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Capítulo 1: As Relações entre a Igreja e o Estado

1.4 A Teoria do Poder Indireto

Embora a teoria do poder indireto seja comumente sustentada entre

teólogos e canonistas

163

, ela nunca foi proclamada solenemente como um dogma de

fé e não constitui, portanto, uma verdade autêntica e absoluta da Igreja

164

. A

manifestação mais categórica que faz referência ao poder indireto eclesiástico nos

assuntos temporais está na condenação do Syllabus (1860), de Pio IX, da seguinte

proposição: “A Igreja não tem o poder de usar a força, nem algum poder temporal

direto ou indireto”

165

.

162 CALDERÓN, A. Op. Cit. p. 21.

163 Dentre os que explicitamente sustentam a teoria do poder indireto, cito Roberto Bellarmino, Francisco Suarez, Victor Cathrein, Louis Billot, A. Ottaviani, Matteo Liberatore, Wernz-Vidal, Felix Cavagnis, Felix Capello.

164 JOURNET, C. Op. Cit., p. 145.

165 “Ecclesia vis inferendae potestatem non habet neque potestatem ullam temporalem directam vel indirectam.” PIO IX. Syllabus, proposição 24. In: DENZINGER – HÜNERMANN. Op. Cit. n° 2924.

O Cardeal Roberto Bellarmino foi quem mais amplamente sistematizou a

teoria do poder indireto

166

, desenvolvendo-a no De Summo Pontifice

167

e também

no De potestate Summi Pontificis in temporalibus. No quinto livro do De Summo

Pontifice, Bellarmino, no capítulo II, estabelece que o Papa não é o senhor de toda

a terra, pois existem certos territórios ainda ocupados por infiéis; no capítulo III,

afirma que o Papa também não é senhor nem mesmo do mundo cristão, pois o

Cristo não veio abolir o direito legítimo dos príncipes; no capítulo IV, Bellarmino

afirma que o Papa não tem, por direito divino, qualquer jurisdição meramente

temporal diretamente; no capítulo V, ele confirma essa posição refutando os

argumentos contrários; no capítulo VI, Bellarmino afirma que o Papa possui

poder soberano temporal indiretamente, pois possui poder soberano de dispor, em

vista dos fins espirituais, dos bens temporais de todos os cristãos

168

.

Bellarmino emprega uma comparação entre a carne e o espírito para

explicar no que consiste o poder indireto:

“Como, com efeito, há no homem espírito e carne, assim há na Igreja aqueles dois poderes: pois a carne e o espírito são como se fossem duas repúblicas, que podem se encontrar separadas e conjuntas. A carne tem o sentido e o apetite, aos quais correspondem os atos e os objetos proporcionados, e dos quais o fim imediato é a saúde, e a boa constituição do corpo; o espírito tem o intelecto e a vontade, e atos e objetos proporcionados, e para o fim da saúde e da perfeição: encontra- se a carne sem o espírito nos brutos, o espírito sem a carne nos anjos. Do que aparece, nenhum dos dois está precisamente ao lado do outro. Encontra-se ainda a carne unida ao espírito no homem, onde porque fazem uma pessoa, necessariamente eles têm subordinação e conexão: com efeito, a carne está abaixo, o espírito está acima, e convém que o espírito não se misture às ações da carne, mas deixe-a exercer todas as

166 De acordo com Congar, foi Jean de Galles, depois de 1210, quem primeiro usou a expressão

potestas indirecta para designar a intervenção do poder eclesiástico nos assuntos temporais.

CONGAR, Yves. Op. Cit., p. 185.

167 O Tratado De Controversiis Christianae Fidei Adversus Hujus Haereticos é composto de três controvérsias. A terceira controvérsia (De Romano Pontifice, também nomeada De Summo

Pontifice) se refere ao Papa, sendo que o último livro (De potestate Pontificis temporali) se refere

ao poder temporal do Papa.

168 "O Pontífice, como Pontífice, embora não tenha qualquer poder meramente temporal, ele possui, entretanto, em ordem ao bem espiritual, poder soberano de dispor das coisas temporais de todos os Cristãos" "pontificem ut pontificem etsi non habeat ullam mere temporalem potestatem, tamen habere in ordine ad bonum spirituale summam potestatem disponendi de temporalibus rebus omnium Christianorum" (minha tradução) BELLARMINI, Cardinalis Roberti.

De Summo Pontifice. Lib. V, cap. vi. In: Opera Omnia, Tomo 1. Nápole: Josephum Giuliano,

suas ações, como exerce nos brutos; porém, quando os fins do espírito se opuserem a ela, o espírito impera sobre a carne, e a castiga, e, se é necessário, indica jejuns e outras aflições, também em detrimento dele e na debilitação do próprio corpo. E coage a língua a não falar, os olhos a não ver, etc. Por igual razão, se a finalidade do espírito deve ser obtida, haverá uma obra da carne, e até a própria morte; o espírito pode imperar sobre a carne, como também a si expor a sua [carne], como vemos nos mártires. Assim, em resumo, o poder político tem seus príncipes, leis, julgamentos etc. e igualmente o eclesiástico tem seus bispos, cânones, julgamentos. Aquele tem por fim a paz temporal; este, a salvação eterna. Algumas vezes se encontram separados, como outrora, no tempo dos Apóstolos, algumas vezes unidos, como agora: quando, na verdade, estão unidos um corpo agirá; e por isso devem ser conectados, e o inferior sujeito e subordinado ao superior. E assim, o espiritual não se mistura aos negócios temporais, mas deixa tudo se desenvolver, assim como antes de estarem unidos, desde que não sejam obstáculo para o fim espiritual, ou não sejam necessários para aquilo que se deve conseguir. Se, porém, tal acontecer, o poder espiritual pode e deve coagir o temporal por toda razão e caminho que para isso parecer ser necessário.”169

A analogia empregada por Bellarmino, ao contrário da que se apresenta em

Tomás de Aquino, não é feita entre o corpo e a alma, que, na visão aristotélico-

tomista, são dois princípios distintos que se completam para que exista uma única

substância composta, o composto humano. Mas ele move as figuras entre o espírito

169 “Ut enim se habent in homine spiritus et caro, ita se habent in Ecclesia duae illae potestates: nam caro et spiritus sunt quase duae respublicae, quae et separatae et conjunctae inveniri possunt. Habet caro sensum et appetitum, quibus respondent actus et objecta proportionata, et quorum omnium finis immediatus est sanitas, et bona constitutio corporis: habet spriritus intellectum et voluntatem, et actus atque objecta proportionata, et pro fine animae sanitatem et perfectionem: invenitur caro sine spiritu in brutis, invenitur spiritus sine carne in angelis. Ex quo apparet, neutrum esse praecise propter alterum. Invenitur etiam caro adjuncta spiritui in homine, ubi quia unam personam faciunt, necessário habent subordinationem et connexionem: caro enim subest, spiritus praeest, et licet spiritus non se misceat actionibus carnis, sed sinat eam exercere omnes suas actiones, ut in brutis exercet; tamen quando eae officiunt fini ipsius spiritus, spiritus carni imperat, eamque castigat, et si opus est, indicit jejunia, aliasque afflictiones, etiam cum detrimento aliquo et debilitatione ipsius corporis, et cogit linguam ne loquatur, oculos ne videant, etc. Pari ratione si ad finem spiritus obtinendum, necessária sit aliqua carnis operatio, et ipsa etiam mors; spiritus imperare potest carni, ut se ac sua exponat, ut in martyribus videmus. Ita prorsus política potestas habet suos príncipes, leges, judicia etc. et similiter ecclesiastica suos epíscopos, cânones, judicia. Illa habet pro fine, temporalem pacem, ista salutem aeternam. Inveniuntur quandoque separatae, ut olim tempore Apostolorum, quandoque conjunciae, ut nunc: quando autem sunt conjunctae unum corpus efliciuat; ideoque debent esse connexae, et inferior superiori subjecta et subordinata. Itaque spiritualis non se miscet temporalibus negotiis, sed sinit omnia procedere, sicut antequam essent conjunctae, dummodo non obsint fini spirituali, aut non sint necessaria ad cum consequendum. Si autem tale quid accidat, spiritualis potestas potest et debet coercere temporalem omni ratione ac via, quae ad id necessária esse videbitur.”(minha tradução) Ibid.

e a carne, o que favorece uma interpretação de caráter mais platônico de duas

substâncias separadas. Na analogia tomista, a Igreja (assim como a alma) vivifica o

governo civil (o corpo) e não podem se separar sem que o último se torne um

cadáver. Na interpretação de Bellarmino, a Igreja (o espírito) apenas impede que o

governo civil (a carne) não se oponha aos seus fins e, caso se separem, o governo

civil se compara a um bruto, e não a um corpo morto

170

.

Com a comparação entre o espírito e a carne, Bellarmino claramente

subordina o bem temporal ao espiritual e distingue as jurisdições, mas não como

faz Suarez, que distingue totalmente a relação entre a Igreja e o poder político a

ponto de atribuir um fim unicamente natural para o segundo

171

.

Bellarmino define o poder indireto de maneira mais clara no De potestate

Summi Pontificis in temporalibus:

"o poder pontifício é per se et proprie espiritual, e por essa razão considera diretamente, como seu objeto primário, os assuntos espirituais; mas indiretamente, isto é, por ordem às coisas espirituais, redutivamente e por necessária consequência, por assim dizer, considera as coisas temporais como seu objeto secundário, ao que o poder espiritual não se envolve senão por caso."172

170 CALDERÓN, A. Op. Cit., p. 26. Roberto Romano entende que “embora atenue o poder direto do Papa, no âmbito temporal, a doutrina de Bellarmino a exaspera, no setor espiritual, centrando a unidade eclesiástica na mais forte obediência aos ditames de Roma.” ROMANO, Roberto. Igreja Domesticadora de Massas ou Fonte do Direito Coletivo e Individual? Uma Aporia Pós-Concilar.

Op.Cit. p. 12.

171 "Distingue-se, pois, uma dupla felicidade do homem, uma da vida presente e outra da vida futura, e ambas devem distinguir –se em natural e sobrenatural segundo a doutrina teológica que agora supomos. Digo, pois, o primeiro; o poder civil e o direito civil por sua natureza (per se) não tendem à felicidade eterna sobrenatural da vida futura como fim próprio próximo nem último. Provo: tal poder é meramente natural; logo por natureza não tende ao fim natural" "Duplex ergo faelicitas hominis distinguenda est, una est vitae praesentis, altera, futurae, utraque in naturalem, supernaturalem distingui debet secundum receptam Theololicam doctrinam, quam nunc supponimus. Dico ergo primo; potestas civilis, ius civile per se non respiciunt aeternam faelicitatem super naturalem vitae futurae tanquam finem proprium, vel proximum, vel ultimum. Probatur, quia talis potestas est mere naturalis, ergo natura sua non tendit in finem supernaturalem." SUAREZ, Francisco. De Legibus, Op. Cit., livro III, capítulo xi, 4.. Logo em seguida, Suarez segue sua argumentação dizendo que o poder civil ordena-se à felicidade sobrenatural apenas de maneira extrínseca, isto é, acidental, e , portanto, é meramente circunstancial que o poder civil seja cristão.

172

"potestatem pontificiam per se, et proprie spiritualem esse, et ideo directe respicere, ut objectum suum primarium, spiritualia negotia; sed indirecte, idest, per ordinem ad spiritualia, reductive, et per necessariam consequentiam, ut sic loquamur, respicere temporalia, ut objectum secundarium, ad quod non convertitur haec spiritualis potestas, nisi in casu." BELLARMINI,

Bellarmino reconhece que a Igreja tem um poder indireto nos assuntos

temporais para precisamente distinguir os poderes, segundo a dupla jurisdição

instaurada por Cristo ("Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus"

173

),

mas a subordinação do poder político ao poder eclesiástico não é propriamente

indireta ou acidental, como pensa Suarez, pois o fim do poder temporal não é um

fim último absoluto:

"que, além disso, o poder político, não só enquanto Cristão, mas também enquanto política, está submetida à eclesiástica enquanto tal, primeiramente se demonstra a partir dos fins de ambos. Porque o fim temporal está subordinado ao fim espiritual, como é patente, porque a felicidade temporal não é um fim último absoluto, e deve referir-se à felicidade eterna, porque consta também em Aristóteles, livro 1 da Ética, capítulo 1, que as faculdades se subordinam como se subordinam os fins." 174

No mesmo sentido que Bellarmino, Francisco Suarez entende que a

intervenção do Pontífice nos assuntos temporais é indireta e ocorre quando está

ordenada ao espiritual

175

. Ele entende que essa doutrina é comum e certa

teologicamente

176

. Contudo, a explicação do poder indireto da Igreja é colocada

por Suarez em outros termos. Ele não entende que o fim último do governo civil é

sobrenatural

177

. Dessa forma, diferentemente do que pensa Bellarmino, o governo

civil está ordenado à felicidade sobrenatural de maneira meramente extrínseca ou

Cardinalis Roberti. De potestate Summi Pontificis in temporalibus, adversus Gulielmus Barclay. Cap. V.In: Opera Omnia, Tomo 4b. Nápole: Josephum Giuliano, 1859

173 "Reddite igitur quae sunt Caesaris, Caesaris: e quae sunt Dei, Deo" Marcum, 12, 17.

174 "quod autem potestas politica non solum, ut Christiana, sed etiam ut politica sit subjecta

ecclesiasticae, ut talis est; Primo, demonstratur ex finibus utriusque. Nam finis temporalis subordinatur fini spirituali, ut patet: quia felicitas temporalis non est absolute ultimus finis; et ideo referri debet in felicitatem aeternam: constat autem ex Aristotele lib. 1. Ethic. cap. 1. ita subordinari facultates ut subordinatur fines." BELLARMINI, Cardinalis Roberti. De Summo

Pontifice. Lib. V, cap. vii. In: Opera Omnia, Tomo 1. Nápole: Josephum Giuliano, 1856.

175 “mas em quantas ocasiões lançaram mão de tal jurisdição em assuntos de ordem temporal, mas fizeram de um modo indireto e em ordem ao espiritual” “sed quotiescumque circa temporalia usi sunt iurisdictione, solum id fecerunt indirecte et in ordine ad spiritualia.” (minha tradução). SUAREZ, Francisco. De Legibus, Op. Cit., Livro III, vi, 4.

176 Ibid, V, ix, 2.

acidental

178

. Suarez expõe a subordinação indireta do poder civil ao eclesiástico da

seguinte forma:

"Ademais, é costume distinguir nisso uma dupla sujeição, isto é, direta e indireta. Chama-se direta a que esta dentro do fim e dos limites de um mesmo poder; indireta a que somente nasce da direção a um fim outro que é mais alto e que pertence a um poder superior e mais excelente. Com efeito, o poder civil propriamente dito de si somente se ordena diretamente à conveniente situação e à felicidade temporal da república humana da vida presente, e por isso também se chama poder temporal. Pelo qual, o poder civil se chama soberano em sua ordem quando, nessa mesma ordem e em respeito ao seu fim, é a ele que se recorre em última esfera (dentro da totalidade da comunidade que está), de tal maneira que do Príncipe soberano dependem todos os magistrados inferiores que detêm poder em toda a comunidade ou em uma parte dela, e o mesmo Príncipe a ninguém superior está subordinado em ordem ao mesmo fim do governo civil. Como a felicidade temporal e civil deve ordenar-se à espiritual e eterna, pode acontecer que a matéria mesma do poder civil deva ser dirigida e governada em ordem ao bem espiritual de maneira distinta como pareceria pedir somente a razão civil. Então, ainda que o Príncipe temporal e seu poder em seus atos não dependam diretamente de outro poder que seja da mesma ordem e que considere o mesmo fim somente, no entanto pode ocorrer que necessite ser dirigido, ajudado ou corrigido em sua matéria pelo poder superior que governa os homens em ordem ao fim mais excelente e eterno: nesse caso essa dependência se chama indireta, porque esse poder superior às vezes se ocupa de coisas temporais não per se ou por razão delas mesmas, mas indiretamente e por razão de outra coisa."179

178 "Se dirá que a natureza mesma do homem se ordena à felicidade sobrenatural como ao fim último; logo todas as potências naturais dessa natureza também se ordenam a esse mesmo fim; logo também o poder civil. Respondo que de duas maneiras pode uma coisa ordenar-se a esse fim último: uma por sua relação ou mandato extrínseco. Da primeira maneira a fé infusa se ordena à felicidade sobrenatural; da segunda maneira se ordena à ela a fé o qualquer outra virtude adquirida. Digo, pois, que o poder civil pode ordenar-se a ela como a último fim à felicidade sobrenatural por uma relação extrínseca seja de Deus, seja do homem que o tem." "Dices; ipsa hominis natura ordinatur ad supernaturalem faelicitatem, ut ad finem ultimim; ergo etiam potentiae omnes naturales huius nature ordinatur ad eudem finem; ergo etiam potestas civilis. Respondeo dupliciter posse aliquid ordinati in illum finem ultimo; uno modo per intrinsecam habitudine; alio modo per solam relationem, vel imperium extrinsecum. Priori modo ordinatur fides infusa v. g. ad supernaturale beatitudine; posteriori modo fides, vel alia virtus acquisita. Dico ergo potestatem civilem per relationem extrinsecam, vel Dei, vel hominis habentis illam posse ordinari ad supernaturalem faelicitatem ut ad finem ultimo."Ibid.

179

"Deinde solet in praesenti distingui duplex subiectio, directa scilicet, indirecta. Directa vocatur, quae est intra fine, terminos eiusdem potestatis, indirecta, quae solum nascitur ex directione ad finem altiorem, ad superiorem, ac excellentiorem potestatem pertinente. Propria enim potestas civilis de se solu directe ordinatur ad convenientem statum, temporalem felicitatem humanae reipublicae pro tempore vitae praesentis ideo etiam potestas ipsa temporalis appellatur. Quamobrem tunc civilis potestas dicitur in suo ordine suprema, quando in eodem respectu sui finis ad illam sit ultima resolutio in sua sphera, seu in tota communitate, quae illi subest: ita ut a tali Principe supremo omnes inferiores magistratus, qui in tali communitate, vel in parte eius potestatem habent, pendeant, ipse vero Princeps summus nulli superiori in ordine ad eundem

Francisco de Vitória, no mesmo sentido que Suarez, entende que o poder

temporal está submetido ao espiritual e, portanto, a jurisdição da Igreja se estende

aos assuntos temporais quando os interesses espirituais se fazem presentes.

Contudo, a relação entre o fim do poder temporal (a felicidade social) e o fim do

poder espiritual (a felicidade última) é meramente extrínseca:

“O Papa tem o poder temporal em ordem às coisas espirituais, isto é, enquanto seja necessário para administrar as coisas espirituais. Também essa proposição é de Torquemada no lugar citado e de todos os doutores. Prova-se porque a arte a que corresponde um fim superior é imperativa e preceptiva das artes a que correspondem fins inferiores e subordinados a esse fim superior, como se lê em Aristóteles. Agora bem, o fim do poder espiritual é a felicidade última; ao invés, o fim do poder civil é a felicidade social. Por conseguinte, o poder temporal está submetido ao espiritual.”180

Em suma, a teoria do poder indireto, assim como foi sistematizada,

estabelece a subordinação dos poderes, a distinção de jurisdições e o poder

temporal da Igreja quando conectado com assuntos espirituais. Contudo, como

explicam os canonistas

181

, nem sempre a determinação da zona de jurisdição de

cada poder é tão clara, pois a Igreja e o Estado, considerados ambos como

sociedades perfeitas que exercem autoridade pública, podem reclamar jurisdição

finem civilis gubernationis subordinetur. Quia vero felicitas temporalis, civilis ad spiritualem aeternam referenda est, ideo fieri potest, ut materia ipsa potestatis civilis aliter dirigenda, gubernanda sit in ordine ad spirituale bonum, quam sola civilis ratio postulare videatur. Et tunc quanuis temporalis Princeps, eiusq; potestas in suis actibus directe non pendeat ab alia potestate eiusdem ordinis, quae eundem finem tantum respiciat, nihilominus fieri potest, ut necesse sit, ipsum dirigi adiuuari, vel corrigi sua materia a superiori potestate gubernante homines in ordine ad excellentiorem finem, aternum: tunc illa dependentia vocatur indirecta, quia illa superior potestas circa temporalia non per se, aut propter se, sed quasi indirecte, propter aliud" SUAREZ, Francisco. Defensio fidei catholicae. Op. Cit. lib. III, cap. 5, n. 2.

180 “El Papa tiene potestad temporal en orden a las cosas espirituales, es decir, en cuanto sea necesario para dministrar las cosas espirituales. También esta proposición es de Torquemada en el lugar citado, y de todos los doctores. Se prueba porque el arte a la que corresponde un fin superior es imperativa y preceptiva de las artes a las que corresponden fines inferiores subordinados a este fin superior, como se lee em Aristóteles. Ahora bien, El fin de la potestad espiritual es la felicidad última; en cambio el fin de la potestad civil es la felicidad social. Por consiguiente, el poder temporal está sometido al espiritual.” (minha tradução) VITÓRIA, Francisco. Sobre los indios. Tradução de Luis Frayle Delgado. Madrid: Tecnos, 1998.

181 IUNG, N. Op. Cit., p. 110. CATHREIN, Victore. Philosophia Moralis. Barcelona: Herder, 1945, p. 437 et seq. LIBERATORE, Mathieu. Op.Cit., p. 231 et seq, e p. 319 et seq. WERNZ- VIDAL. Op. Cit, Tomus I, p. 18-26.

sobre a mesma matéria. Por isso, distinguem-se, no Código de Direito Canônico

de 1917, 1) assuntos puramente espirituais e, portanto, pertencem à Igreja, como o

culto, os sacramentos, a educação do clero, a pregação (por exemplo, cânones

1322, 1352, 1353); 2) assuntos temporais que se tornam espirituais em razão da

destinação a um fim religioso e, por essa razão, a Igreja reivindica a jurisdição. Em

geral, esses assuntos estão relacionados com a propriedade da Igreja (por exemplo,

cânone 1495 et seq.); 3) assuntos que, devido às circunstâncias, podem interessar a