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RIO SÃO FRANCISCO

Para uma melhor compreensão da aplicabilidade prática do marco regulatório, faz- se necessário um resgate histórico da normatização jurídica relativa ao uso e proteção da água. A primeira normatização da proteção jurídica do direito de uso da água no Brasil ocorreu com a instituição do Decreto n. 24.643, de 10 de julho de 1934, denominado

“Código de Águas”. Tratava-se de promover a gestão hídrica, visando às necessidades

de produção energética hidráulica, sob o controle do Ministério da Agricultura. Em seu texto, havia a orientação de como se daria o gerenciamento das águas, de acordo com os tipos existentes. Constava em seu preâmbulo:

[...] Considerando que se torna necessário modificar esse estado de coisas, dotando o país de uma legislação adequada que, de acordo com a tendência atual, permita ao poder público controlar e incentivar o aproveitamento industrial das águas; Considerando que, em particular, a energia hidráulica exige medidas que facilitem e garantam seu aproveitamento racional; Considerando que, com a reforma porque passaram os serviços afetos ao Ministério da Agricultura, está o Governo aparelhado, por seus órgãos competentes, a ministrar assistência técnica e material, indispensável a consecução de tais objetivos; Resolve decretar o seguinte Código de Águas, cuja execução compete ao Ministério da Agricultura e que vai assinado pelos ministros de Estado.

O Código das Águas também distinguia águas públicas e privadas, de acordo com o tipo de propriedade da terra. Para ser considerada de propriedade privada, a água deveria se encontrar em um espaço exclusivamente particular. As demais águas eram domínio da União, dos estados ou dos municípios, de acordo com o território pelo qual circulassem os corpos hídricos. Este instrumento legal estabeleceu também que, ao se contaminar águas, o poluidor deveria pagar para mitigar o problema e poderia ser incriminado por perdas e danos a terceiros.

O aparato legal datado de 1934 vigorou até a promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988, quando em seus artigos 20, III e 26, I, se estabelece a “propriedade estatal” das águas de acordo com a esfera governamental, sendo consideradas águas de domínio federal os rios de fronteira ou de limite interestadual. São tidos no âmbito do domínio

estadual as águas subterrâneas e os rios internos aos estados neles contidos; são municipais quando suas águas percorrem apenas um município.

A CF instituiu, através do artigo 21, inciso XIX, como competência da União, a criação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SNGRH), em atenção à necessidade de “instituir e definir critérios de outorga de direito de seu uso” (BRASIL, 1988, art. 21). O artigo 225 determina a responsabilidade do Poder Público e da coletividade em cuidar da água e de outros bens naturais, e afirma: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988, art. 255). Vale dizer que todos têm direitos ao que compõe o meio ambiente, a saber: a água, o ar, a fauna e a flora, inclusive considerando as gerações futuras.

A partir desses elementos normativos da CF, foi a promulgação da Lei n. 9433, de 08 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. A nova lei alterou o aspecto inalienável do direito ao Meio Ambiente concebido na CF, conforme descrito no parágrafo anterior. Em seu artigo primeiro, a atual “Lei das Águas” situa a base da Política Nacional de Recursos Hídricos nos seguintes fundamentos:

I - A água é um bem de domínio público;

II - A água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;

III - em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos consiste no consumo humano e na dessedentação de animais;

IV - A gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas;

V - A bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e da atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos;

VI - A gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.

A lei define também os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, considerando que cada bacia deve ter um sistema de informações que indique o estado em que se encontra o corpo hídrico, qual seja: Os Planos de Recursos Hídricos; o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água;

a outorga dos direitos de uso de recursos hídricos; a compensação a município e o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos (SNGRH).

Com relação ao SNGRH, a Lei n. 9433/97 institui:

I. O Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH);

II. Os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal; III. Os Comitês de Bacia Hidrográfica (CBH);

IV. Os órgãos dos poderes públicos federal, estaduais e municipais, cujas competências se relacionam com a gestão de recursos hídricos;

V. As Agências de Água.

O termo “recurso hídrico” foi incorporado à Lei n. 9.433/97, sancionada em 8 de janeiro de 1997, em seu artigo 1º, inciso IV. Porém, as primeiras interpretações que tendiam a considerá-la um recurso ocorreram na Constituição de 1988. Segundo a ANA (2013, p. 17),

[...] As constituições anteriores somente traziam a palavra água. Assim, a União passou a ser responsável pela instituição do sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e pela definição dos critérios de outorga para seu uso. Essa nova terminologia, enquanto recurso e não simplesmente um bem natural, remetia ao seu tratamento enquanto insumo para o sistema produtivo e, consequentemente, com valor econômico incorporado. Abria-se o caminho para que a Cobrança pelo Uso, conforme definida atualmente, pudesse ser regulamentada por uma nova política.

Atualmente, está em pleno funcionamento o Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Todos os 26 Estados da Federação e o Distrito Federal possuem suas leis estaduais e seus conselhos estaduais de recursos hídricos. Existem hoje em dia cerca de 190 comitês de bacias hidrográficas estaduais em atuação no Brasil, em sua maioria em bacias com águas de domínio exclusivamente estadual. A Lei n. 9433/97 recomenda que a Secretaria Executiva do CNRH seja exercida pelo órgão integrante da estrutura do Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, responsável pela gestão dos recursos hídricos, ou seja, a Secretaria de Recursos Hídricos do MMA.

Somente em 17 de julho de 2000, foi sancionada a Lei n. 9984, que instrui a criação da Agência Nacional de Águas – ANA, entidade federal responsável pela implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e pela coordenação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. A ANA é uma autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, tendo como uma das suas principais responsabilidades emitir e

administrar as outorgas do direito de uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio da União, bem como realizar a normatização e fiscalização do uso dos recursos hídricos no Brasil.

A partir da instituição da Lei n. 9.433/97, uma série de mudanças relacionadas ao uso das águas enquadrou-o numa ótica economicista, passando a água a ser considerada como um “bem econômico”, por meio da outorga e cobrança. Esses dois instrumentos têm como alicerce teórico as ferramentas de comando e controle, para a gestão ambiental da bacia hidrográfica. Em tese, segundo a vertente liberal da economia, as leis do mercado operando livremente por meio das relações de “oferta e demanda” deveriam ser capazes de ajustar a disponibilidade dos bens e serviços a todas as necessidades existentes. Se isso fosse verdade, não seria necessária a implementação de políticas públicas de comando e controle para uso de um bem.

A água é um bem público, mas, no Brasil, por força da Lei n. 9.433/97, passa a ser adjetivada com um bem com possibilidade de ser excludente. Isto implica, portanto, que esse elemento da natureza, historicamente considerado um bem comum, passa a ter a possibilidade de exclusão ou mesmo de acesso restrito. Dessa forma, esbarramos em uma contradição latente: se o bem água é dotado de valor econômico, como a ciência econômica pode defini-la nos termos de um bem público?

Dois aspectos podem identificar um bem público. O primeiro é a impossibilidade de excluir-lhe o acesso por parte de qualquer indivíduo, com base no entendimento do conceito de não-exclusão; o segundo consiste em não permitir que exista rivalidade entre os indivíduos para ter acesso ao bem, inspirado no conceito de não-rivalidade:

[...] um bem público pode ser aproveitado por inúmeros indivíduos ao mesmo tempo (não-rivalidade) e uma vez que um bem público esteja disponível, negar seu acesso a um consumidor é proibitivamente dispendioso (não-exclusão). No outro extremo, um bem privado puro obedece aos princípios de exclusão e rivalidade. Estes últimos tendem a ser eficientemente produzidos pelos mercados (MOTTA, 1997, p. 172).

A cultura da crença do gerenciamento e concessão do acesso à água por parte do Estado, mediante pagamento, foi partilhada mundialmente. Sua gênese não foi traçada no ano de 1997, por ocasião da promulgação da Lei n. 9.433/97. Esse discurso foi elaborado em sintonia com argumentos ideológicos neoliberais, veiculados primordialmente em publicações do Banco Mundial e associados à exigência de uma maior participação do setor privado nos serviços essenciais de utilidade pública. Forjou-se a ideia de uma

necessidade inerente aos países em desenvolvimento, cujo mote era diminuir as desigualdades sociais, considerando a redução do déficit público e o fortalecimento da democracia (CASTRO, 2013). Essa lógica foi traçada lenta e gradativamente, tendo como precedentes principais três marcos institucionais:

A Carta Europeia da Água do Conselho da Europa90 - proclamada pelo

Conselho da Europa em maio de 1968, norteando as doze preocupações a respeito da necessidade de acesso à água para prover a vida, alertando inclusive para a necessidade de uma gestão cooperativa do Homem com os demais seres vivos. O documento aponta duas concepções espaciais quando afirma: “[...] 11. A gestão dos recursos hídricos deve inserir-se no âmbito da bacia hidrográfica natural e não no das fronteiras administrativas e políticas. 12. A água não tem fronteiras. É um bem comum que impõe uma cooperação internacional (Grifos nossos). • A Carta da Declaração Sobre o Ambiente Humano91 - declaração firmada por

ocasião da Conferência das Nações Unidas, na cidade de Estocolmo, na Suécia, no período de 5 a15 de junho de 1972 que, entre os cuidados de preservação da vida, inclui os direitos inter-geracionais, como aponta o segundo princípio:

Os recursos naturais da Terra, inclusos o ar, a água, o solo, a flora e a

fauna, especialmente as amostras representativas dos ecossistemas naturais, devem ser preservados em benefício das gerações presente e futura, mediante uma cuidadosa planificação ou regulamentação,

segundo seja mais conveniente (ONU, 1972, p. 03. Grifos nossos).

A Declaração Universal dos Direitos da Água92- publicada pela ONU em 22 de

março de 1992, dispõe sobre a necessidade de respeitar a lenta capacidade da natureza em oferecer os serviços ambientais para transformar a água em água potável (artigo segundo). Reforça, especialmente, o discurso econômico mediante o argumento da raridade da água e, por conseguinte, da necessidade de valorá-la a partir da atribuição de valor econômico, quando afirma em seu artigo sexto: “A água não é uma doação gratuita da natureza; ela tem um valor econômico: precisa-

90 Disponível em: <http://www.aguaonline.net/gca/?id=67>. Acesso em: 20 mar. 2014. 91 Disponível em: <http://openlink.br.inter.net/jctyll/1904.htm>. Acesso em: 20 mar. 2014.

92 Disponível em: <http://www.cetesb.sp.gov.br/agua/aguas-superficiais/40-Declaracao-Universal-dos- Direitos--da-%C3%81gua>.Acesso em: 20 mar. 2014.

se saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muito bem escassear em qualquer região do mundo” (ONU, 1992, art. 2).

Por meio da interpretação econômica dos conceitos acima citados e norteando-se pela lei das águas brasileiras, pode-se interpretar que este bem vital passa a perder uma das principais características dos bens públicos, a não rivalidade e exclusibilidade.

No caso da outorga, após a criação da ANA, deu-se início ao processo de cadastro e autorização dos diversos usos da água de uma determinada bacia, mediante a emissão de um documento que afere a seu possuidor o direito de captar água de acordo com as especificações técnicas nelas contidas. A produção agrícola que necessitar captar água em um rio, canal ou reservatório acima de determinados volumes terá que solicitar a outorga e efetuar o pagamento.

Esta é uma situação que pode estar ocorrendo na bacia do rio São Francisco, quando camponeses ou mesmo associações de produtores da agricultura camponesa declaram captar acima de 4 l/s93. Nos perímetros irrigados situados nesta bacia, em geral, as

outorgas são emitidas para os órgãos que administram esses espaços, principalmente para a CODEVASF e órgãos estaduais. Seu acesso para usos consuntivos pode acontecer ou não dependendo de fatores naturais, sociais, econômicos e políticos, bem como do cenário de abundância ou escassez existente nas bacias hidrográficas em cada tempo e espaço.

A expressão uso consuntivo refere-se aos usos que retiram a água bruta de sua fonte natural, diminuindo suas disponibilidades quantitativas, espacial e temporalmente – por exemplo, a água captada como insumo produtivo na fabricação de um detergente líquido. Por sua vez, a expressão uso não-consuntivo diz respeito aos usos que retornam praticamente a totalidade da água utilizada à fonte da qual foi captada, podendo haver alguma modificação no seu padrão temporal de disponibilidade quantitativa – por exemplo, a navegação, a recreação, a piscicultura. Outros exemplos de usos consuntivos e não consuntivos podem ser visualizados na Tabela 5.

Porém, alerta-se que um dos usuários que mais oferece impactos no âmbito socioambiental é originário de uma outorga não consuntiva, a hidroeletricidade. Entende- se que esse termo, utilizado normativamente, deveria passar por uma revisão, justificado principalmente pelos acontecimentos de retenção da água nos reservatórios dos barramentos (represas) para produção de energia nos momentos de escassez, ou seja, a

93 A medida “litros por segundo” é bem inferior à medida 1 metro cúbico por segundo, que equivale a mil litros de água.

temporalidade afeta aos ecossistemas aquáticos a jusante das barragens, e tal efeito não é considerado no momento da outorga para o setor hidroelétrico. Segundo a ANA (2014, p. 15),

as solicitações de outorga de direito de uso de recursos hídricos podem se destinar a usos consuntivos ou não consuntivos da água. As demandas para os usos não consuntivos são aquelas que não resultarão em retiradas de vazões ou volumes de água do corpo hídrico, mas, eventualmente, irão modificar as suas características naturais (por exemplo, construção de barramentos) e necessitam desta forma, de uma autorização da autoridade outorgante.

Tabela 5 - Principais categorias de demandas de água.

Fonte: Organização das Nações Unidas (1976).

Na bacia do rio São Francisco, a emissão da outorga de uso da água pela ANA, para se tornar efetiva, tem que ser divulgada em diário oficial. Conforme a ANA (2011a, p. 21),

a outorga é a garantia de água para todos os usos, sendo, portanto, obrigatória. Essa obrigatoriedade é necessária para que o poder público possa, efetivamente, assegurar o controle, tanto quantitativo como qualitativo dos usos da água, e para que o usuário tenha a autorização de direito de acesso à água para as finalidades desejadas.

• derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo d’água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo;

• extração de água de aquífero subterrânea para consumo final ou insumo de processo produtivo;

• lançamento em corpo d’água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final;

• aproveitamento dos potenciais hidrelétricos; e

• outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade existente em um corpo d’água (BRASIL, 1997, art. 12).

O uso residencial doméstico da água não necessita de outorga, porque não diz respeito a volumes expressivos que qualifiquem as casas, individualmente, como “usuários”. Já as companhias de distribuição e tratamento de água para abastecimento, sejam elas municipais ou estaduais, são denominadas de “usuários” por representarem uma escala macro de consumo.

A outorga, na prática, consiste numa licença de uso para captar água e/ou lançar efluentes num corpo hídrico. É realizada a partir de cadastro contendo uma solicitação do direito ao uso da água, na qual seu declarante revela informações imprescindíveis, tais como: finalidade, volumes, localidade. No caso da irrigação, pode-se observar inclusive a área, tipo de irrigação e de cultivo. Contudo, quando se busca o acesso a esses cadastros, nem sempre os dados referentes à outorga estão completos. Por vezes, as outorgas são cadastradas como “diversos”, quando solicitam mais de um uso, o que dificulta a análise da demanda efetiva. Esses dados, em tese, deveriam auxiliar no gerenciamento dos recursos hídricos, através do Cadastro Nacional de Usuários de Recursos Hídricos (CNARH) instituído em 2003.

Cada usuário, ao se cadastrar, tem a responsabilidade, inclusive jurídica, de informar com fidedignidade qual a destinação dos estoques de água a serem outorgados, bem como a frequência de uso, sob as penas da lei. O registro se aplica aos usuários de recursos hídricos, a pessoas físicas e jurídicas que captam água, lançam efluentes ou realizam usos não consuntivos diretamente em corpos hídricos (rio ou curso d’água, reservatório, açude, barragem, poço, nascente etc.). O conteúdo do cadastro inclui informações sobre a vazão utilizada, o local de captação, a denominação e a localização do curso d’água, o empreendimento do usuário, bem como a sua atividade ou a modalidade da intervenção que pretende realizar (ANA, 2014).

O Cadastro Nacional de Usuários de Recursos Hídricos (CNARH), estabelecido pela Resolução ANA n. 317/2003, alimenta a base de dados que aponta o conjunto de usos registrados oficialmente de recursos hídricos no Brasil. Poe sua vez, ele é alimentado pelo processo de cadastramento de usuários, sobre ele estarão baseados alguns dos principais instrumentos da gestão de recursos como à outorga, a cobrança e a fiscalização (ANA, 2014). Esses dados são utilizados para compor outros instrumentos da gestão, o enquadramento dos corpos de água que contribui para o planejamento da gestão. A bacia do Rio São Francisco ainda não possui o enquadramento de corpos de água. Tal peça do planejamento hídrico ainda não foi realizada, apesar da existência do CBHSF, desde 2001. Conforme institui a Lei n. 9.433/97,

o enquadramento de corpos d’água estabelece o nível de qualidade a ser alcançado ou mantido ao longo do tempo. Mais do que uma simples classificação, o enquadramento deve ser visto como um instrumento de planejamento, pois deve tomar como base os níveis de qualidade que deveriam possuir ou ser mantidos para atender às necessidades estabelecidas pela sociedade e não apenas a condição atual do corpo d’água em questão. O enquadramento busca “assegurar às águas qualidade compatível com os usos mais exigentes a que forem destinadas” e a “diminuir os custos de combate à poluição das águas, mediante ações preventivas permanentes” (BRASIL, 1997, art. 9).

A priorização na realização do enquadramento dos corpos hídricos da bacia do rio São Francisco facilitaria uma execução orçamentária, com uma alocação eficiente, pois ofereceria informações precisas e atuais das localidades mais degradadas da bacia, na qual deveria haver maiores investimentos de recuperação ambiental. Outro agravante da gestão do CBHSF é a não concretização do que foi assumido como meta em seu Plano Decenal da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco (PBHSF) 2004-2013, uma espécie de “plano diretor”.

Sua primeira versão elaborada a partir de duas rodadas de consultas públicas, realizadas no prazo bastante curto de seis meses. O documento passou por pequenas modificações no âmbito do CBHSF, em conjunto com o Grupo de Suporte Técnico (GST), que auxilia na elaboração do PBHSF. Este grupo é formado por membros das Câmaras Técnicas do CBHSF e origina-se de consultores e representantes da CHESF e CODEVASF. Porém, para Silva e Cirilo (2011, p. 51),

[...] Apesar das alterações introduzidas na nova versão do PBHSF, não houve estimativa de investimentos para as novas atividades e ações incluídas. Na

versão do PBHSF aprovada pelo CBHSF, foi apresentado um Programa de Investimentos provisório, cujo prazo previsto de reavaliação e revisão foi dezembro 2005, não tendo sido realizado.

Ou seja, o primeiro PBHSF sequer concretizou todas as ações previstas na sua primeira versão, porém o CBHSF já destinou recursos para a elaboração da sua segunda