A grosso modo podemos dizer que o teorema do ideal principal de Krull relaciona a quantidade de elementos de um conjunto gerador de um ideal I com sua altura. Na hist´oria da ´algebra comutativa, ´e na prova desse teorema que verifica-se a primeira aplica¸c˜ao das potˆencias simb´olicas. Nessa se¸c˜ao apresentamos algumas generalidades sobre n´umero de geradores e altura de um ideal. Por fim, apresentaremos o enunciado do teorema do ideal principal de Krull bem como sua prova utilizando-se da no¸c˜ao de potˆencia simb´olica.
5.2.1
Conjunto de geradores de um m´odulo
A dimens˜ao de um espa¸co vetorial finitamente gerado sobre um corpo pode ser dada de duas maneiras:
• A cardinalidade m´axima de um conjunto linearmente independente.
Uma quest˜ao ´obvia que podemos nos fazer ´e sobre como esses dois aspectos da dimens˜ao vetorial generaliza-se para um m´odulo finitamente gerado M sobre um anel Noetheriano R. Nesta subse¸c˜ao estamos interessados em discutir o primeiro aspecto. Sugerimos como referˆencia para os desdobramentos do segundo aspecto [5, Section 1.4].
Defini¸c˜ao 5.2.1. Seja R um anel Noetheriano e M um m´odulo finitamente gerado sobre R. Diremos que um subconjunto S de M ´e um conjunto m´ınimo de geradores de M se as seguintes condi¸c˜oes s˜ao satisfeitas:
(i) S ´e um conjunto gerador de M.
(ii) Se S0 ⊂ S e S0 ´e um conjunto gerador de M ent˜ao S = S0.
De acordo com o que aprendemos em ´algebra linear, quaisquer dois conjuntos m´ınimos de geradores de um espa¸co vetorial finitamente gerado possuem a mesma cardinalidade. Todavia, na situa¸c˜ao geral de m´odulos o cen´ario pode mudar comple- tamente, como nos revela o seguinte exemplo
Exemplo 5.2.2. Seja R um anel. Uma maneira trivial de construir exemplos de m´odulos que possuem conjuntos m´ınimos de geradores com cardinalidades distintas ´
e atrav´es dos ideais coprimos. Relembramos que dois ideais I e J de R s˜ao ditos coprimos se I + J = R. Por exemplo, para R = k[X] temos que I = (X) e J = (X + 1) s˜ao ideais coprimos. Obviamente, {1} e {X, X + 1} s˜ao conjuntos m´ınimos de geradores do ideal (1) = R e possuem cardinalidades distintas.
Um outro exemplo menos trivial ´e
Exemplo 5.2.3. Seja A = k[X, Y, Z] um anel de polinˆomios em trˆes vari´aveis com coeficientes sobre um corpo k. Consideremos S1 = {X, Y, Z} e S2 = {XY − Z, XZ −
Y, Y Z − X, Y Z}. Claramente, S1 e S2 s˜ao conjuntos m´ınimos de geradores do mesmo
ideal, mas possuem cardinalidades distintas.
Com os exemplos acima percebemos que para an´eis e/ou m´odulos arbitr´arios n˜ao ´
e poss´ıvel definir um invariante num´erico a partir da cardinalidade dos conjuntos m´ınimos de geradores. Todavia, em algumas situa¸c˜oes bastante satisfat´orias podemos obter um invariante utilizando esse n´umero. Antes de apresentarmos exemplos de tais situa¸c˜oes enunciamos o celebrado Lema de Krull-Azumaya-Nakayama
Lema 5.2.4 (Lema de Krull-Azumaya-Nakayama). Seja M um m´odulo finitamente gerado sobre um anel A e I um ideal de A. Se M = IM ent˜ao existe um elemento a ∈ I tal que a ≡ 1 mod I. Al´em disso, se I est´a contido na interse¸c˜ao de todos os ideais maximais de A ent˜ao M = {0}.
Indicamos como referˆencia para a prova desse resultado o livro de H. Matsumura [22, Cap.1 Se¸c˜ao 2].
5.2.2
Altura de um ideal
Um dos invariantes mais b´asicos associados a um ideal ´e a altura. Sua defini¸c˜ao ´e dada da seguinte forma
Defini¸c˜ao 5.2.5. Seja P ⊂ A um ideal primo. A altura de P, denotada alt P, ´e o supremo dos comprimentos n de cadeias de ideais primos
P0 P1 ... Pn= P.
Apesar da simplicidade da defini¸c˜ao, determinar a altura de um ideal n˜ao ´e tarefa f´acil como nos revela o seguinte exemplo
Exemplo 5.2.6. Seja A = k[X1, . . . , Xn] um anel de polinˆomios em n vari´aveis com
coeficientes sobre um corpo k. Para o ideal primo P = (X1, . . . , Xn), a cadeia de
ideais
{0} ( (X1) ( . . . ( (X1, . . . , Xn−1) ( (X1, . . . , Xn) = P
implica que n ≤ altP.
5.2.3
Rela¸c˜ao entre n´umero de geradores e altura de um ideal
Teorema 5.2.7 (Teorema do ideal principal de Krull). Sejam A um anel Noetheriano e a ∈ A. Se P ⊆ A ´e primo m´ınimo de (a), ent˜ao alt(P ) 6 1.
Prova. Para provar esse resultado faremos duas redu¸c˜oes evidenciadas nas afirma¸c˜oes 1 e 2 abaixo.
Afirmac¸˜ao 1: Se o resultado ´e verdadeiro para dom´ınios Noetherianos, ent˜ao ele ´e verdadeiro para qualquer anel Noetheriano.
Consideremos A um anel qualquer. Suponhamos a 6= 0 e alt(P ) > 1. Neste caso, existe uma cadeia de ideais da forma
P0 ( P1 ( P2 = P.
Em particular, temos a seguinte cadeia de ideais primos em A/P0
(0) = P0/P0 ( P1/P0 ( P2/P0 = P/P0
Dessa cadeia de ideais primos deduzimos a seguinte desigualdade
alt(P/P0) > 1. (5.1)
Como P ´e primo m´ınimo de (a), ent˜ao P0 ( (a). Assim, (a) 6= (0) (onde a barra
significa a classe residual m´odulo P0). Notemos que P/P0 ´e primo m´ınimo de (a),
pois se (a) ⊆ P0/P0 P /P0, ent˜ao (a) ⊂ P0 P. Mas isso ´e uma contradi¸c˜ao pois P
´
e primo m´ınimo de (a). Como A/P0 ´e dom´ınio e P/P0 ´e primo m´ınimo de (a), segue
pela hip´otese da afirma¸c˜ao que
alt(P/P0) 6 1 (5.2)
Assim, (5.1) e (5.2) nos fornecem uma contradi¸c˜ao que permite concluir a afirma¸c˜ao desejada.
Afirmac¸˜ao 2: Se o resultado ´e verdadeiro para um dom´ınio local ent˜ao o resultado ´
e verdadeiro para qualquer anel Noetheriano.
Para provar essa afirma¸c˜ao, notemos que inclus˜ao (a) ⊂ P ⊂ A acarreta que
a
1 ⊂ PP ⊂ AP. Sabendo que PP ´e primo m´ınimo de a
1 (pois P ´e primo m´ınimo de
(a)) e que AP ´e local, segue pela hip´otese da Afirma¸c˜ao 2 que alt(PP) 6 1. Por outro
lado, como ´e conhecido, temos alt(P ) = alt(PP). Portanto alt(P ) 6 1 e a Afirma¸c˜ao
2 fica provada.
Mediante as afirma¸c˜oes acima, para concluir a prova da proposi¸c˜ao basta mostrar o resultado para um dom´ınio local (A, m) onde o ideal m´aximo m de A ´e o primo m´ınimo de (a) (localizando em P, PP = m). Queremos ver que alt(m) 6 1, ou
equivalentemente, dim A 6 1. Para isso, consideremos o anel local (A/(a), m/(a)). Observamos que m/(a) ´e o ´unico ideal primo de A/(a), pois m ´e m´aximo e m´ınimo. Logo, dim A/(a) = 0. Suponhamos por contradi¸c˜ao, que existe um ideal primo Q ⊂ A
tal que {0} Q m. Consideremos a cadeia descendente de ideais Q ⊃ Q(2) ⊃ · · · ⊃ Q(n) ⊃ Q(n+1)⊃ · · ·
Assim, em A/(a) temos a cadeia
(Q + (a))/(a) ⊃ (Q(2)+ (a))/(a) ⊃ · · ·
Como A/(a) ´e artiniano (pois A/(a) ´e Noetheriano e dim A/(a) = 0), ent˜ao
(Q(n)+ (a))/(a) = (Q(n+1)+ (a))/(a) = · · · para algum n. Logo,
Q(n)+ (a) = Q(n+1)+ (a), que implica em
Q(n) ⊂ Q(n+1)+ (a) (5.3)
Afirmac¸˜ao 3: Q(n)= Q(n+1)+ (a)Q(n).
A inclus˜ao Q(n+1)+(a)Q(n)⊂ Q(n)segue do fato da fam´ılia das potˆencias simb´olicas
formarem uma cadeia descendente de ideais e do fato do produto de dois ideais est´a contido em cada fator do produto. Para a inclus˜ao contr´aria, suponhamos b ∈ Q(n). Pela inclus˜ao (5.3) segue que b = c + da com c ∈ Q(n+1) e d ∈ A. As-
sim, da = b − c ∈ Q(n). Como Q(n) ´e Q-prim´ario e a /∈ Q, ent˜ao d ∈ Q(n). Assim,
b ∈ Q(n) e a afirma¸c˜ao segue.
Dessa Afirma¸c˜ao 3 segue que
Q(n)/Q(n+1) = (a)Q(n)/Q(n+1)
Logo, pelo Lema de Lema de Krull-Azumaya-Nakayama, com M = Q(n)/Q(n+1), I =
(a) ⊂ m, conclu´ımos que Q(n)/Q(n+1) = {0}. Portanto, Q(n) = Q(n+1). Localizando
em Q, temos
QnQ= Q(n)Q = QQ(n+1)= Qn+1Q = QQ· QnQ
Novamente pelo Lema de Krull-Azumaya-Nakayama, agora com M = QnQe I = QQ,
conclu´ımos que QnQ = {0}. Como AQ ´e dom´ınio, temos QQ = {0}. Essa igualdade
por sua vez implica em Q = {0}. Mas isso ´e uma contradi¸c˜ao pos hav´ıamos afirmado anteriormente que {0} ( Q. Portanto, com essa contradi¸c˜ao conclu´ımos o resultado
desejado.