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ADOLESCÊNCIA E DELINQUÊNCIA

A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

5.2. Teoria das Representações Sociais – o conceito

O paradigma cognitivista15 na Psicologia, com sua notável expansão no estudo dos processos cognitivos (Roazzi, 1999), estimulavam a compreensão de fenômenos que escapavam ao seu limite. Para fazê-lo, foi preciso buscar fora da área recursos conceituais que possibilitassem essa aventura. Assim, Moscovici dirige-se ao conceito de representações coletivas16 de Durkheim para iniciar o percurso da sua teorização.

15 Processo de aquisição de conhecimento (cognição). A cognição envolve fatores diversos como o

pensamento, a linguagem, a percepção, a memória, o raciocínio, etc., que fazem parte do desenvolvimento intelectual. A Psicologia Cognitiva está ligada aos estudos dos processos mentais que influenciam o comportamento de cada indivíduo e o desenvolvimento intelectual. Ver: PIAGET, J. O Julgamento moral na criança. São Paulo: Mestre Jou, 1977.

16

Segundo Emile Durkheim (1898), é a força coletiva exercida sobre um indivíduo, que faz com que este aja e viva de acordo com as normas da sociedade na qual está inserido. De acordo com Durkheim, as representações coletivas, são concebidas como formas de consciência que a sociedade impõe aos

Fabiana Maria Roque Chaves 143 Em 1898, Durkheim publicava um artigo sobre as «representações coletivas e individuais», retomando e sistematizando ideias que já tinha formuladas nos seus estudos sobre o “Suicídio” (1897-1977) e nas “Regras do Método Sociológico” (1895- 1984). Segundo Vala (1993), o projeto de Durkheim consistia em procurar um pensamento comum social, não redutível ao indivíduo, em que a utilização do conceito «representação» visava definir, caracterizar e compreender um modo de pensamento coletivo. Nos textos das obras de Durkheim uma das preocupações centrais consistia em justificar a especificidade e a autonomia dos fenômenos sociológicos. Assim Vala (1993) refere que segundo Durkheim «a vida social é essencialmente formada de representações, de representações coletivas que, apesar de comparáveis às individuais, são radicalmente distintas e exteriores a elas» (Durkheim, 1898, p. 274). Deste modo, para Durkheim, (1898) as «representações coletivas» são produções sociais que se impõem aos indivíduos como forças exteriores, servem a coesão social e constituem fenômenos tão diversos como a religião, a ciência, os mitos e o senso comum. Durkheim distinguia as «representações coletivas» das «representações individuais», a partir de duas posições: as «representações coletivas» dizem respeito aos conceitos, enquanto as «representações individuais» às percepções.

Os conceitos não dependem dos sujeitos, são universais, as percepções, por sua vez, variam de sujeito para sujeito. Foi a partir deste conceito que se constituiu o ponto de partida para uma abordagem psicossociológica do pensamento social.

As representações coletivas em Durkheim apresentavam razoável estabilidade e um relativo estancamento no tocante às representações individuais, configurando-se em algo semelhante ao group mind, como diria Moscovici (1981). Consistiam numa abrangência de tópicos que abrigavam as crenças, mitos, imagens, e também o idioma, o direito, a religião, as tradições. Esta abrangência tornava, porém o conceito pouco

indivíduos. Para este autor, a consciência coletiva é o conjunto de crenças e de sentimentos comuns à média da população de uma determinada sociedade, formando um sistema com vida própria, que exerce uma força coercitiva sobre seus membros, como o devoto que, ao nascer, já encontra as crenças e práticas religiosas estruturadas e em plena atividade. Se estas práticas já existem, é porque estão fora dele, mas mesmo assim, exercem influência sobre seu comportamento e crenças. É um sistema que existe fora do indivíduo, mas que o controla pela pressão moral e psicológica, ditando as maneiras como a sociedade espera que se comporte.

Fabiana Maria Roque Chaves 144 operacional. Apesar do seu interesse teórico, ele foi deixado de lado pela própria Sociologia. A Antropologia e, mais recentemente, a história das mentalidades abraçaram o conceito de representação, colocando sobre ele o foco do simbólico, por parte da primeira, e da memória, por parte da segunda.

As «representações coletivas» de Durkheim são analisadas à luz dos pressupostos teóricos de Serge Moscovici (1981) como demasiado estáticas, não permitindo «pensar de forma dinâmica num caráter móvel e circulante, que se transforma com relativa facilidade», (apud Palmonari e Doise, 1986, p. 17). O objetivo da «Teoria das Representações Sociais» é explicar os fenômenos do homem a partir de uma perspetiva coletiva, sem perder de vista a individualidade.

Moscovici vai proceder à remodelagem do conceito durkheimiano e, assim, buscar preencher essa lacuna, a partir da necessidade que sentiu de atualizar o conceito, trazê-lo para as condições de hoje, de sociedades contemporâneas imersas na intensa divisão do trabalho, nas quais a dimensão da especialização bem como a da informação tornaram-se componentes decisivas nas vidas das pessoas e dos grupos. Atualizar significava, ao mesmo tempo, tornar o conceito operacional para ser aplicável em sociedades com essas características, sociedades em que a velocidade da informação não lhes outorga o tempo de sedimentar-se em tradição, nas quais se impõe um processamento constante da novidade, nas quais se conhece por delegação, uma vez que ninguém tem acesso a todo o saber.

A «Teoria das Representações Sociais», preconizada por Serge Moscovici (1981), está principalmente relacionada com o estudo das simbologias sociais a nível tanto de macro como de microanálise, ou seja, o estudo das trocas simbólicas infinitamente desenvolvidas nos ambientes sociais; nas relações interpessoais, e como isto influencia na construção do conhecimento compartilhado, da cultura, o que nos leva a situar o autor supracitado entre os chamados «interacionistas simbólicos» tais como Peter Berger, George Mead e Erving Goffman.

As «Representações Sociais» têm como uma das suas finalidades tornar familiar algo não-familiar, isto é, uma alternativa de classificação, categorização e nomeação

Fabiana Maria Roque Chaves 145 de novos acontecimentos e ideias, com as quais não teria havido contato anteriormente, possibilitando, assim, a compreensão e a manipulação destes a partir de ideias, valores e teorias já pré-existentes e internalizadas por nós, e amplamente aceites pela sociedade.

Vala (2006) refere que para Serge Moscovici (1981), as «Representações Sociais» são definidas como:

(…) um conjunto de conceitos, proposições e explicações criados na vida cotidiana no decurso da comunicação interindividual são o equivalente, na nossa sociedade, dos mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais; podem ainda ser vistas como a versão contemporânea do senso comum (Moscovici, 1981, p. 181).

O reposicionamento teórico da problemática das «representações sociais» é descrito por Serge Moscovici (2007) a partir da teoria científica:

As representações que nós fabricamos – de uma teoria científica, de uma nação, de um objeto, etc. – são sempre o resultado de um esforço constante de tornar o real algo que é incomum (não-familiar), ou que nos dá um sentimento de não – familiaridade. E através delas nós superamos o problema e o integramos em nosso mundo mental e físico, que é, com isso, enriquecido e transformado. Depois de uma série de ajustamentos, o que estava longe, parece ao alcance de nossa mão; o que era abstrato torna-se concreto e quase normal (...) as imagens e as ideias com as quais nós compreendemos o não-usual apenas nos trazem de volta ao que nós já conhecíamos e com o qual já estávamos familiarizados (Moscovici, 2007, p. 58).

Para operacionalização do conceito, tal como se vê em «La Psychanalyse, son image, son public» (Moscovici, 1961), para torná-lo uma teoria, exigiu-se que Moscovici recorresse a outros teóricos para apoiar a sua perspetiva a respeito da construção do saber e do valor do saber prático. Vários autores foram consultados por Moscovici para a contribuição quanto aos processos de elaboração desse tipo de conhecimento, entre eles: Piaget, Lévy-Bruhl e Freud.

Fabiana Maria Roque Chaves 146 Em Piaget, buscou por meio da sua contribuição a respeito do desenvolvimento do pensamento infantil, a forma como se estrutura e se configura, mostra que ele se dá por imagens e também por corte-e-cola, juntando fragmentos do que a criança já conhece para formar uma configuração que traduza o que ela desconhece, o que muitas vezes se manifesta mais claramente para os adultos como o falar errado das crianças. Mas também, a partir do julgamento moral, indicando a importância do contato com os adultos, primeiramente, e com outras crianças, mais tarde, para o desenvolvimento desse tipo de juízo e para a construção das regras pelas crianças (Arruda, 2002).

Em Lévy-Bruhl, por meio dos seus estudos sobre o pensamento místico, encontrado em povos distantes, aponta outras formas de lógica para pensar o mundo, baseadas em princípios diversos dos do pensamento ocidental, como o princípio de participação.

E em Freud, com as teorias sexuais das crianças, mostrando como elas elaboram e internalizam as suas próprias teorias sobre questões fundamentais para a humanidade, teorias que carregam as marcas sociais da sua origem: a experiência vivida no seu grupo, na sociedade, e o diálogo com outras crianças, como as teorias que explicam o ato sexual (Arruda, 2002).

Temos assim alguns fundamentos da construção do saber prático. Não mais noutra faixa etária ou nem outras sociedades, mas aqui e agora, na idade adulta e em sociedades como as nossas.

As representações sociais são formadas pelos «processos/conteúdos», que Moscovici (1976) refere como dois processos sociocognitivos aos quais os indivíduos recorrem para a construção das «representações sociais» e que, também segundo o autor, devem estar articulados entre eles. Analisam-se, em primeiro lugar, os «processos» (objetivação e a ancoragem) e, seguidamente, os «conteúdos» (a atitude, a informação e o campo de representação). No primeiro caso, a objetivação consiste no processo de formação de um todo coerente, através da seleção e da descontextualização do objeto, seguindo-se um momento de esquematização

Fabiana Maria Roque Chaves 147 estruturante que tem como objetivo constituir um «esquema» ou «nó figurativo», que permita organizar num padrão de relações estruturadas os principais elementos do objeto de representação. O processo de objetivação conclui-se com a naturalização dos padrões relacionais que passam a ser vistos, não apenas como reais e materialmente verdadeiros, mas também como categorias naturais, descritivas e, portanto, também explicativas e normativas, fazendo assim equivaler o conceito à realidade (Vala, 1993, citado em Baptista, 1994). No segundo caso relativo à ancoragem, que pode preceder ou seguir o processo de objetivação, ela pode servir, em primeiro lugar, para integrar as novas informações em categorias que o sujeito já possui, fruto de experiências anteriores, ou, na segunda hipótese, atribuir sentido a acontecimentos, comportamentos, pessoas, grupos ou factos sociais, que assim «exprimem e constituem as relações sociais» (Moscovici, 1961, p. 318, citado em Baptista, 1994). Para Vala (1993), de uma forma geral, pode dizer-se que as representações sociais têm como função a atribuição de sentido ou a organização significante do real. Esta função pode ser composta de diferentes formas. Relembra ainda o autor que Tajfel (1982, citado em Vala, 2006) definiu as seguintes três funções sociais dos estereótipos: causalidade social por explicação de acontecimentos sociais; justificação dos comportamentos; e diferenciação social. Estas mesmas funções podem, com propriedade, ser aplicadas às representações sociais.

A formação dos «estereótipos sociais» pode igualmente ser compreendida através dos processos descritos, se pensarem tratar-se de representações sociais e atitudes rígidas, convencionais e categóricas com uma forte componente afetiva, «tendendo a refletir as posições relativas num sistema generalizado de estratificação» (Billigmeier, 1990, p. 474, citado em Baptista, 1994). Provas empíricas que confirmam que os estereótipos se podem manter inalteráveis durante décadas, apesar de múltiplas campanhas de sensibilização e informação e de evidentes alterações sociais, encontram-se na literatura relativa à estereotipia sexual e racial (Bergen, D. e Williams, J., 1991, Branscombe, N. e Smith, E., 1990, Cann, A. E Siegfried, W., 1990, Dion, K. e Schuller, R., 1990, Janman, K., 1989, King Jr., W., Miles, E. e Kniska, J., 1991, Park, Daewoo, 1997, Schein, V., Mueller, R. e Jacobson, C., 1989, Worku, Yelfign, 2001,

Fabiana Maria Roque Chaves 148 citados em Baptista, 1996). Parece, portanto, legítimo concluir que a noção de estereotipia pode ser vista, tanto à luz da noção de esquema, como sob a perspetiva da teoria das representações sociais. Assim, enquanto elementos de comunicação os estereótipos são económicos, pois permitem processar rapidamente a informação social (Atkinson, R, Atkinson, R e Hilgard, E, 1983, Faria, L. e Fontaine, A., 1993, citados em Baptista, 1994) e, tal como qualquer outra representação social, transformar as avaliações em descrições e as descrições em explicações (Moscovici, S. e Hewstone, M., 1984, citados em Baptista, 1994). O estereótipo pode mesmo definir-se como «uma espécie de esquema percetivo associado a certas categorias de pessoas ou objetos, cristalizados em torno de uma palavra que os designa, intervindo automaticamente a representação e caracterização dos espécimes dessas categorias» (Maisonneuve, 1971, p. 110). Desta forma, a própria linguagem sinaliza e transporta os estereótipos, influenciando decisivamente os processos de comunicação entre indivíduos e entre grupos. (Shin, Sunney e Kleiner, Brian h., 2001, citados em Baptista, 1994).

Segundo a teoria em pauta, a representação social na verdade opera uma transformação do sujeito e do objeto, na medida em que ambos são modificados no processo de elaborar o objeto.

O sujeito amplia a sua categorização e o objeto acomoda-se ao repertório do sujeito, repertório o qual, por sua vez, também se modifica ao receber mais um habitante. A representação, portanto, não é cópia da realidade, nem uma instância intermediária que transporta o objeto para perto/dentro do nosso espaço cognitivo. Ela é um processo que torna conceito e perceção intercambiáveis, uma vez que se engendram mutuamente, como no caso do inconsciente agitado ou do complexo visível a olho nu (Arruda, 2002).

Percebe-se, dessa maneira, o quanto essa teoria se diferencia de outras tradições da Psicologia Social, que sempre se ocuparam de fenómenos psicológicos como perceção, pensamento ou aprendizagem como tópicos isolados e tomados independentemente do que era percebido, pensado ou aprendido na sociedade e na cultura em que acontecem (Moscovici, 1989). É o que Farr (1994) identifica como a

Fabiana Maria Roque Chaves 149 forma sociológica da Psicologia Social, em contraposição às formas psicológicas, hoje dominantes nos Estados Unidos.

O conceito de Representação Social, segundo Vala (1993), «propõe a análise dos processos através dos quais os indivíduos em interação social constroem teorias sobre os objetos que tornam viável a comunicação e a organização dos comportamentos» (p. 353). Segundo este autor, se utilizarmos um critério quantitativo, as representações são sociais porque são partilhadas por vários indivíduos. Se utilizarmos um critério qualitativo, as representações são sociais porque são produzidas coletivamente na interação e comunicação entre os indivíduos. Por sua vez, se utilizarmos um critério funcional, as representações são sociais porque orientam os comportamentos relacionais e porque constituem teorias sociais práticas, desempenhando assim um papel funcional na regulação das interações interindividuais e intergrupais.

A literatura revela-nos que não é fácil encontrar uma definição consensual para o conceito de representações sociais, por razões que se prendem com a posição da noção no campo científico, «a sua posição mista na encruzilhada de uma série de conceitos sociológicos e psicológicos» (Moscovici, 1976, p. 39). Assim, a noção de representação social situa-se efetivamente numa encruzilhada com várias áreas científicas, antropológicas, sociológicas, psicológicas, social/linguística. Contudo, o conceito de representação social pode ser definido como uma «forma de conhecimento, socialmente elaborado e partilhado, com um objetivo prático e contribuindo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social» (Jodelet, 1989, p. 53).

O conceito, assim definido por Jodelet (1989) chama à atenção para a conceção dos modos de pensamento com que os atores se relacionam com o mundo e com os outros. Pode-se categorizar os processos, os que são suscetíveis de interpretar e de construir de modo significativo a realidade, para os fenómenos cognitivos que suscitam a pertença social dos indivíduos com implicações afetivas normativas e práticas, e configuram aos objetos uma particularidade simbólica própria nos grupos

Fabiana Maria Roque Chaves 150 sociais. Neste último sentido, as representações sociais são a expressão de identidades individuais e sociais.

A formação das representações sociais depende de situações diretamente relacionadas com as posições que os indivíduos ocupam na estrutura social (Lourenço e Lisboa, 1992) e é influenciada por múltiplos fatores: experiências sociais, contextos sociais, e tipos de relações que mantêm com outros indivíduos, bem como pelos seus capitais social, económico e cultural também relacionados com seus códigos, valores e ideologias (Frias, 2004).