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2 EQUIDADE EDUCACIONAL

2.2 Debate Ético: Equidade como Justiça Social

2.2.1 Teoria de Justiça de acordo com John Rawls

John Rawls, em A Theory of Justice (1971), propõe uma concepção de justiça que é denominada “justiça como equidade”. Esta teoria baseia-se na ideia do estabelecimento de um contrato social entre pessoas em condições equitativas, que chegariam a um acordo mútuo sobre quais os princípios de justiça de uma determinada sociedade. Ele buscou levar a um grau mais alto de abstração as teorias de contrato social propostas por Locke, Rousseau e Kant, entendendo que pessoas livres e racionais, preocupadas com seus próprios interesses, aceitariam uma condição inicial de igualdade, entendida pelos contratualistas como o estágio da natureza.

Rawls (1971), assim, entendia que os indivíduos iriam discutir os princípios estruturantes da sociedade a partir de um ponto de partida, uma posição inicial, em que ninguém saberia quem viria a ser – um estado hipotético de igualdade, portanto. Nesta posição inicial, os indivíduos escolheriam, dentre vários princípios alternativos, aqueles que seriam aplicados na estrutura da sociedade. Para Rawls, esta condição inicial e forma de escolha dos princípios garantiriam equidade no processo e justiça nos princípios.

Para o autor, “a justiça é a primeira virtude das instituições sociais, assim como a verdade é dos sistemas de pensamento” (p. 3, tradução nossa). Sendo assim, as leis e as instituições devem ser reformadas ou abolidas caso sejam injustas, independentemente de quão eficientes ou organizadas sejam. Por instituições, o autor entende “a constituição política e os principais arranjos políticos e sociais”.

Para Rawls, o sistema social não deve ser entendido como algo imutável ou como algo que esteja além do controle humano – muito pelo contrário. Neste sentido, as condições e posições que cada indivíduo possui ao nascer não são justas ou injustas – são simplesmente fatos. O que é justo ou injusto, para ele, é a maneira pela qual as instituições lidam com estes fatos (Rawls, 1971, p. 102).

Rawls apresenta dois princípios de justiça, que constituem o elemento central da sua concepção de justiça como equidade. São eles:

i) Primeiro: cada pessoa tem direito ao conjunto mais extenso de liberdades básicas, combinado a um nível de liberdade similar aos demais indivíduos;

ii) Segundo: desigualdades sociais e econômicas devem ser coordenadas de tal modo que ambas: a) possam ser usufruídas por todos os indivíduos e b) estejam relacionadas a posições e postos igualmente abertos a todos (RAWLS, 1971, p. 60, tradução nossa).

Os princípios de justiça foram alvo de inúmeras críticas e sofreram modificações desde o lançamento do livro em 1971. De acordo com Sen (1992), Rawls expressou, em 1982, durante as Conferências Tanner, os princípios da seguinte forma:

i) Cada pessoa tem igual direito a um esquema plenamente adequado de liberdades básicas iguais que seja compatível com um esquema similar de liberdades para todos.

ii) As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições. Em primeiro lugar, devem estar associadas a cargos e posições abertos a todos sob condições de igualdade equitativa de oportunidades; e, em segundo, devem ser para o maior benefício dos membros da sociedade que têm menos vantagens (SEN, 1992, p. 129-130, tradução nossa).

Neste sentido, para Rawls (1971), a justiça de um sistema social depende, essencialmente, de como os direitos e deveres fundamentais são atribuídos a cada uma das pessoas e das oportunidades econômicas e das condições sociais existentes nos vários setores de uma sociedade. Há um foco importante em beneficiar a parcela dos indivíduos que tem menos vantagens – vantagem que é calculada a partir de uma cesta de bens primários.

O segundo princípio, especificamente, deve ser interpretado de maneira mais atenta. Para Rawls (1971), considerando-se que pode haver ambiguidade na interpretação das expressões “usufruídas por todos” e “igualmente abertos a todos”, é necessário apontar quais as possíveis interpretações e fazer a escolha teórica por uma delas no conceito de justiça como equidade. Para tanto, o autor propõe a organização no seguinte quadro teórico:

princípio da eficiência princípio da diferença Igualdade como carreiras

abertas aos talentos Sistema de Liberdades Naturais Aristocracia Natural Igualdade como igualdade

equitativa de oportunidades

Igualdade Liberal Igualdade Democrática

"usufruídas por todos" "igualmente abertos"

Quadro 3 – Interpretações do segundo princípio de Rawls (1971) Fonte: Adaptado de RAWLS (1971, p. 65, tradução nossa).

Dentre as quatro possíveis interpretações, ao trabalhar com o conceito de justiça como equidade o autor adota a interpretação de “Igualdade Democrática”, que é o resultado do princípio de uma igualdade equitativa de oportunidades com o princípio da diferença. O princípio da diferença baseia-se na ideia intuitiva de que a ordem social não irá estabelecer e assegurar perspectivas melhores e mais atraentes para os indivíduos mais favorecidos a não ser que, ao fazer isso, proporcione vantagens aos indivíduos mais vulneráveis.

Para o autor, estes dois princípios são um caso especial de uma concepção de justiça mais ampla, expressa como:

Todos os valores sociais – liberdade e oportunidade, renda e riqueza, e as bases da autoestima – devem ser distribuídas igualmente, a não ser que uma distribuição desigual de um ou de todos estes valores, possa beneficiar a todos os indivíduos. (RAWLS, 1971, p. 72, tradução nossa).

Para o autor, “as liberdades e oportunidades, renda e riqueza, e as bases da autoestima” formariam, junto com outros itens, uma cesta de bens primários que seria distribuída entre os indivíduos.

Rawls entende que estes princípios devem ser aplicados à estrutura básica da sociedade e não aplica esta teoria especificamente ao sistema educacional. Ribeiro (2012) aponta, porém, que, apesar de Rawls não tratar diretamente de arranjos institucionais escolares, a discussão feita por Dubet (2008, 20099) e Crahay (2000)10 a respeito da relação entre justiça e escola baseia-se nos princípios propostos por ele e assinala como pilar central a ideia de que todas as crianças devem ter desempenho condizente com o esperado.

Dubet (2004, p. 546), sobre a relação entre justiça e sistema educacional sob a perspectiva rawlsiana, considera que “a justiça de um sistema escolar pode ser medida pelo modo como trata os mais fracos e não somente pela criação de uma competição pura”. Neste sentido, desigualdades são possíveis, aceitáveis e até mesmo justas, desde que não piorem as condições dos alunos mais fracos e vulneráveis.

Por fim, Ribeiro (2012), a partir de uma extensa e detalhada análise da obra de Rawls, busca fazer uma ligação entre os conceitos propostos por John Rawls e os conceitos de equidade em redes escolares. Para a autora:

Do ponto de vista da justiça como equidade, na perspectiva rawlsiana, a consideração aos resultados educacionais como parte dos critérios de julgamento é elemento intrínseco ao conceito de justiça na escola. Mas somente se esse resultado contribuir para descortinar as desigualdades escolares e suas causas, apoiando os processos que visam incidir positivamente sobre elas, de modo que todos os alunos sejam favorecidos (RIBEIRO, 2012, p. 74).

9 DUBET, F. Les dilemmes de la justice. In: DEROUET, J.C; & DEROUET-BESSON, M.C. Repenser la justice

dans le domaine de l’education et de la formation. Lyon: Peter Lang, 2009.

10 CRAHAY, M. L’école peut-elle être juste e efficace? De l’égalité des chances à l’égalité des acquis. Belgique: