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PHILOSOPHIE, O LIVRO QUE FALA

2. Teoria e experiência

Sobre a teoria, Bernard inicia refletindo:

“Isto é uma verdade: o homem tem sempre necessidade de uma teoria e esta teoria reflete sempre o estado de seus conhecimentos”114.

Por diversas vezes, nosso autor ia salientar o valor da teoria, como no trecho do manuscrito abaixo (Fig. 9)

Figura 9. Citação do manuscrito Philosophie

“Em effet une science quelconque se formule em une théorie”

“Com efeito, qualquer ciência se formula em uma teoria.”

De acordo com Bernard – aqui seguindo Tennemann – todo estudo com vistas à ciência requer teorias. Isso é válido para disciplinas como a história, que requer a ordenação dos eventos, um encadeamento racional e a

112 Ibid, 386. 113 Ibid, 387.

postulação de relações de causa e efeito, sem os quais seria mero relato de acontecimentos ou memórias.

“A ciência da história deve fornecer a teoria dos fatos históricos que ela relata. Esta teoria é a causa de todas as ações dos personagens e vai reger os acontecimentos. Apenas a demonstração experimental não é fácil de fazer”.115

Quanto ao estatuto da teoria nas ciências da matéria bruta e dos seres vivos, o nosso autor indica:

“A história natural nos fornece não só a descrição, mas também a teoria dos animais, vegetais e minerais. A física e a química, além das propriedades dos corpos, e também a teoria dessas propriedades. Esta teoria é quem mostra a causa que anima a matéria e que explica seus fenômenos.”116

Afirma, mais adiante que “só graças a uma teoria podemos progredir”117.

As teorias, que representam o conjunto das idéias científicas, são indispensáveis como demonstração do estado da ciência, servindo de apoio para novas investigações. Elas têm um caráter mutável: podem e devem ser abandonadas sempre que não possam mais representar a realidade. Segundo Bernard: “Podemos fazer grandes progressos com teorias falsas”118 (Figura 10).

115 Ibid.

116 Ibid, citação 2, 4. 117 Ibid, citação 19,12.

Figura 10. Anotação num pedaço de papel.

“On peux faire des grands progrès avec une théorie fausse.”

Uma explicação mais elaborada é oferecida em Introdução...:

“Sempre que fazemos uma teoria geral para a ciência, a única coisa que podemos ter certeza é de que ela é falsa, em termos absolutos. Ela será uma verdade parcial ou provisória, necessária ao avanço das investigações. Ela representa apenas o estado de nosso conhecimento naquele momento e pode ser modificada.” 119

“Uma teoria é uma idéia científica controlada pela experiência.” 120

Mais uma vez voltando ao Philosophie, encontramos Bernard comentando sua leitura sobre Leibniz :

“Leibniz pensa que a filosofia deve ser tratada racionalmente, pela demonstração, como a matemática. O racionalismo não existe, tudo é experimental. A razão ou o raciocínio são a fonte de todos os nossos erros. O sentimento é um guia mais seguro.”121

119 Bernard, Introduction..., 47. 120 Ibid.

“Aqui está o que eu penso:

1º A única fonte de nosso conhecimento é a experiência. Na matemática, a demonstração, a prova é sempre redutível a uma experiência.”122 (Figura 11)

Figura 11.

« 1º La Source unique de notre connaissance est l’expérience – Dans les mathématiques, la démonstration, la preuve est toujours réductible à une expérience. »

“Não há racionalismo, tudo é experimental, até os teoremas.”123

“Na matemática, o sentimento de evidência é sempre o ponto de partida, mas podemos fazer a experiência, se quisermos.”124

Bernard considera que, na ciência experimental,o ponto de partida é a coisa mais difícil de encontrar.

“Entre todas as coisas, a mais difícil de encontrar é o ponto de partida, porque depois, a lógica faz o resto.” 125

Bernard ressalta que o início de tudo é uma hipótese, um sentimento, uma sensação que temos de que algo acontece de determinada maneira, para depois seguir adiante, até a

experiência.Afirma que:

“A razão sozinha é a fonte de todos nossos erros. O sentimento é um guia mais certo.”126

O sentimento é o ponto de partida, mas devemos avançar, sempre que possível.

122 Ibid, citação 40, 22 ( ver a citação na íntegra no final do capítulo). 123 Ibid, citação 33, 19.

124 Ibid, citação 35, 19. 125 Ibid, citação 39, 20. 126 Ibid, citação 34, 19.

“Devemos ser inimigos da hipótese como conclusão, mas devemos começar por lá, e concluir experimentalmente quando possível.”

Na sua defesa do sentimento, como ponto de partida, chega a citar Jacobi, que baseia todo conhecimento filosófico em um sentimento, uma crença.127 No texto de Philosophie não há muitas explicações a respeito128, porém em Introdução..., essas idéias aparecem mais elaboradas:

“A idéia experimental é resultado de uma espécie de pressentimento da mente, que pensa que as coisas acontecem de uma determinada maneira. Nessa conexão podemos dizer que há em nossa mente uma intuição ou sentimento sobre as leis da natureza, mas nós não conhecemos a forma. Podemos aprender (ter certeza) somente através da experimentação.” 129

3. Ultrapassando antinomias: o conceito de “relação”

Novamente, o ponto de partida , no texto de Tennemann, é a frase: “A filosofia é a obra da razão, aplicada à necessidade de conhecer. Todo

127 Friedrich Heinrich Jacobi (1743-1819). Seus escritos são caracterizados por fantasia poética

e religiosa, mais do que por necessidade lógica. Sustentava que o entendimento poderia apenas unir e desunir fatos, sem explicá-los, e que o conhecimento deduzido desta forma não teria valor porque estaria relacionado a uma experiência passada. Todo conhecimento demonstrável seria, para ele, relativo e condicionado, não atingindo as causas finais, às quais se teria acesso através da fé. Tenneman, Manual of the History of Philosophy, 454, afirma que a obra de Jacobi foi mal compreendida, mas tem seus melhores momentos ao afirmar a inexistência de provas sem demonstração e ao afirmar que “o fundamento de todo conhecimento filosófico é a crença – uma espécie de instinto ou pressentimento da razão”.

128 No Lettres a MMe R., Bernard se reporta a suas leituras sobre Pascal para explicar esse

fato: “as coisas que não compreendemos bem e que não podemos definir são precisamente aquelas sobre as quais estamos mais seguros, e é baseado nelas que estabelecemos a certeza de todas as outras”., 44.

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