• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO IV – A RELAÇÃO DO ÁRBITRO COM A ANATEL

4.1. A caracterização jurídica do desempenho da função de árbitro

4.1.2. Teoria publicista ou processualista

A teoria publicista ou processualista considera que a atividade dos árbitros é jurisdicional e por isso derroga as regras de competência estatal, equiparando a sentença arbitral à sentença proferida pelo Poder Judiciário.

Seus defensores partem da premissa de que o Estado é quem outorga ao árbitro, assim como outorga ao juiz, poderes para resolver conflitos, portanto a natureza jurisdicional nasce da vontade do legislador140.

137 COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a lei 9.307/96. Ed.Forense. Rio de

Janeiro,1999 – p.20.

138 FIÚZA, César. Teoria Geral da Arbitragem, Belo Horizonte, Del Rey Ed., 1995, pp 42-43

139 Um dispositivo que era evocado por essa corrente que confirmaria a natureza contratual da

arbitragem no Brasil seria o art. 25 da Lei de Arbitragem. (Art. 25. Sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia acerca de direitos indisponíveis e verificando-se que de sua existência, ou não, dependerá o julgamento, o árbitro ou o tribunal arbitral remeterá as partes à autoridade competente do Poder Judiciário, suspendendo o procedimento arbitral.) Cabe destacar que esse artigo foi revogado pela Lei n. 13.129, de 2015.

Carlos Alberto Carmona141 afirma que o fato de se encarar a jurisdição como poder, atividade e função do Estado não descaracteriza, desde logo, a jurisdicionalidade da arbitragem. Para esse autor, trata-se, evidentemente, de participação do povo na administração da justiça – o que não afronta o art. 153, § 4º, da Constituição Federal e encontra respaldo no seu § 1º do artigo 1º. Basta lembrar, em reforço a tal argumentação, que a instituição do júri, mantida no mesmo artigo 153 da Constituição Federal, é baluarte da participação popular a nível jurisdicional.

Para os adeptos desse posicionamento, o legislador brasileiro fez uma clara e evidente opção pela teoria publicista (ou processualista) da arbitragem, nos termos, especialmente, dos artigos 18 e 31142, da Lei n. 9.307, de 1996, os quais equiparam o árbitro ao juiz e estabelecem que a decisão proferida pelo árbitro produz os mesmos efeitos, entre as partes e seus sucessores, de uma sentença proferida pelo Poder Judiciário.

Carlos Alberto Carmona143 descreve, detalhadamente, a proximidade da atividade exercida pelo árbitro e do juiz:

Já se viu que a jurisdição é também atividade, ou seja, movimentação do órgão judicante no processo, tudo com o escopo de atuar o direito no caso concreto. É sob este ângulo que mais se aproximam as figuras do juiz e do árbitro, pois tanto um como outro acabam por desempenhar papel

140 BASILIO, Ana Tereza Palhares e FONTES, André R. c. Notas introdutórias sobre a natureza

jurídica da arbitragem. In Revista de Arbitragem e mediação. Ano 4, vol 14. WALD, Arnold (cord). São Paulo: RT. Julho/setembro de 207. p. 48-51.

141 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e jurisdição. Doutrinas Essenciais Arbitragem e Mediação.

vol. 1/2014, p 833-844. Disponível em:

https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1963877/mod_resource/content/1/Artigo%20CAC%20- %20Arbitragem%20e%20Jurisdi%C3%A7%C3%A3o.pdf. Acesso em julho de 2019.

142Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.

Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.

143 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e jurisdição. Doutrinas Essenciais Arbitragem e Mediação.

vol. 1/2014, p 833-844. Disponível em:

https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1963877/mod_resource/content/1/Artigo%20CAC%20- %20Arbitragem%20e%20Jurisdi%C3%A7%C3%A3o.pdf. Acesso em julho de 2019.

semelhante ao declararem o direito aplicável à espécie. De fato, encarada a jurisdição no sentido original da expressão iuris dicere, caberia ao julgador apenas declarar qual a norma aplicável ao caso concreto; a execução forçada da sentença (se esta fosse condenatória) seria realizada com nova atividade do Órgão judicante, sem conteúdo jurisdicional (atividade juris- satisfativa). Esta a lição de Celso Neves, que conclui, comentando o binômio “conhecimento-execução”:

“Lá, opera o juízo; aqui, a realização prática de suas consequências. Lá, a lide na terminologia carneluttiana – é de pretensão resistida; aqui, de pretensão insatisfeita. Lá opera-se a certeza quanto à res deducta; aqui, realiza-se o interesse do litigante.

A diversidade de escopos levara a doutrina a não admitir, por isso, jurisdição no processo executório, em que a atividade do órgão do Estado seria meramente administrativa.”

Conclui por fim o professor emérito do Largo de São Francisco que só haveria jurisdição na atividade declaratória, isto é, quando o juiz declara qual a norma que incidira no caso concreto. Diante desta colocação, qual seria a diferença entre a atividade do juiz e a do árbitro? Intelectualmente, nenhuma: ambos analisariam o fato à luz dos cânones jurídicos para perquirir a verdade e declarar a norma aplicável à espécie; ambos colheriam provas, resolveriam questões e profeririam a decisão final. Ambos, portanto, declarariam o direito.

A jurisprudência encampa a tese de que há́ prestação jurisdicional pelo árbitro. Nesse sentido, cabe destacar o posicionamento da Min. Nancy Andrighi no seguinte sentido: “Assim, os argumentos da doutrina favoráveis à jurisdicionalidade do procedimento arbitral revestem-se de coerência e racionalidade. Não há́ motivos para que se afaste o caráter jurisdicional dessa atividade”144.

Apontam os defensores que a sentença arbitral produz entre as partes e seus sucessores os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, uma vez dotada de força condenatória, constitui título executivo, visto que, o que se exclui pela arbitragem não é, propriamente, o acesso à jurisdição, mas sim à via judicial estatal. Portanto, a solução do litígio há de vir pela justiça arbitral e

144 CC 113.260/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE

NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/09/2010, DJe 07/04/2011, no qual o Superior Tribunal de Justiça abordou os parâmetros jurídicos utilizados para solução do conflito de competência entre câmaras arbitrais, ante o silêncio da lei 9.307/96 sobre a matéria.

não pelo Estado-Juiz (justiça estatal). Nas duas hipóteses, estaria evidenciado o exercício da atividade jurisdicional145.

Em síntese, para essa corrente, a arbitragem se constitui em verdadeira atividade jurisdicional, e, prova disso, é que os poderes conferidos ao árbitro para dirimir os conflitos de interesse das partes decorre de autorização da lei. E de posse da autorização da lei é que as partes podem realizar o acordo e levar a situação em litígio a ser resolvida pelo árbitro, tendo essa decisão caráter de definitividade perante o ordenamento jurídico. Nessa linha, os árbitros são considerados verdadeiros juízes, de fato e de direito, de modo que a arbitragem é uma jurisdição de caráter privado.