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CAPÍTULO I A PROBLEMÁTICA DO INSUCESSO ESCOLAR

1.2. Teorias explicativas do insucesso escolar

1.2.2. Teoria do handicap sociocultural

As explicações para o insucesso escolar que se centravam nas características individuais dos alunos, e analisadas algumas vezes “apenas numa perspetiva meramente psicológica” (Leite, 2003), deram lugar a outras explicações de natureza sociológica. Surge, assim, a teoria do

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handicap sociocultural4 (Benavente, 1990; Eurydice, 1995; Leite, 2003; Vieira & Cristóvão, 2007), a

partir do final dos anos sessenta, que vem pôr em evidência os fenómenos de desigualdade de acesso à educação, procurando “explicar as causas das desigualdades dos resultados escolares e das motivações educacionais de acordo com os grupos sociais” (Duarte, 2000:29). Desta forma, para os defensores desta teoria o “sucesso/insucesso dos alunos é justificado pela sua pertença social, pela maior ou menor bagagem cultural de que dispõem à entrada na escola” (Benavente, 1990:716).

Com a massificação do ensino, a escola passou a receber crianças oriundas das classes mais desfavorecidas da sociedade (a nível social, cultural e económico) levando ao aumento do número de alunos que não conseguiam responder adequadamente às exigências escolares (Esteban, 2002). As dificuldades destes alunos, relativamente aos seus pares, eram explicadas por um deficit sociocultural, estando na base desses problemas o meio social e culturalmente desfavorecido, bem como a utilização de um código linguístico limitado (Bettencourt & Pinto, 2009). A este propósito, Formosinho (1987a:19) esclarece que:

“As famílias de diferentes posições sociais não transmitem todas o mesmo tipo de linguagem. Assim, o código linguístico das crianças que chegam à escola pode ser restrito ou elaborado, não se distanciar da realidade quotidiana ou saber transmitir conceitos abstratos. É evidente que as crianças que possuem um código linguístico vasto, elaborado, capaz de lidar com o abstrato estão mais preparadas para compreender e utilizar a linguagem escolar”.

Dado que os códigos culturais das famílias são distintos, as crianças das famílias mais escolarizadas são mais estimuladas e estão mais preparadas para lidar com o pensamento abstrato e teórico do que as crianças de famílias mais desfavorecidas onde prevalecem formas de pensamento mais marcados pela experiência prática (Capucha et al, 2009). Ora, a escola ao utilizar a linguagem da cultura dominante, coloca os alunos das famílias menos escolarizadas em desvantagem, uma vez que estão perante um discurso de que não se conseguem apropriar (idem). Neste sentido, as diferentes formas de linguagem podem funcionar como um critério de seleção, e a escola ao não utilizar esse código restrito, as crianças que o utilizam vão ser segregadas linguisticamente podendo influenciar negativamente a sua aprendizagem (Bernstein, 1982; Eurydice, 1995). Por outro lado, a existência de livros em casa, os hábitos de leitura, o acompanhamento e interesse dos pais pelo processo educativo dos filhos são indicadores positivos

4 Esta teoria, por influência da Psicologia Genética e da Sociologia Crítica da Educação, centra as explicações do insucesso escolar numa etiologia

sociocultural das desigualdades escolares (Leite, 2003). O conceito “handicap” ou privação sociocultural (cultural deprivation) pressupõe a ideia de que uma criança oriunda de um meio dito “desfavorecido” não dispõe das bases culturais necessárias ao sucesso escolar (Eurydice, 1995).

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de práticas culturais que influenciam o sucesso escolar (Eurydice, 1995; Vieira & Cristóvão, 2007). “A sua quase ausência nas famílias mais desfavorecidas explicaria em grande parte o insucesso escolar” (Eurydice, 1995:57). O contexto familiar destas classes, consideradas inferiores, revela-se, assim, incapaz de proporcionar às crianças as bases culturais e linguísticas necessárias que lhes permita competir com as crianças dos grupos socialmente mais favorecidos. Como consequência, estas crianças “ficam a uma distância diferente da cultura escolar e têm menos sucesso do que as crianças das classes privilegiadas (Crahay, 1996:10).

Esta linha de pensamento atribui, assim, a principal responsabilidade do insucesso escolar à origem sociocultural dos alunos, posição que foi amplamente criticada pela teoria da reprodução social e cultural (Bourdieu, 1982) que explica o insucesso escolar pelas funções que são cometidas à escola numa sociedade de classes, designadamente a função de seleção social e de reprodução social e cultural (Bourdieu, 1982; Araújo, 1987). Isto significa que a escola seleciona os alunos, não de acordo com as suas capacidades, mas por pertencerem a classes de meios sociais privilegiados, contribuindo assim para as desigualdades sociais.

Para os defensores desta teoria, o insucesso escolar explica-se pela presença ou ausência de “capital cultural5” nas famílias de origem dos alunos, ou seja, existem maiores probabilidades de

sucesso quando as famílias possuem comportamentos, valores e hábitos culturais valorizados pela escola, que esta legitima como “cultura válida” (Araújo, 1987). Assim, conseguem contrariar a visão otimista sobre a escola, considerada até então uma instituição neutra e capaz de promover a mobilidade social dos alunos, independentemente da sua condição social (Duarte, 2000). Deste modo, a teoria da reprodução procura analisar os mecanismos através dos quais a escola transforma as desigualdades sociais em desigualdades escolares, contribuindo desse modo para a reprodução das desigualdades sociais.

A não valorização da cultura popular como conhecimento torna-se uma forma de exclusão dos grupos minoritários, pois partem em desvantagem no acesso ao conhecimento, relativamente aos alunos de grupos sociais favorecidos, levando à estratificação do conhecimento que, por sua vez, leva à estratificação social quando saem da escola.

Contrariamente às linhas de pensamento anteriores, que atribuem o insucesso escolar aos alunos e posteriormente à sua origem sociocultural, as teorias da reprodução contribuíram para acabar com a ideia de uma escola neutra, salientando o facto de o próprio processo educativo

5 O conceito capital cultural refere-se à competência cultural e linguística transmitida socialmente, quando identificada com a escola (Bourdieu, 1982;

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constituir um fator de desigualdade (Bourdieu, 1982; Vieira & Cristóvão, 2007). Porém, foram alvo de algumas críticas por negligenciarem o indivíduo e a sua capacidade de atuação (Duarte, 2000; Vieira & Cristóvão, 2007).

Em suma, a teoria do handicap sociocultural continua a imputar a principal responsabilidade do insucesso escolar aos alunos e à família, desresponsabilizando todos os outros intervenientes do processo educativo. Assim, numa primeira abordagem, o insucesso escolar é explicado pela ausência de estímulos intelectuais, característica dos alunos provenientes dos meios mais desfavorecidos, aos quais faltam quer os meios financeiros, quer os recursos culturais. (Crahay, 1996). Porém, esta linha de pensamento tem muito sido criticada pelo facto de tomar como referência da avaliação dos alunos e respetivo meio de origem um modelo de saber único e universal (Eurydice, 1995). A este propósito, e parafraseando Savater (2010:40-41), “Cada qual é o que prova ser, através do esforço e da capacidade que demonstra, e não o que a sua origem - origem biológica, racial, familiar, cultural, nacional, de classes, etc. - o predestina ser, segundo a hierarquia das oportunidades que outros possam fixar”.

Numa segunda abordagem, o insucesso escolar é explicado em termos de distância entre a cultura dos alunos e a da classe social dominante, que é simultaneamente a cultura da escola, o que significa dizer que uns e outros se encontram a distâncias diferentes em relação à cultura escolar (Crahay, 1996). Neste sentido, podemos afirmar que a escola é aparentemente democrática, ou seja, está aberta a todos os cidadãos mas nem todos estão em sintonia com a cultura escolar, daí que uns vão ter mais sucesso do que outros. “É verdade que damos a todos as mesmas possibilidades, mas na chegada não há igualdade, isto é, a competição escolar está “viciada”, porque alguns alunos “sobem pelo elevador”, outros arrastam-se “a subir os degraus da escada” (Brito, 2002:167).

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