longo 1790-1815 - propiciou a disponibilidade de mão de obra que formou o contingente emigratório dos primeiros alemães que se estabeleceram no Brasil, formando algumas colônias. A retomada da política de colonização foi impulsionada também pela abertura dos portos brasileiros às nações amigas, e pela vinda da família real portuguesa, em 1808, o que promoveu a imigração de agricultores alemães, suíços, etc. no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

É neste contexto que, conforme lembra Cunha (1982), nas décadas de 1820 a 1840, retoma-se o interesse pela ocupação de Santa Catarina, destacando-se os pequenos contingentes de imigrantes europeus de diversas nacionalidades 48. Podendo-se citar a formação das seguintes Colônias: Ericeira, em Porto Belo (1810, portugueses); São Pedro de Alcântara (1829, alemães); Rio Negro/Mafra (1829, alemães); Nova Itália, em São João Batista (1836, italianos); Saí, em São

48 Entre 1810 e 1842, São Francisco registrou fraco desempenho demográfico, tendo reduzido sua participação de 15,28% para 7,36%. Laguna também apresentou considerável redução, de 20,36% para 9,19%, contribuiu para este decréscimo a Revolução Farroupilha e o desmembramento de Tubarão. A Ilha de Santa Catarina não apresentou oscilação muito acentuada, passando de 39,79% para 37,72%.

Francisco do Sul (1842, franceses); Ilhota (1842, belgas); Armação, em Armação da Piedade (1847, alemães); e Santa Izabel, na Estrada São José - Lages (1847, alemães).49

Foi neste período que, uma tentativa isolada de povoamento considerado utópico, foi implantada em São Francisco do Sul.50 Essa colônia conhecida como Colônia do Saí, iniciou-se em 1842 com a chegada de 100 franceses na porção continental do município de São Francisco do Sul, a intenção era criar uma colônia industrial. Os franceses tinham as mais variadas profissões, ligadas principalmente a produção industrial, dentre elas destacam-se os ofícios de engenheiro, médico, cirurgião, modelista, chapeiro, alfaiates, artífice, técnico em máquina a vapor, ferreiro e construtores de barcos. O contrato para a organização desse grupo foi feito entre o governo imperial e o médico Benoit Jules Mure. Benoit foi fundador do Instituto Homeopático de Paris e do Instituto Homeopático do Rio de Janeiro (PELUSO JÚNIOR, 1991).

Esses franceses vieram para fundar um falanstério (primeira tentativa de povoamento francês no município), tipo de sociedade baseada nas idéias de Fourier, francês nascido em Besançon no ano de 1772. Benoit tinha a intenção de fabricar, nessa comunidade, vários tipos de máquinas a vapor. A sociedade foi constituída com muito sacrifício e trabalho dos franceses, onde hoje se localiza a Vila da Glória. Porém, logo no início o material fabricado no Saí não teve saída, e os pedidos foram sendo cancelados. Benoit pensou que a solução seria investir na agricultura, contudo esse não era o ramo de trabalho dos membros da sociedade.

Enfrentando muitas dificuldades e com a chegada de mais 117 colonos, os integrantes começaram a se desentender, e parte deles fundou outra colônia, na localidade de Palmital, situada em um ponto mais distante na baía de Babitonga, onde hoje se localiza o município de Garuva. Muitos outros membros saíram aos poucos do falanstério, e a sociedade acabou se desfazendo.

A maioria dos colonos franceses voltou para a Europa ou foram para outros lugares, permanecendo em São Francisco pouquíssimas famílias, as quais contribuíram para o desenvolvimento político e social

49 Fonte: Dados oriundos de pesquisas do Autor (Idaulo J. Cunha) em relatórios e falas presidenciais e em relatos de cronistas da época (apud Cunha, 1981).

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Segundo Peluso Júnior (1991) a região norte de Santa Catarina, antes da chegada dos alemães em Joinville teria recebido somente colonizadores vicentistas e açorianos, com exceção da tentativa de povoamento utópico por franceses, em 1842, na parte continental de São Francisco.

da região. Em 1857 um comerciante do Rio de Janeiro chamado Flores quis trazer portugueses para colonizar o Saí, mas não obteve êxito. 1.4. O TERCEIRO SURTO IMIGRATÓRIO E O DINAMISMO ECONÔMICO EMPREENDIDO PELOS NOVOS COLONIZADORES Durante o século XIX (mais especificamente entre 1850 – 1900), os vales atlânticos foram ocupados por pequenas explorações policultoras de alemães (Joinville e Vale do Itajaí) e italianos (sul do estado). Um dos fatores que contribuiu para a industrialização das áreas alemãs foi a imigração de alta qualidade, composta por pequenos industriais, comerciantes, engenheiros e operários especializados, forçados a abandonar a Alemanha em decorrência das crises econômicas que assolavam a Europa (MAMIGONIAN, 1966).

O estabelecimento dos imigrantes europeus nos vales atlânticos catarinenses ocorreu num terceiro surto imigratório 51 estimulado, conforme Rocha (1994), pelas transformações econômicas e sociais da Alemanha, ou seja, sua inserção tardia na Revolução Industrial, no início de um novo ciclo de crescimento (fase “a” do ciclo longo, 1847 – 1873), o que resultou na decomposição da antiga produção artesanal e manufatureira e na subdivisão das propriedades agrárias. Foi neste momento que núcleos coloniais como Blumenau (1850) e Joinville (1851) originaram-se.

De acordo com Cunha (1982), entre 1850-1872, Santa Catarina registrou um acréscimo demográfico de 85%, passando de 86.490 para 159.802 habitantes. Entre 1850-72, Blumenau e Joinville receberam cerca de 13.305 imigrantes (16,11% do incremento populacional da Província). Entre 1873-1880 chegaram mais 10.200 imigrantes. Entretanto, as regiões de colonização açoriana apresentavam lento crescimento demográfico52, cerca de 1% a.a., o que demonstra a sobreposição dos novos núcleos.

51 O primeiro surto imigratório de caráter político-militar estratégico do governo, foi realizado no século XVIII, por imigrantes portugueses das Ilhas de Açores e Madeira. O segundo ocorreu nas décadas de 1820 a 1840, sobretudo por alemães e italianos. E a terceira ocorreu entre 1850 e 1900, nos vales atlânticos catarinenses, e também destacou-se a presença de alemães e italianos, porém cabe lembrar a presença de colonizadores de outras nacionalidades, como suíços, polacos, belgas, etc.

52 “O baixo ritmo de aumemento demográfico destas áreas, as quais não absorveram contingentes significativos de novos imigrantes, deveu-se não só à orientação da emigração para áreas pré-determinadas, como também, pela falta de atração das mesmas. Como conseqüência, ocorreu a deteriorização da representatividade econômica e a concomitante ascensão das regiões lideradas pelos imigrantes e seus descendentes” (CUNHA, 1982, p. 38).

Ainda que a colonização européia tenha sido tentada em várias outras regiões do Brasil (Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais e especialmente Espírito Santo), foi no sul do país que a colonização obteve maior sucesso e estendeu-se por maiores áreas, povoadas essencialmente por estes colonos de origem européia. No sul os colonos encontraram um clima ameno, devido ao aumento da latitude, e também devido à altitude, dispunham na maior parte das vezes de um relevo suave aliado a solos ricos e profundos ainda virgens, e recobertos por matas (BERNARDES, 1952).

A imigração européia teve lugar em época em que as lutas para a fixação dos limites meridionais desapareceram. As correntes de povoamento que precederam à chegada de alemães, italianos, belgas, franceses, polacos, russos, etc., apresentavam duas ordens de motivações: uma da parte do governo, que traduzia a política por ele posta em execução; outra, da parte dos imigrantes. Estas mesmas ordens de razões encontram-se na imigração européia (PELUSO JUNIOR, 1991). 53

No ano de 1851, dava-se início à Colônia Dona Francisca (futura Joinville), embora as terras tivessem sido colonizadas pela Companhia Colonizadora de Hamburgo, inicialmente foram de propriedade de François Ferdinand, Príncipe da cidade francesa de Joinville, e da Princesa Dona Francisca Carolina, brasileira e irmã do Imperador Pedro II. O casal recebera as terras como dote de casamento, em 1843, no entanto, anos depois as venderam para um senador alemão que resolveu povoá-las. Em cinco de março de 1851, a Barca Colón, com 118 imigrantes germânicos, marca o início da Colônia, em terras pertencentes ao Distrito de São Francisco do Sul, localizadas no continente (S.THIAGO, 2002).

No dia 27 de setembro, do mesmo ano, ancorou em São Francisco, vindo de Hamburgo, o brigue dinamarquês Gloriosa, trazendo para a Colônia Dona Francisca, 77 imigrantes, entre eles Rodowicz, acionista da Companhia Colonizadora de Hamburgo, este foi o primeiro a descrever com mais detalhes os mais variados aspectos do

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O pensamento econômico da primeira metade do século XIX foi dominado pelas idéias de Adam Smith (na sua obra Riqueza das Nações, 1776), segundo este, a riqueza depende do trabalho do homem. Os últimos decênios do Brasil – colônia coincidiram com a substituição do mercantilismo pelo liberalismo: aquele, que dominou até à Independência, era a idéia metalista, atenuada depois da mudança da família Real para o Brasil, que sacrificava a colônia em benefício da metrópole; este, adotado pelos estadistas do Império, era a idéia do valor do trabalho humano, conduzindo o país despovoado a atrair o imigrante europeu, pois que a eficácia do trabalho é maior entre os povos civilizados (PELUSO JUNIOR, 1991).

meio ambiente (S. THIAGO, 2002). Cerca de três meses após a chegada da embarcação “Gloriosa”, aportou em São Francisco a barca “Neptuno”, depois de uma viagem de 52 dias trazendo a bordo 78 colonos (RODOWICZ, 1992). Em seus relatos, Rodowicz (1992, p. 45 e 46) faz referência ao porto de São Francisco, dizendo

Que o porto se ache próximo da Colônia, inegavelmente é uma vantagem que muitas outras localidades não têm. Eu, porém, tenho minhas dúvidas quanto ao grande futuro, vaticinado para o embarcadouro de S. Francisco, pelo menos em nossa era. Contudo, o movimento do porto vai aumentar, como já deverá ter notado com a influência que a Colônia exerce sobre ele. As necessidades dela, ainda que nem todas, mas em grande parte, são supridas por lá. A Colônia foi, até agora, consumidora e já se notou maior movimento em S. Francisco. Quando ela se tornar também produtora, o movimento nele mais se acentuará. Antes, S. Francisco quase não conhecia dinheiro de prata e papel, e onerosas remessas de dinheiro de cobre eram feitas para o Rio de Janeiro [...] Até que o comércio exercido entre a Colônia e S. Francisco assuma importância, muita coisa precisará ser modificada. Até agora, S. Francisco só tem servido como intermediário no comércio, entre Rio e S. Catarina etc., sem qualquer comunicação com o interior da Província.

Ainda segundo os relatos de Rodowicz (1992), até o momento os navios costeiros, que eram entre 6 e 10, geralmente encontravam-se ancorados no porto54, estes traziam pequenos carregamentos de carne seca, açúcar, vinho, farinha de trigo, água-ardente, esteiras, manufaturas de pedra e ferros, e levavam pequenas quantidades de tábuas, ripas, feijão, e, principalmente, farinha de mandioca. Com este último produto é que se faziam os negócios de algum vulto, porque todos os restantes juntos mal davam para suprir as vendas de São Francisco.

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Além das comunicações marítimas entre a Colônia – S. Francisco – e Desterro, existia uma comunicação por terra entre S. Francisco e a capital do Estado. Alcançava-se a capital com tempo a cavalo, em cinco dias, enquanto fazia-se a mesma viagem de veleiro em um a três dias (RODOWICZ, 1992).

Os colonos estabelecidos no nordeste e Vale do Itajaí diversificaram a agricultura e deram início às primeiras unidades fabris, com o desenvolvimento do artesanato e manufaturas. Os imigrantes iniciaram a produção em pequenas propriedades de gêneros básicos para o abastecimento local55, como milho, cana-de-açúcar, mandioca, arroz, gado leiteiro, suínos, aves, etc., e a fabricação de banha, manteiga e queijo, substituindo a importação destes produtos, e posteriormente exportando o excedente.

Entre 1850-1880 foram fundadas em Joinville serrarias, usina de açúcar, engenho para fabricação de cachaça, unidades de fabricação de tijolos, telhas, louça de barro, e foi também introduzido o arado (em 1856 em Joinville, e na década de 1860, em Blumenau), o que significou, conforme destaca Cunha (1982, p. 42), “expressivo aperfeiçoamento tecnológico para a época”. A constante comunicação com a Europa oportunizava melhorias e avanços para as novas colônias, com renovação e atualização de conhecimentos.

Apesar dos imigrantes alemães não se estabelecerem em São Francisco do Sul, o dinamismo econômico empreendido pelos mesmos refletiu de forma direta na movimentação do porto, com a exportação de madeira, produtos manufaturados e, sobretudo, erva-mate, a partir de 1880. Alterando também a pauta das exportações catarinenses, registrando-se queda acentuada da farinha de mandioca e ascensão dos produtos oriundos das novas colônias.

Bastos (2011) corrobora ao afirmar que, na segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, as atividades portuárias tiveram um forte incremento, impulsionado pelos imigrantes de origem alemã e italiana que se estabeleceram nos vales atlânticos catarinenses, pois o aumento das importações favorecia os comerciantes das cidades portuárias (Hoepcke, por exemplo) que ampliavam sua clientela, ocorrendo a diversificação e o acréscimo das exportações, podendo-se citar a erva-mate exportada pelo porto de São Francisco do Sul, a madeira pelo porto de Itajaí, e o carvão pelo porto de Laguna.

Os incrementos das exportações como das importações, segundo Bastos (2011) teve como conseqüência o aumento das taxas de urbanização, resultando no adensamento do tecido urbano das cidades portuárias, o que caracteriza, de acordo com sua periodização, a segunda fase de urbanização do litoral catarinense.

55 O mercado interno foi essencial no início da colonização alemã, durante as fases de instalação e embasamento das colônias. O aprimoramento da rede interna de transportes que ligava a colônia a seus núcleos, favoreceu a expansão do mercado interno (CUNHA, 1982).

1.5. A ESTRADA DA SERRA OU ESTRADA DONA