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Teodoro de Almeida e a Congregação do Oratório no século XVIII

CAPÍTULO 2 – A TEOLOGIA NATURAL DO PADRE TEODORO DE ALMEIDA

2.1 Teodoro de Almeida e a Congregação do Oratório no século XVIII

Muitos trabalhos já esquadrinharam suficientemente bem os principais aspectos relacionados ao estabelecimento e desenvolvimento da Congregação do Oratório em Portugal entre os séculos XVII e XVIII, assim como da vida e dos escritos do padre Teodoro de Almeida. Em seu conjunto, permitiram a formação de um quadro bastante amplo e já consolidado da ascensão cultural dos oratorianos no Setecentos e da importância do padre nesse contexto.

Assim, o que pretendemos nesse capítulo é, a partir desta bibliografia e dos escritos de Teodoro, discutir alguns aspectos relacionados à sua concepção científica. Importa-nos atentar particularmente para a maneira como mobiliza a teologia natural para explicar as características de animais, plantas e da natureza em geral. Partiremos do pressuposto de que a apropriação da teologia natural, nas diversas fases de sua vida, foi feita de maneira a responder ao conjunto de ideias a que Jonathan Israel denominou “Iluminismo radical”. Para que possamos seguir adiante, porém, temos antes que pontuar algumas das principais características das atividades da Congregação em Portugal, bem como traços importantes da biografia do padre.

A Congregação do Oratório foi introduzida em Portugal em 1668 pelo padre Bartolomeu do Quental (1626-1698). Distanciando-se do paradigma inicial, que enfatizava a necessidade do aperfeiçoamento individual do clérigo e a revalorização de seu papel social,126 os oratorianos portugueses passaram a perfazer um percurso que os levaram a atribuir maior importância aos estudos e à formação dos clérigos. Dessa forma, já nas últimas décadas do século XVII foram ministrados cursos de filosofia e teologia entre os oratorianos (incluindo o triênio de filosofia o padre Diogo Tinoco na Casa do Espírito Santo), além de física, lógica e metafísica.127

Já no início do século XVIII, D. João V (1707-1750) se declarou protetor da Congregação em 1709, tomando padres oratorianos como seus confessores. Durante seu reinado, as instalações

126 Zulmira C. Santos. Literatura e espiritualidade na obra de Teodoro de Almeida (1722-1804). Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, p.194-196.

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da Casa do Espírito Santo – sede dos oratorianos – foram estendidas por determinação real.128 Em termos de ensino, sabe-se também que o monarca concedeu-lhes as primeiras provisões reguladoras do acesso à Universidade (1708), permitindo a validação dos exames efetuados no Oratório – prerrogativa que anteriormente era exclusiva dos jesuítas. Assim, a matrícula nos cursos de Coimbra passou a ser possível sem que fosse necessário repeti-los no Colégio das Artes.129 Além disso, em 1745 a Casa de Nossa Senhora das Necessidades foi doada pelo rei à Congregação do Oratório, juntamente de um moderno gabinete de física experimental. Com sua transferência para o novo convento, cinco anos depois, os oratorianos passam a contar com duas sedes em Lisboa.

A presença oratoriana na instrução, bem como a proximidade da Corte, contribuiu para o surgimento de uma rivalidade com a Companhia de Jesus. A historiografia aponta também uma maior abertura dos oratorianos à chamada filosofia moderna, descolando-se (em parte) da escolástica. Porém, deve-se ter em conta que boa parte da discussão que envolve uma suposta modernidade dos oratorianos em oposição aos “atrasados” jesuítas remete a historiadores oitocentistas que, como os da Geração de 1870, estavam interessados particularmente em demonstrar um suposto obscurantismo de um país fechado aos novos ares modernos após a época dos grandes descobrimentos.130

É difícil avaliar em que medida os oratorianos estavam, já na primeira metade do século, abertos ao ensino dos novos parâmetros da ciência moderna. Nesse quesito, o personagem de maior importância talvez tenha sido o padre João Batista (1705-1761), que ministrou um curso na Casa do Espírito Santo (1735-1737) em que possivelmente ensinou filosofia experimental. Batista publicou a obra Aristotelica restituta (1748), na qual se esforçou por mostrar como os escolásticos não compreenderam bem Aristóteles, recusando também a filosofia atomística.131 Dos modernos, seu guia preferido foi Descartes, muito embora tenha entrado em contato também com a obra de Newton.132 Em 1752, já nas Necessidades, voltou a ensinar filosofia experimental, aproveitando-se das condições favoráveis que as novas instalações permitiam ao ensino.

128

Francisco Contente Domingues. Ilustração e Catolicismo. Teodoro de Almeida. Lisboa: Edições Colibri, 1994, p.30-31.

129 Zulmira C. Santos. Literatura e espiritualidade..., p.207-208. 130 Francisco Contente Domingues. Ilustração e Catolicismo..., p.32.

131 Ferdinand Azevedo. Teodoro de Almeida (1722-1804) and the Portuguese Enlightenment. Washington, D.C.,

1974. Edição fac-similada, p.46.

132 José Sebastião da Silva Dias. Portugal e a cultura europeia (séculos XVI a XVIII). Porto: Campo das Letras,

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Compareceram às conferências os mais elevados meios sociais de Lisboa, incluindo o rei D. José, que chegou a manusear os instrumentos das experiências, e os infantes. Teodoro de Almeida viria a sucedê-lo na condução das aulas.133

Teodoro nasceu em 1722, em Lisboa. Ingressou na Casa do Espírito Santo em 1735, onde fez seus estudos e recebeu as ordens do sacerdócio. Em 1748, tornou-se lente substituto do curso de filosofia. Depois de três anos, foi nomeado mestre de Filosofia. Em 1751, iniciou a publicação da Recreação Filosófica, sua obra maior, que viria a ter dez volumes. Foi a partir de 1753 que substituiu o padre João Batista nas conferências de Filosofia experimental (ministrou-as também em 1756 e 1757).134 Não seria exagerado dizer que as lições de Batista decididamente o influenciaram no interesse pela Filosofia Natural.

O contexto do início dos anos 1750 foi, portanto, de aproximação entre a Corte e os oratorianos, tendo Teodoro exercido papel importante. A década foi de crescentes tensões entre o ministro Sebastião José de Carvalho e Melo e os jesuítas, que resultou na expulsão da Companhia de Jesus de todo o Império Português, em 1759. Naquele contexto, a obra do padre oratoriano António Pereira de Figueiredo (1725-1797) Novo método da Gramática Latina, para

uso das Escolas da Congregação do Oratório na Real Casa de N. Senhora das Necessidades foi

incluída pelo alvará de reforma dos estudos menores de 28 de Junho de 1759 entre os compêndios que deveriam ser seguidos pelos estudantes.135

Porém, os oratorianos também se veriam envoltos nas tensões políticas daquele contexto. É importante ressaltar as razões gerais do desentendimento, porque interferiram diretamente no destino de Teodoro de Almeida e demais congregados.136 Importa assinalar as questões de ordem político-doutrinária: um suposto posicionamento anti-regalista dos oratorianos que contrariaria os intentos políticos do futuro marquês de Pombal. O resultado da ira pombalina ante a um parecer negativo à publicação da obra de cunho regalista Tratatus de incircumscripta potestate

regis (1760), de Inácio Ferreira do Souto, por parte de João Batista (censor do Santo Ofício), foi

o exílio de quatro das mais proeminentes intelectualidades oratorianas de Lisboa: em 1761, Batista foi enviado para Monção, Clemente Alexandrino (irmão de Batista) para Viseu, João

133 Francisco Contente Domingues. Ilustração e Catolicismo..., p.75-76.

134 José Alberto Silva. Teodoro de Almeida (1722-1804) na Academia das Ciências de Lisboa. In: Teodoro de

Almeida. Oração e memórias na Academia das Ciências de Lisboa. Introdução e Coordenação Editorial de José Alberto Silva. Porto: Porto Editora, 2013, p.11-12.

135 Cândido dos Santos. Padre António Pereira de Figueiredo: Erudição e polêmica na segunda metade do século

XVIII. Lisboa: Roma Editora, 2005, p.25-36.

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Chevalier para Freixo de Espada à Cinta e Teodoro de Almeida para o Porto, onde ficaria até 1768.137

No Porto, Teodoro novamente viu-se alvo da perseguição do ministro, que o levou a deixar Portugal. O novo episódio se relaciona à proximidade que desenvolveu com personagens locais, considerados inimigos por Sebastião José, que anteriormente haviam tomado partido dos jacobeus na questão do sigilismo, na primeira metade do século XVIII. Referimo-nos particularmente ao bispo de Coimbra, D. Miguel da Anunciação (1703-1779), que em 1768 fez circular uma pastoral proibindo a leitura de várias obras consideradas regalistas em sua diocese, que incluía a Universidade de Coimbra. Com o pretexto de que a pastoral usurpava a autoridade da recém-criada Real Mesa Censória, estabelecida no mesmo ano, o bispo foi preso.138 Aqueles que lhe eram próximos também foram perseguidos, tendo o ministro ordenado, entre outras medidas, o fechamento do colégio na Casa das Necessidades e a proibição dos oratorianos em todo Portugal (exceto em Viseu) de pregar e ouvir a confissão. A exceção foi feita a António Pereira de Figueiredo, que deveria abandonar a ordem para se dedicar exclusivamente aos interesses do Estado.139 Ele veio a se tornar um dos ideólogos mais importantes do pombalismo.140

A partir do momento em que deixa o Porto, Teodoro estabelece-se em Biscaia (Espanha) por um curto período e, depois, em Baiona (França). Nesta, lecionou disciplinas como Física, Geometria e Geografia para a comunidade local (chegou a ter cerca de vinte alunos por volta de

137 Francisco Contente Domingues. Ilustração e Catolicismo..., p.88.

138 Ferdinand Azevedo. Teodoro de Almeida..., p.19. O parecer desta instituição que condenava a pastoral, assinado

por iminentes intelectuais associados ao pombalismo (Frei Manuel do Cenáculo, João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho e Frei Inácio de S. Caetano) justificava a expulsão afirmando que o “crime” do bispo teria sido misturar de maneira “escandalosa” teses de autores “materialistas e libertinos” condenadas pela instituição censória com alguns sábios católicos como Febrônio e Du Pin (dois autores relacionados às teses regalistas). Acusava-se ainda o bispo de sofrer influência dos jesuítas. Ver Cândido dos Santos. Padre António Pereira de Figueiredo..., p.15.

139

Ferdinand Azevedo. Teodoro de Almeida..., p.19-21.

140 Tornou-se censor da Real Mesa Censória já em 1768 e de integrar a Junta da Providência Literária responsável

por elaborar os Estatutos da Universidade de Lisboa de 1772. No contexto do rompimento das relações entre a Coroa portuguesa e a Santa Sé decorrente da expulsão dos jesuítas, redigiu a Tentativa Teológica (1766), na qual advogava em favor do episcopalismo, isto é, a autonomia dos bispos de Portugal em relação ao papado. Como também foi feito na Demonstração teológica (1769), o padre valeu-se de seus vastos conhecimentos de obras de autores estrangeiros ligados ao regalismo, especialmente jansenistas, para afirmar a primazia da Igreja nacional em relação a Roma. Seus principais mestres de pensamento eram Jacques Bossuet (1627-1704) e Jean Gerson (1363- 1429), autores relacionados ao pensamento galicano, sendo o primeiro teórico do absolutismo de Luís XIV que entendia o poder real como derivado diretamente de Deus. Essas influências, assim como tantas outras, aparecem também em outros escritos de Figueiredo do período, como é o caso da Dissertação Histórica e Teológica. Zília Osório de Castro. O regalismo em Portugal: António Pereira de Figueiredo. Cultura: História e Filosofia, vol.VI, 1987, p.357-411; Cândido dos Santos. Padre António Pereira de Figueiredo..., p.83-130.

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1774). Foi eleito membro efetivo da Real Sociedade Vascongada de los Amigos del País, que posteriormente viria a publicar a edição espanhola da Recreação Filosófica (1785).141

Após a notícia da queda de Pombal (1777), não tardou a regressar a Lisboa. Nesse nova fase, retomou a Recreação Filosófica, publicou outras obras e foi um dos fundadores da Academia das Ciências de Lisboa (1779).