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TEORIA DOS TRÊS PODERES DE NORBERTO BOBBIO

No documento michelepereirarodrigues (páginas 61-65)

4 O PAPEL DO INTELECTUAL NA ATUALIDADE

4.2 TEORIA DOS TRÊS PODERES DE NORBERTO BOBBIO

Ponto de vista interessante para esta análise é trazido por Norberto Bobbio ao apontar que o poder “[...] designa a capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos.” (1998, p. 933). Bobbio contesta a versão de autores que acreditam no poder como um bem, ao qual têm-se o direito incontestável de posse. Para ele, que tem uma visão sobre o tema bem

34 O panóptico foi um modelo de vigilância criado pelo filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham, que permite a um vigilante observar todos os prisioneiros numa cadeia. A ideia de inversão do panóptico reflete sobre a possibilidade de que todos poderiam exercer a vigilância e também ser vigiados, principalmente por conta dos avanços nas tecnologias de informação.

próxima à de Michel Foucault, o poder só existe na relação entre os sujeitos “[...] não existe Poder, se não existe, ao lado do indivíduo ou grupo que o exerce, outro indivíduo ou grupo que é induzido a comportar-se tal como aquele deseja” (1998, p. 933). Bobbio defende ainda que as sociedades em geral têm como pilares três principais poderes: o poder econômico, o poder ideológico e o poder político.

Todas estas três formas de poder fundamentam e mantêm uma sociedade de desiguais, isto é, dividida em ricos e pobres com base no primeiro, em sábios e ignorantes com base no segundo, em fortes e fracos, com base no terceiro: genericamente, em superiores e inferiores. (BOBBIO, 1998, p. 955)

No âmbito da política, Gaetano Mosca (1992) defende que as sociedades, em qualquer sistema de governo, são divididas entre governantes e governados. Os governantes exercem o poder na forma de representação dos governados. Como em menor número, os membros da classe dirigente têm capacidade maior de organização e por ocuparem o mesmo posto, compartilham de prerrogativas que os contrapõe às massas. O povo, por sua vez, em maior número, tem dificuldade de consenso, e por isso encontra-se desarticulado, e consequentemente, desorganizado. O poder político é importante, pois sem ele, Thomas Hobbes (1983) entende que o homem viveria em estado de guerra35.

No campo da economia, o poder se vale da diferença entre a escassez de bens para algumas pessoas e a abundância para outras. Sendo assim, aquele que detém posses consegue “induzir aqueles que não as possui a manter um certo comportamento, consistente e sobretudo na realização de certo tipo de trabalho" (BOBBIO, 1998, p. 955). Importa dizer que, de acordo com Bobbio, o poder de um sujeito pode ocorrer tanto sobre outros sujeitos, como sobre objetos. No entanto, o poder sobre objetos, segundo o autor, pode se converter num recurso para se exercer o poder sobre o homem.

Último dos três poderes, o poder ideológico é o que mais interessa a esta pesquisa. Isto porque, para Bobbio, é justamente o exercício desse poder que caracteriza os intelectuais nas

35 Ficaram conhecidas como contratualismo, as teorias formuladas por Hobbes que explicam as necessidades racionais que levam as pessoas a estabelecer regras de convívio social e de subordinação política, com objetivo de formarem Estados e/ou manterem a ordem social. Para ele, o homem em seu estado de natureza (anterior ao estado social) não é um ser sociável, isto é, sua natureza egoísta leva a uma sensação de medo e

imprevisibilidade insustentável. Essa constatação leva Hobbes a escrever sua mais célebre frase: “O homem é o lobo do homem. ” Longe de ser ponto pacífico entre os filósofos que se dedicam ao assunto, Hobbes argumenta contra Aristóteles, para quem o homem é sim um ser social e, desse modo está apto a viver em sociedade.

sociedades. Ao refletir sobre o assunto, Bobbio argumenta que a palavra é a principal ferramenta para o exercício do poder ideológico.

Como o meio do poder político é sempre em última instância a posse de armas e o meio de poder econômico é a acumulação de bens materiais, o principal meio do poder ideológico é a palavra, ou melhor, a expressão de ideias por meio da palavra, e com a palavra, agora e sempre mais, a imagem. (BOBBIO, 1997, p. 12).

De acordo com Antônio Gramsci (1982), o intelectual tem duas capacidades básicas, a capacidade técnica e a capacidade dirigente. Para ilustrar essa afirmação, Gramsci usa a figura de um empresário que detém habilidades acerca da esfera de sua atividade e também relacionadas à administração de uma “massa de homens”. Sendo assim, ele é visto como superior pelos demais.

Gramsci continua seu raciocínio afirmando que todo grupo social tem uma própria camada de intelectuais ou tende a formar uma para si. Mas acredita em graus diferentes de intelectuais, que vão desde os criadores das mais diversas ciências aos administradores. Apesar de guardarem semelhanças, a elaboração de Gramsci e Bobbio no que tange aos intelectuais se afasta, segundo o próprio Bobbio (1997), pois Gramsci acredita que a questão fundamental para a formação de intelectuais é a disputa por predomínio enquanto que para Bobbio isso se define simplesmente a partir da sua capacidade de transformar-se em criadores ou transmissores de ideias.

Bobbio defende que o intelectual assume uma responsabilidade sobre aquilo que fala que vai além do engajamento. Isso porque a questão principal não é se ele está comprometido com uma causa, pois, ao que parece, sempre está; mas sim qual é esta causa. Na fala do autor “importa não que o homem de cultura se engaje ou não se engaje, mas por que coisa ele se engaja ou não se engaja e de que modo ele se engaja, assumindo todas as responsabilidades da sua escolha e das consequências que dela derivam” (BOBBIO, 1997, p. 100)

Entendendo então que existe uma responsabilidade assumida pelo intelectual, Bobbio continua seu raciocínio esclarecendo quem são estas pessoas com as quais o intelectual está comprometido: a “esfera da política em que vive ou da qual é, querendo ou não, uma parte” (BOBBIO, 1997, p. 103), isto é, seu compromisso é com o círculo social do qual é membro.

Bobbio não o cita, mas vale aqui mencionar Jean Paul Sartre, escritor e filósofo francês que frequentemente tratava da questão do engajamento do intelectual. Como

existencialista que era, Sartre entendia que o homem deveria ser totalmente livre e responsável por seus atos. Ao refletir sobre a literatura, entende que este é um meio através do qual “o escritor poderia recorrer à liberdade do leitor para fazer deste um ser consciente de sua situação existencial, possibilitando-lhe compreendê-la e mesmo mudá-la. ” (ABRAHÃO, 2013, p. 1). Com esse pensamento, Sartre vai de encontro à famosa defesa de Kant em sua “Crítica da faculdade do juízo”, que, ao tratar das questões estéticas, acredita que o sujeito ao apreciar o que é belo busca um prazer desinteressado.

O engajamento se torna tema recorrente nas reflexões de Sartre, principalmente a partir da apresentação do primeiro número da revista Les Temps Modernes, de outubro de 1945.

De uma perspectiva lata, engajar-se, para Sartre, não significa necessariamente criticar e atuar politicamente (embora o possa), mas, antes, conscientizar-se da responsabilidade humana por todo e qualquer ato (palavra) e mesmo pelo não ato (silêncio). Todo homem, então, está engajado, apesar de não necessariamente ter consciência disso, e a literatura, nesse sentido, ajudaria a evidenciar aos leitores seu (deles) engajamento. (ABRAHÃO, 2013, p. 3)

Massaud Moisés afirma que, em geral, os autores realistas acreditam que a literatura deveria ser uma forma de arte engajada, uma “[...] arma de combate, voltada para a transformação do corpo social, tendo em vista um limite de perfeição calcado nas conquistas da Ciência” (MOISÉS, 2004, p. 16). Por esse motivo, Duren acredita que as narrativas realistas frequentemente se passam “[...] em períodos contemporâneos ao autor e nas zonas urbanas, onde vive a burguesia, cujos hábitos são expostos pelo escritor realista como forma de crítica. ” (2013, p. 82)

Thiago Henrique de Camargo Abrahão, ao trazer à tona uma outra perspectiva, acredita que as obras de arte têm sua autonomia e liberdade tolhidas quando qualquer critério lhe é imposto, mesmo que pelo engajamento.

Os que, ainda assim, defendem o não engajamento da literatura, acreditam, em resumo, que há um perigo, para a obra literária, ao se subordinar interesses artísticos a interesses puramente panfletários capazes de transformar a obra literária em um comício — e o livro, seu palanque. (ABRAHÃO, 2013, p. 3)

Um interessante exemplo dessa ideia é a fala de Luiz Ruffato, o autor estudado neste trabalho, na I Jornada de Mídia e Literatura, que ocorreu na Universidade Federal de Juiz de Fora em 2017. Ao ser questionado sobre como fazer com que a literatura possa de fato ter um compromisso social e político, Ruffato responde:

O compromisso da literatura, antes de tudo, tem que ser com a literatura. Isso é curioso porque é paradoxal. Quanto mais literatura engajada ou compromissada ela é, menos literatura ela é. É um paradoxo interessante. Não é que quanto menos engajada, mais engajada. Quanto mais você parte de pressupostos “Ah, eu quero que a minha literatura fale sobre isso ou ela atinja determinado público”, na verdade, ela pode atingir momentaneamente, mas ela vai perder a característica principal e mais importante dela que é a transcendência. (RUFFATO, Apêndice A, p. 165)

A fala de Ruffato levanta uma questão relevante. Para ele, o compromisso maior da literatura deve ser a transcendência, ou seja, ela deve perdurar para além do contexto em que foi escrita. Se não faz isso, corre o risco de representar uma realidade que, de tão particular, não desperta interesse fora de seu contexto temporal e espacial.

No documento michelepereirarodrigues (páginas 61-65)