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Tentativas de intensificação do sistema cabruca entre os anos 1960-1990

A partir da década de 1960, sob a influência dos ideais da Revolução Verde e diante da consolidação da modernização agrícola no país a partir dos anos de 1950 (SILVA, 1996), surgiram as primeiras tentativas de substituição do sistema cabruca por sistemas mais intensivos. Em comparação com sistemas agrícolas intensivos, o sistema cabruca possuía baixa densidade de plantas e uma menor produtividade. Ademais, o mesmo era desvalorizado por basear-se em tecnologias simples e no conhecimento local dos

agricultores, considerado inferior em relação ao conhecimento científico vinculado aos sistemas agrícolas intensivos desenvolvidos por especialistas (ROSÁRIO et al., 1978). Como resultado, apesar de ecologicamente apropriado, o sistema cabruca passou a ser visto como uma forma de manejo pouco viável economicamente (MÜLLER e GAMA- RODRIGUES, 2007). Dessa forma, as instituições atuantes na região passaram a incentivar a modernização da cacauicultura regional por meio da adoção de práticas e insumos “modernos” como fertilizantes químicos, pesticidas, herbicidas e sementes melhoradas.

4) Derruba total

Tendo como base o modelo agrícola moderno, o sistema de cultivo denominado de derruba total passou a ser promovido no Sudeste da Bahia pela Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), instituição criada em 1957 pelo governo federal (Tabela 1). A CEPLAC viria a tornar-se a principal instituição de pesquisa e extensão do Sudeste da Bahia na segunda metade do século XX (ALVIM, 1976; MANDARINO, 1979). Esse método foi promovido com o início das atividades de extensão da CEPLAC, que se deu em 1964. Com a implantação do Programa de Diretrizes para Expansão da Cacauicultura Nacional (PROCACAU) entre os anos de 1976 a 1985, o método derruba total foi disseminado em novas áreas de expansão da cacauicultura na Bahia e em outros Estados Brasileiros (MENDES, 2000:54).

As práticas recomendadas para a intensificação do sistema cabruca pela CEPLAC consistiam na redução significativa do nível de sombra através da aplicação de arboricidas e a adoção de variedades híbridas, aplicação de fertilizantes químicos e pesticidas (JOHNS, 1999). A recomendação dessas práticas ancorava-se em resultados de diversos experimentos de campo efetuados na região. Esses resultados demonstravam que cacaueiros em ambientes pouco sombreados e bem adubados apresentavam um incremento de produtividade de cacau considerável em um curto período de tempo (ALVIM, 1976). A produtividade média alcançada nesses plantios girava em torno de 1.500 kg por hectare a partir do décimo ano de cultivo (DEPEX, 1982; GRAMACHO et al., 1992). Apesar das maiores produtividades serem alcançadas em plantações não sombreadas, a CEPLAC foi prudente ao não recomendar a completa remoção de árvores de sombra nas plantações de cacau, haja vista que não se havia conhecimento suficiente sobre as conseqüências que tal medida poderia ocasionar (ALVIM, 1976). Por outro lado, as conseqüências da drástica

redução do sombreamento promovidas pelo método da derruba-total para a produtividade de longo prazo das cabrucas na região não foi estudada, uma vez que a preocupação principal dos pesquisadores era com o aumento da produtividade das plantações de cacau em um curto período de tempo (ALVIM, 1976).

Na implantação desse sistema, efetuava-se primeiramente a roçagem da vegetação rasteira, para depois derrubar todas as árvores existentes na área, normalmente ocupada por mata ou capoeira (GRAMACHO et al., 1992). Esperava-se de trinta a sessenta dias para queimar a vegetação derrubada (MANDARINO e SANTOS, 1978). Em seguida, realizava-se o balizamento para o plantio do cacau e o plantio do sombreamento provisório e definitivo. O sombreamento provisório e definitivo do cacau era homogêneo, sendo constituído respectivamente pela bananeira e por árvores leguminosas de rápido crescimento do gênero

Erythrina. Essas últimas árvores eram plantadas com um espaçamento entre si de 24

metros (MANDARINO e SANTOS, 1978). As espécies do gênero Erythrina já vinham sendo promovidas pelos agrônomos do ICB desde a década de 1930 como a melhor espécie de sombra para os cacaueiros (MIRANDA, 1938). A densidade de árvores para o sombreamento definitivo recomendado neste sistema era de apenas 25 a trinta árvores por hectare (ALVIM, 1976), densidade que deveria proporcionar de 50 a 60% de luz na fase produtiva da lavoura (GRAMACHO et al., 1992). Essa densidade era bastante inferior àquela praticada, em média, nas cabrucas da região; que era de cerca oitenta árvores por hectare (ALVIM, 1976). Apesar de espécies de um único gênero serem promovidas, os especialistas recomendavam que não fosse utilizada uma única espécie de árvore para o sombreamento definitivo, a fim de prevenir possíveis danos associados a ataques de pragas e doenças (MANDARINO e SANTOS, 1978).

Como resultados das ações da CEPLAC, mais de 150 mil hectares de plantios de cacau foram intensificados entre os anos de 1968 e 1972 (ALVIM, 1977). Posteriormente, entre os anos de 1976 a 1985, diante dos favoráveis preços do cacau, a CEPLAC em conjunto com o Banco do Brasil e outros órgãos governamentais nacionais implementou o Programa de Diretrizes para Expansão da Cacauicultura Nacional (PROCACAU). Este programa visava expandir o cultivo do cacau em trezentos mil hectares em vários Estados do Brasil, sendo que noventa mil hectares no Sul da Bahia, aumentar a produtividade dos cacauais e renovar 150 mil hectares de cacauais decadentes na Bahia (ROSÁRIO et al., 1978). A meta desse programa, que contou com recursos públicos, era alcançar a produção

de setecentas mil toneladas anuais de cacau no início da década de 1990 (ROSÁRIO et al., 1978).

O crédito agrícola subsidiado era concedido apenas para a renovação e implantação de novos cacauais no sistema derruba total, não sendo permitida a adoção da cabruca (Entrevistado 4). No entanto, apesar de muitos contratos de crédito terem sido estabelecidos, muitos desses agricultores rejeitaram ou seguiram de forma muito limitada as recomendações técnicas do programa (JOHNS, 1999). A dificuldade dos extensionistas da CEPLAC em inspecionar o completo cumprimento das recomendações de forma rigorosa pelos estabelecimentos favoreceu essa situação (Ibid.).

Além disso, apesar das recomendações técnicas oficiais, alguns extensionistas da própria CEPLAC orientavam os agricultores a modificarem algumas das práticas do método derruba total (MANDARINO, 1979; Entrevistado 6). Esses extensionistas orientavam os agricultores a aproveitarem para o sombreamento provisório dos cacaueiros árvores nativas como a corindiba, que brotavam no terreno espontaneamente após a queimada da área, ao invés de plantar mudas de bananeira como preconizado pela CEPLAC. O desvio das orientações técnicas da instituição era justificado pelos extensionistas por ser extremamente caro o transporte das mudas de banana em localidades de difícil acesso. Outro motivo alegado para a não adoção das práticas do método derruba total pelos extensionistas na época era a escassez de mão-de-obra em certas regiões (MANDARINO, 1979; Entrevistado 6).

5) Cabruca tecnicamente formada

Alguns relatos atestam que nos primeiros anos do PROCACAU um grupo formado por produtores rurais e por alguns extensionistas da CEPLAC pressionou os dirigentes da CEPLAC para que a concessão do crédito fosse estendida à implantação de cultivos de cacau no sistema cabruca. Esse grupo alegava que os cacauais implementados na cabruca produziam tanto quanto aqueles na derruba total (Entrevistado 4). Em 1978, após estudo executado por uma comissão mista formada por pesquisadores e extensionistas da CEPLAC, o Departamento de Extensão da CEPLAC autorizou a elaboração de projetos de crédito para o estabelecimento de cacauais com o método cabruca. No entanto, esse

método não era o mesmo que aquele utilizado tradicionalmente na região, sendo denominado pela CEPLAC de cabruca tecnicamente formada. Esse novo método de formação de cacauais deveria seguir determinadas orientações técnicas para ser autorizado em novas áreas no âmbito do PROCACAU (DEPEX, 1978) (Tabela 1). De acordo com um estudo realizado por Mandarino (1979), as plantações manejadas nesse método apresentavam um desenvolvimento vegetativo e uma produtividade similar aquela do método derruba total, mas apresentava ganho de tempo na formação da lavoura e uma economia de 30% em mão-de-obra para a implantação e manejo até o quarto ano dos cacauais em relação à derruba total (MANDARINO, 1979). A única atividade que demandava uma maior atenção e mão-de-obra em relação a derruba total era o controle do sombreamento, principalmente quando realizado por meio da poda (MANDARINO, 1979).

Esse método deveria ser adotado apenas em áreas marginais que apresentassem determinadas circunstâncias locais como solos rasos, baixos níveis de fertilidade do solo, difícil obtenção de mudas de bananeiras devido a problemas de acesso aos meios de transporte, escassez de mão de obra e inundações freqüentes (DEPEX, 1978; GRAMACHO

et al., 1992). Em todos os outros casos, a derruba total deveria ser privilegiada em relação

ao método cabruca tecnicamente formada (DEPEX, 1978).

Para a execução desse método, a CEPLAC estabeleceu orientações para a formação do sombreamento a partir da mata primária, secundária ou capoeira e para a sucessiva correção do sombreamento. Inicialmente deveria ser realizada a roçagem da vegetação rasteira e o corte das árvores de menor porte, de forma a deixar apenas aquelas árvores que funcionariam como sombreamento provisório para os cacaueiros (MANDARINO, 1979). Em alguns locais da plantação, onde houvesse clareiras resultantes da queda de árvores, era recomendado complementar o sombreamento provisório com mudas de bananeiras (MANDARINO, 1979). Formado o sombreamento provisório, derrubavam-se as árvores de maior porte, deixando apenas de 25 a 30 árvores de sombra por hectare (Tabela 1), que deveriam proporcionar o sombreamento definitivo aos cacaueiros (MANDARINO, 1979). A densidade arbórea de uma cabruca tecnicamente formada era, portanto, a mesma promovida para o sistema derruba total, divergindo daquela praticada no sistema cabruca tradicional (MANDARINO, 1979). A densidade de plantio dos cacaueiros também era a mesma recomendada para áreas de derruba total (3m x 3m) [DEPEX, 1978].

Com exceção do preparo da área e do raleamento do sombreamento, todas as demais operações agrícolas recomendadas nesse método deveriam ser executadas da mesma forma como orientado para o método derruba total (DEPEX, 1978; MANDARINO, 1979). As operações culturais recomendadas pelos técnicos do DEPEX (1978) eram a roçagem (no mínimo quatro ao ano até o quarto ano de cultivo, após duas ao ano no mínimo), a aplicação de fertilizantes, correção do sombreamento, controle de pragas e doenças, desbrota e poda (de formação, de recuperação e de manutenção). As produtividades médias de cacau esperadas eram semelhantes àquelas obtidas com o método derruba total (GRAMACHO et

al., 1992).

A correção do sombreamento era realizada entre o quarto e quinto mês do plantio dos cacaueiros, derrubando-se a sombra provisória em excesso (DEPEX, 1978). Do segundo ao quinto ano do plantio dos cacaueiros, continuava-se o raleamento da sombra por meio do anelamento ou uso de arboricida.

6) Consórcio cacau-seringueira

Deve-se citar entre os principais métodos de implantação e cultivo de cacau adotados no Sudeste da Bahia ao longo do século XX o sistema de consórcio entre cacau e seringueira (Hevea brasiliensis), espécie nativa da Amazônia (VIRGENS et al., 1988). Estima-se que existam oito mil hectares sob esta forma de cultivo (MARQUES et al., 2007). Este sistema, que utiliza a seringueira como sombra definitiva para os cacaueiros, começou a ser adotado a partir da década de 1970 como forma de reduzir a emergência de plantas espontâneas nos seringais e diversificar a produção nos estabelecimentos rurais (VIRGENS

et al., 1988; MARQUES et al., 2007). Este apresenta a vantagem em relação aos métodos

anteriores de fornecer uma renda constante ao longo do ano proveniente da extração do látex da seringueira (MARQUES et al., 2007). A CEPLAC tem incentivado a substituição de espécies do gênero Erythrina pela seringueira (Ibid.) a fim de agregar valor econômico à exploração do cacau e fornecer sombra de qualidade (Ibid.).

A densidade das plantas de cacau pode variar entre 450 a 900 plantas por hectare (VIRGENS et al., 1988; MARQUES et al., 2007) enquanto que a densidade das plantas de seringueira é normalmente de 473 plantas por hectare (MÜLLER e GAMA-RODRIGUES,

2007). A produtividade de cacau média obtida é de 780 kg por hectare por ano (VIRGENS et

al., 1988; MÜLLER e GAMA-RODRIGUES, 2007).

Outros métodos menos significativos em termos de área cultivada envolvem combinações entre cacau e craveiro-da-Índia (Syzigium aromaticum) e cacau e canela (Cinnamomum zeylanicum) (SENA-GOMES, 1995 citado por BRITO et al., 2002). Além desses métodos, novas formas de cultivo de cacau, que vem sendo testadas recentemente na região, são o cultivo de cacau não sombreado e irrigado, também adotado em áreas mais secas no interior do Estado, e o cacau irrigado cultivado em áreas de pasto (SCHROTH, comunicação pessoal).

1.4 EXPANSÃO DO SISTEMA DERRUBA TOTAL VERSUS A MANUTENÇÃO DO