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A doutrina consagra a teoria do risco administrativo como base para a responsabilidade objetiva do Estado. Continua o professor, dissertando sobre o tema:

Diante disso, passou-se a considerar que, por ser mais poderoso, o Estado teria que arcar com um risco natural decorrente de suas numerosas atividades: à maior quantidade de poderes haveria de corresponder um risco maior. Surge, então, a teoria do risco

administrativo, como fundamento da

responsabilidade objetiva do Estado.9

Entrevêem-se, portanto, duas nuances da responsabilidade estatal: a civil e a penal; esta diz respeito a atos criminosos perpetrados por

8 JUSTEN, Marçal. Curso de Direito Administrativo.1ed. São Paulo. Saraiva: 2005.

9 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 13 ed. Rio de Janeiro. Lumen Juris : 2005.

- 31 - aqueles que compõem o Estado e aquela, aos danos e prejuízos, ainda que não patrimoniais, causados a terceiros.

A punição a ocorrências complexas evidencia, portanto, a possibilidade de que as sanções sejam aplicadas de forma cumulativa.

Diógenes Gasparini elenca os elementos que fazem parte da sistemática concernente à teoria do risco administrativo:

Dessa procura surge, sob a inspiração das decisões do Conselho de Estado Francês, a teoria da responsabilidade patrimonial sem culpa, também chamada de teoria da responsabilidade patrimonial objetiva, teoria do risco administrativo, ou simplesmente, teoria objetiva, que amplia a proteção

do administrado. Por essa teoria, a obrigação de o Estado indenizar o dano surge, tão-só do ato lesivo

de que ele, Estado, foi o causador. Não se exige a culpa do agente público, nem a culpa do serviço. É suficiente a pr ova da lesão e de que esta foi causada pelo Estado. A culpa é inferida no fato lesivo, ou, vale dizer, decorrente do risco que a atividade pública gera para os administrados. Esse rigor é suavizado mediante a prova, feita pela Administração Pública, de que a vítima concorreu, parcial ou totalmente, para o evento danoso, ou de que este não teve origem em um comportamento do Estado (foi causado por um particular). Essas circunstâncias, conforme o caso, liberam o Estado, total ou parcialmente, da responsabilidade de indenizar, como adiante se verá. Nessa permissão para o Estado provar que não foi o causador do dano ou que a culpa cabe à vítima está a diferença entre a teoria do risco integral e a teoria do risco administrativo, como ensinam alguns autores.10

(Grifou-se)

É, porém, física e logicamente impossível sancionar o Estado por meio de penas restritivas ou privativas de liberdade; o que ocorre é uma compensação pelos fatos ocorridos, posterior à aproximaç, por cálculo

matemático, do valor a que amonta o mal. Tem-se, por conseguinte, sanção penal sendo consignada na forma de reparação tipicamente cível.

Acerca do crescente reconhecimento da responsabilidade penal internacional como corolário garantidor dos ditames do Direito Internacional, dispõe Jorge Bacelar Gouveia:

Dentro de uma óptica de responsabilidade, a categoria mais severa para garantir o respeito pelo Direito Internacional é a da responsabilidade penal internacional. Trata-se de punir aqueles que tenham

- 32 - infringido os mais altos valores protegidos pelo Direito Internacional, sujeitando-os, assim, a penas de prisão, por terem cometidos crimes internacionais. Esta é ainda- sempre o tem sido- uma responsabilidade individual, que recai sobre as pessoas que, em cada momento, tenham comportamentos criminalmente depreciados, avultando a pessoa humana como sujeito passivo – e não já activo- do Direito Internacional. É certo que o Direito Penal Interno vai sendo cada vez mais permeável à responsabilidade penal das pessoas colectivas. Mas também é seguro que essa responsabilidade ainda não atingiu o patamar de um Direito Internacional Penal. A afirmação da responsabilidade penal internacional, assim definida, não tem sido, contudo, um movimento paulatino, nem sequer uma seqüência regular no contexto das mudanças que foram ocorrendo no Direito Internacional. Curioso é verificar que o desenvolvimento desta responsabilidade penal internacional está indelevelmente associado ao aparecimento, em diversos momentos, de estruturas judiciais de julgamento dos crimes internacionais, para além do reconhecimento que se lhes tem feito no plano do Direito Penal aplicado pelos Estados. 11

11 GOUVEIA, Jorge Bacelar. Manual de Direito Internacional Público.1ed. Rio de Janeiro. Renovar: 2005.

- 33 - 8 – GOVERNO VERSUS ESTADO

Ponto de partida para a resolução das discussões mais controvertidas presentes no litígio em tela, faz-se mister distinguir, de forma definitiva, governo e Estado.

Tradicionalmente, tem-se o conceito de Estado como sendo composto por três elementos - povo, território, soberania-, que Dalmo de Abreu Dallari resume com maestria, definindo Estado como: “a ordem jurídica soberana

que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território.”12

O professor vai adiante, para enunciar seu entendimento de governo: “A organização das instituições que atuam o poder soberano do Estado e as relações entre aquelas instituições fornecem a caracterização das formas de governo.”13

Diferenciam-se, conseqüentemente, pela objetividade que permeia o Estado – atendidos os requisitos postos, apresenta-se a figura intocável - e pela subjetividade inerente ao governo, sempre relacionado às pessoas que dirigem a política de determinada organização soberana.

Paulo Bonavides arremata com perfeição, exprimindo a idéia de diferenciação do Estado daqueles que o dirigem, que o governam:

Jean-Yves Calvez, inspirado em Burdeau e após comentar-lhe a concepção de Estado, conclui: “O Estado é a generalização da sujeição do poder ao direito: por uma certa despersonalização”. Desenvolvendo as idéias de Burdeau, intenta então demonstrar que o Estado só existirá onde for concebido como um poder independente da pessoa

dos governantes.14 (Grifou-se)

12 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 22 ed. São Paulo. Saraiva: 2001.

13 Id ibidem.

14 CALVEZ, Jean-Yves apud BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10 ed. São Paulo. Malheiros: 1997.

- 34- 9 – DO PRINCÍPIO NE BIS IN IDEM

Em 25 de maio de 1993, o Conselho de Segurança estabeleceu, através de sua Resolução 827, o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (doravante TPII), incumbido de processar e julgar os responsáveis pelos supostos atos genocidas ocorridos no território balcânico a partir de 1991. Desde a instalação do TPII, 161 pessoas já foram indiciadas, acusadas de cometimento de sérias violações dos direitos humanos no território da antiga Iugoslávia. Destes, 94 casos foram completados, tendo 46 pessoas sido consideradas como culpadas.

Muito se discutiu quando da criação do Tribunal acerca da possível violação do Direito Penal, ne bis in idem, segundo o qual ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo caso. Damásio E. de Jesus explica que a norma básica possui duplo significado: "(...) primeiro, penal material: ninguém pode sofrer duas penas em face do mesmo crime; segundo, processual: ninguém pode ser processado e julgado duas vezes pelo mesmo fato.”15

Faz-se, por conseguinte, referência a três elementos essenciais para que se configure violação à regra mencionada; devem coincidir os elementos do crime: sujeito ativo, sujeito passivo e tipo penal. No caso em epígrafe, os fatos aludidos são os mesmos; há, no entanto, distinções entre as pessoas envolvidas.

Os casos que se desenrolam perante o TPII têm como acusados membros e agentes do governo sérvio-montenegrino e como vítimas os indivíduos pacientes dos crimes. As acusações apresentadas baseiam-se em fortes indícios de graves violações das Convenções de Genebra de 1949, de genocídio, de crimes contra a humanidade e de violações das leis ou costumes de guerra.

A CIJ, como anteriormente explicitado, tem como partes os Estados de Sérvia e Montenegro e Bósnia-Hezergovina, que baseiam seus pleitos nos preceitos da Convenção de 1948.

A simples observação dos elementos confirmadores do princípio, ou melhor, a comprovação de não estar implementada a condição de identidade dos quesitos aludidos sepulta a tese segundo a qual constitui ilegalidade prima

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facie a acusação e o julgamento de Estados e governos, ainda que por pretores

- 36 - 10 – CONCLUSÃO

Reitere-se, a princípio, que o atual exame foi construído baseado nas informações cedidas pelos Estados envolvidos. Não se pode atestar com precisão o resultado que a CIJ dará ao caso; é, entretanto, plenamente possível, conjeturar, apresentar, na expressão anglo-saxônica, um palpite bem-informado.16

Entende-se, ex positis, serem Bósnia-Hezergovina e Sérvia e Montenegro sucessores legítimos e diretos da antiga Iugoslávia; como herdeiros, assumem, então, direitos e deveres adotados pelo país de cujus. Além de adimplidos os requisitos históricos, foram as partes envolvidas reconhecidas como Estados à luz do Direito Internacional e frente à ONU, corpo de maior expressividade no cenário internacional.

As recentes mudanças na geopolítica da região, decorrentes da cisão do Estado sérvio-montenegrino levaram a questionamentos quanto ao futuro do processo perante a CIJ; indaga-se qual dos novos Estados surgidos teria legitimidade para continuar como litigante.

Acredita-se que os magistrados devem proceder como o fizeram no caso Ahmadou Sadio Diallo, envolvendo a República da Guiné e a República Democrática do Congo. Esta última é, apesar das profundas mudanças sofridas por seu governo e seu povo, descendente do antigo Zaire e assumiu todos os encargos judiciais em que seu antecessor estava envolvido.

Como os Estados de Sérvia e Montenegro representam meros desmembramentos do Estado anterior, entende-se que a acusação pode seguir contra ambos, assim como aos dois deve ser garantido o contraditório.

Não sobejam dúvidas, conseqüentemente, quanto às obrigações referentes à Convenção de 1948, à qual ambas as partes sucederam. Era, por conseguinte, seu dever adequar sua legislação interna para tornar efetivas as prescrições do referido diploma legal, prevenindo, assim, o cometimento dos crimes de genocídio. Ademais, deveriam os responsáveis por eventuais crimes cometidos serem julgados sob a forma e nos rigores adequados.

Resta, também, corroborada a jurisdição e competência da CIJ para a resolução do conflito.

- 37 - Esposa-se, consoante a mais balizada doutrina administrativista, a teoria objetiva, quimera que pressupõe a culpa estatal, desde que provado o liame causal entre a conduta do agente administrativo e o resultado maligno infligido a terceiro. Entende-se, por todo o exposto, que o Estado sérvio- montenegrino é objetivamente responsável pelos atos comprovadamente praticados por seus agentes, independente de provado o dolo que os movia, devendo, portanto, reparar o mal causado à Bósnia-Hezergovina.

As sanções a serem aplicadas não necessariamente o devem ser com vistas ao atendimento do caráter patrimonial dos danos causados; acredita- se que, em decidindo a CIJ pela procedência do pedido vestibular, condenará Sérvia e Montenegro a medidas repressivas de cunho moral, a serem somadas a sanções patrimoniais, ainda que menos gravosas do que as inicialmente demandadas.

- 38 - 11- BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

a) Documentos oficiais

Carta da Organização das Nações Unidas. Estatuto da Corte Internacional de Justiça.

Convenção Para a Prevenção e da Repressão do Crime de Genocídio.

Convenção de Viena sobre Sucessão de Estados a Respeito de Tratados.

Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Resolução nº. 757 do Conselho de Segurança da ONU. Resolução nº. 780 do Conselho de Segurança da ONU. Resolução nº. 808 do Conselho de Segurança da ONU. Resolução nº. 827 do Conselho de Segurança da ONU.

Resolução nº. 1992/s-11 da Comissão de Direitos Humanos da ONU.

Estatuto do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia.

b) Documentos submetidos pelas partes à apreciação da Corte Internacional de Justiça

Petição inicial submetida por Bósnia-Hezergovina. Contestação submetida por Sérvia e Montenegro. Memoriais submetidos por Bósnia-Hezergovina. Memoriais submetidos por Sérvia e Montenegro.

Sustentações orais (transcritas) realizadas por agentes e advogados bósnios entre os dias 27 de fevereiro e 9 de maio de 2006, na sede da CIJ, na Haia, Holanda.

Sustentações orais (transcritas) realizadas por agentes e advogados sérvios entre os dias 27 de fevereiro e 9 de maio de 2006, na sede da CIJ, na Haia, Holanda.

- 39 - c) Livros e artigos

ARON, Raymond. Paz e guerra entre as nações. 2 ed. Brasília. IPRI: 2002.

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10 ed. São Paulo. Malheiros: 1997.

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GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal - Parte Gera”. 5 ed. Rio de Janeiro. Impetus: 2005.

JESUS, Damásio E. Direito Penal – Parte Geral. 25 ed. São Paulo. Saraiva: 2002.

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- 40 -

MERCIER, Michèle. Crimes Without Punishment – Humanitarian Action in Former Yugoslavia. Pluto Press: 1995.

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to International Accountability – The Search for Justice in a World of States. United Nations University: 2004.

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12- ANEXO I – MAPA DA REGIÃO

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