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Repositório Institucional UFC: A responsabilidade do estado sérvio-montenegrino por crimes de genocídio perpetrados por seus agentes e governantes

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

ANA LUISA DEMORAES CAMPOS

A RESPONSABILIDADE DO ESTADO SÉRVIO-MONTENEGRINO POR CRIMES DE GENOCÍDIO PERPETRADOS POR SEUS AGENTES E GOVERNANTES

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ANA LUISA DEMORAES CAMPOS

A RESPONSABILIDADE DO ESTADO SÉRVIO-MONTENEGRINO POR CRIMES DE GENOCÍDIO PERPETRADOS POR SEUS AGENTES E GOVERNANTES

Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Bacharelado em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito para a obtenção do grau de Bacharela em Direito.

Professor orientador: William Paiva Marques Júnior

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Campos, Ana Luisa Demoraes

A responsabilidade do Estado sérvio-montenegrino por crimes de genocídio perpetrados por seus agentes e

governantes/Ana Luisa Demoraes Campos – Fortaleza, 2006.

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ANA LUISA DEMORAES CAMPOS

A RESPONSABILIDADE DO ESTADO SÉRVIO-MONTENEGRINO POR CRIMES DE GENOCÍDIO PERPETRADOS POR SEUS AGENTES E GOVERNANTES

Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Bacharelado em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito para a obtenção do grau de Bacharela em Direito.

Aprovada em ___/___/_____

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________ Prof. William Paiva Marques Júnior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará – UFC _____________________________________

Prof. Eduardo de Castro Bezerra Neto Universidade Estadual do Ceará – UECE _____________________________________

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Henry e Wanda Campos, pela confiança e apoio incondicionais. Aos avós, pela torcida.

Às tias, pelo incentivo. Aos primos, pela amizade.

Aos amigos, antigos e recentes, por completarem a família.

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“A quem você chama mau? Àquele que deseja sub-rogar a todo tempo”

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RESUMO

Estuda a possibilidade, através de análise de caso envolvendo Bósnia-Hezergovina e Sérvia e Montenegro, atualmente na pauta de julgamentos da Corte Internacional de Justiça, de um Estado ser responsabilizado por atos criminosos perpetrados por seus agentes. Retoma a definição de genocídio, delimita seus sujeitos ativo e passivo, bem como os tipos penais que o compõem.

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ABSTRACTS

Analyzes the possibility, through the thorough study of the case involving Bosnia-Hezergovina and Serbia & Montenegro, currently on the docket of the International Court of Justice, of a State being held accountable for criminals acts perpetrated by its agents. States the definition of genocide, appointing its active and passive subjects and the conducts which constitute it.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

2 BREVE RESUMO DO CONFLITO BALCÂNICO ... 13

2.1 História e geografia da região ... 13

2.2 História do conflito ... 14

2.3 A guerra política e o conflito bélico ... 15

2.4 Resultados desastrosos ... 17

2.5 Ações Posteriores ... 17

3 BREVE HISTÓRICO DOS PROCEDIMENTOS PERANTE A CIJ ... 19

4 DA SUCESSÃO ESTATAL NO CENÁRIO INTERNACIONAL ... 21

5 DA JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA DA CIJ ... 23

6 DA CONVENÇÃO DE 1948 ... 25

6.1 Do sujeito ativo ... 26

6.2 Dos tipos penais ... 27

6.3 Do sujeito passivo ... 29

7 DA RESPONSABILIDADE ESTATAL ... 30

7.1 A teoria do risco administrativo ... 30

8 GOVERNO VERSUS ESTADO ... 33

9 DO PRINCÍPIO NE BIS IN IDEM ... 34

10 CONCLUSÃO ... 36

11 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ... 38

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-1 INTRODUÇÃO

O genocídio é, desde que foram descobertos os horrores da Segunda Guerra Mundial, verdadeiro pesadelo para a humanidade. Considerado crime contra a humanidade, seja em tempo de guerra, seja em tempo de paz, é um dos delitos com os quais a preocupação em prevenir e combater é manifestada pela comunidade internacional como um todo.

Foi por essas razões que, durante a década de 1990, quando a mídia passou a noticiar fortes suspeitas de que atos de genocídio estavam sendo cometidos nos Bálcãs, o mundo tremeu.

A região Balcânica, berço da antiga Iugoslávia, é considerada estratégica, por formar uma ligação entre os mares Negro e Adriático; é, há muito, cobiçada.

Os Bálcãs são freqüentemente referidos como barril de pólvora europeu, uma vez que conflitos atinentes à região são comuns, datando de mais de seiscentos anos atrás. Foi, contudo, o advento da Primeira Guerra Mundial que levantou o denso véu balcânico, mostrando ao mundo os sangrentos confrontos envolvendo, por exemplo, o antigo Império Austro-Húngaro, a Alemanha, a Rússia e a Sérvia. O conflito em referência se passou durante a insurreição bósnia.

Sucintamente, a presente pesquisa é justificada por suas implicações quanto ao exame e à definição da extensão da responsabilidade estatal por atos governamentais.

Ademais, acredita-se ser o estudo de tal caso importante por representar expressiva mudança nas funções da Corte Internacional de Justiça (doravante denominada neste trabalho pela sigla: CIJ), anteriormente relacionadas a discussões fronteiriças e marítimas.

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-julgar a presente querela? b) Há diferenças entre o Estado e aqueles que o representam? c)Pode o Estado ser tido como responsável por crimes cometidos por seus agentes?

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-2 – BREVE RESUMO DO CONFLITO

2.1 - História e geografia da região

Toma força a teoria de que a falência da Iugoslávia é devida à falta de uma identidade nacional. Não se sabe ao certo a razão pela qual, quiçá pelo desejo comum do fim da dominação estrangeira, ou ainda se por imposição do Tratado de Versalhes, povos tão distintos - sérvios, croatas, eslovenos, bósnios e macedônios – combinaram suas seis repúblicas e duas províncias, Kosovo e Vojvodina, para a formação de uma grande federação, a República Federal Socialista da Iugoslávia.

Fatores determinantes para os conflitos na região são a disparidade econômica entre as repúblicas, o choque cultural – especialmente quanto à diversidade de línguas – e a questão religiosa.

Das seis repúblicas que formavam a Iugoslávia, Eslovênia e Croácia eram, por razões históricas e geográficas, mais ricas e mais ligadas ao mundo ocidental, isto é, capitalista. Além disso, predominava entre seus povos a religião católica romana, em contraste com a maioria cristã ortodoxa e com minorias muçulmanas que habitavam Montenegro (religiões cristã ortodoxa e islâmica), Sérvia (religiões sérvia ortodoxa, católica romana, protestante e islâmica) e Macedônia (religiões macedônica ortodoxa e islâmica), mais pobres que os Estados do norte e intimamente ligados à tradição eslava. Já a província de Kosovo tinha formação étnica distribuída entre sérvios e albaneses, sobressaindo-se o cristianismo ortodoxo como religião predominante.

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-Ademais, aproximadamente 40% da população bósnia era composta por bosníacos, ou seja, eslavos convertidos ao islamismo durante a invasão turca. Estavam, porém, presentes expressivos grupos sérvios ortodoxos (31%) e croatas católicos (15%).

2.2 - História do conflito

Os desgastes internos à Iugoslávia e sua deterioração se intensificaram depois da morte do Marechal Josip Broz Tito, verdadeiro herói local que conseguira construir forte e relativamente calmo Estado que sobreviveu à Guerra Fria. Some-se a isso o enfraquecimento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e tem-se a antecipação da derrota do socialismo e o sepultamento da Iugoslávia.

Foi nesse quadro de tensões políticas, disputas de poder e acirrados discursos nacionalistas locais que, em 1987, Slobodan Milosevic ascendeu ao poder. Sua ambição era repetir o sucesso de Tito e governar toda a Iugoslávia; foi, no entanto, impossibilitado pela falta de legitimidade de seu governo e pela antipatia causada por seu discurso nacionalista extremado.

Ainda buscando tal objetivo, Milosevic lançou, em 1989, o projeto de construção, ou melhor, de unificação do Estado que chamou Grande Sérvia. Em 1990, como parte do plano, as províncias de Kosovo e Vojvodina foram despidas de suas autonomia, o que, nesta, foi aceito sem maiores debates. Em Kosovo, porém, região de maioria albanesa, tais medidas foram contestadas, contando com apoio contínuo da Eslovênia, mesmo após a imposição a esta de severo bloqueio econômico por parte da Sérvia.

Inconformada com o rumo tomado pela sucessão do Estado iugoslavo, a Eslovênia realizou, em dezembro de 1990, referendum acerca de tal

processo, tendo a maioria de sua população optado pela independência.

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-O passo seguinte foi a separação da Bósnia-Hezergovina. Depois de conturbadas eleições, um governo composto pela coalizão de três partidos baseados em etnias - sérvios, croatas e muçulmanos –, liderado por Alija Izetbegovic galgou ao poder. Houve, então, imediatas ameaças de que o Partido Democrata Sérvio declararia independência de campos sérvios supostamente autônomos dentro da Bósnia.

No ano seguinte, em 1992, realizou-se um referendum na Bósnia,

em que 63,4% da população compareceram às urnas, tendo 63% pugnado pela independência do Estado. Foi oficialmente declarada, em 6 de março de 1992, a independência da Bósnia-Hezergovina.

O sangrento conflito analisado iniciou-se após o reconhecimento internacional desta condição, em 7 de abril de 1992.

2.3 - A guerra política e o conflito bélico

O parlamento bósnio quis, assim que reconhecida a independência, oficializar a criação do Estado, chamado República Sérvia de Bósnia-Hezergovina, ou Republika Srpska, com base nos arredores de Sarajevo,

na estação de esqui de Pale.

Contudo, milícias sérvias em parceria com o antigo Exército Popular da Iugoslávia (doravante chamado YPA) agiram militarmente para tentar construir corredores de ligação entre as áreas de dominação sérvia, por eles consideradas autônomas e independentes.

Situação inusitada então ocorreu: dois Presidentes eram reconhecidos como tal: Radovan Karadzic, pela República Bósnia Sérvia, e Izetbegovic, pela República da Bósnia-Hezergovina.

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-considerados inimigos. Meses depois da data-limite, apenas 150 soldados, aproximadamente, mudaram de lado.

Criou-se, na ocasião, a Armija Bosne i Hercegovine, declarada

único corpo de defesa oficial do Estado bósnio. O sucesso de tal exército dependia, no entanto, de mais do que sua simples criação. A formação de seu contingente, composto especialmente de pessoas que não detinham educação formal ou que possuíam algum passado criminal, contribuiu para a ilegalidade da guerra, caracterizada especialmente por gritantes violações dos direitos humanos.

A Organização das Nações Unidas reconheceu, em 22 de maio, Bósnia-Hezergovina como seu 177º membro, reconhecendo, portanto, a guerra em que estava mergulhada como conflito internacional.

A ONU, porém, não suspendeu o embargo de armas contra seu mais novo membro para que lhe fosse propiciada auto-defesa. Ao contrário, foi aprovada pelo Conselho de Segurança a Resolução 757, que intensificava tais medidas restritivas. Foi notável o esforço da Resolução em obrigar ambas as partes a criar condições para que provisões básicas chegassem às mãos da população civil de Sarajevo. Apesar de a Resolução ter sido reconhecida pelos beligerantes, sua implementação não foi possível por causa de incessantes ações por parte do governo sérvio.

Começou-se, portanto, a questionar a capacidade de organizações internacionais (ou seus membros) em fazer cumprir suas resoluções através de outros meios que não os militares. Testou-se, ainda, sua resistência perante a pressão exercida pela mídia e embalada pelas campanhas natalinas de sensibilização da sociedade civil.

Finalmente, em 11 de junho, Forças de Paz da ONU –

UNOPROFOR II – e alguns observadores croatas desembarcaram na Bósnia para inspecionar e relatar as condições de vida da população. Uma vez superada a euforia dessa intervenção, e percebendo que tais Forças somente estavam presentes para garantir acesso à alimentação, os civis enfureceram-se, passando alguns blue helmets (capacetes azuis, como são chamados os soldados das

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-Deve, entretanto, ser destacada a importante participação da ONU na ocupação da área urbana de Sarajevo, impedindo, assim, sua divisão, que os sérvios intentavam.

2.4 - Resultados desastrosos

Todas as partes envolvidas no conflito, sem exceção, cometeram atentados aos direitos humanos. Um funcionário do Alto Comissariado da ONU

para Refugiados assim resumiu a situação balcânica: “os sérvios são assassinos

em massa, os croatas são homicidas e os muçulmanos são matadores”.1

E, assim como em todo conflito armado, a população civil foi quem mais sofreu. Os refugiados bósnios somavam mais de 800.000, ou um quinto da população da região. Sucederam-se também diversos incidentes diplomáticos, uma vez que a Europa, economicamente dependente do turismo, não estava disposta a abrir suas portas para refugiados e sobreviventes de guerra.

2.5 - Ações posteriores

Depois da pressão exercida pela mídia para que as Forças de Paz entrassem em ação nos Bálcãs, e uma vez que essas tomaram medidas efetivas para amenizar a situação da população civil, a Comissão de Direitos Humanos da ONU reuniu-se, em 14 de agosto de 1992, em sessão extraordinária e adotou a Resolução 1992/S-1/1, em que designou um rapporteur spécial para

investigar a situação dos direitos humanos no território iugoslavo e, em especial, na Bósnia-Hezergovina. O relatório posteriormente apresentado indicava as atrocidades cometidas e conclamava à persecução criminal dos culpados.

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-Em 6 de outubro de 1992, o Conselho de Segurança aprovou a Resolução 780, criando uma Comissão de Expertos imparciais para examinar as evidências de cometimento de crimes na região. Tal Comissão concluiu que a prática da limpeza étnica foi levada a cabo, e que esta constituía crime contra a humanidade. Em 22 de fevereiro de 1993, o Conselho adotou, por unanimidade, a Resolução 808, frisando a intenção de criar uma corte penal internacional para processar e julgar os responsáveis pela barbárie balcânica. O Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia foi criado em maio de 1993.

Em 1994, foi assinado um cessar-fogo entre as partes, e em 1º de Novembro de 1995 foram iniciadas em Dayton, nos Estados Unidos, as negociações de paz. Tais reuniões foram objeto de repulsa popular, já que a população não se conformava em seguir determinações oriundas de negociações levadas a cabo por aqueles que consideravam criminosos e mal-feitores.

A assinatura do tratado de paz se deu em 21 de Novembro de 1995. A República da Bósnia-Hezergovina foi dividida em duas: a Federação da Bósnia-Hezergovina, composta de 51% do território do país, de maioria croata-muçulmana, e a Republika Srpska, bósnia-sérvia, que controlava 49 % do

território.

Os Acordos de Dayton foram bem implementados e trouxeram relativa calma à região. A falta de legitimidade de suas disposições, a desconfiança dentro da coalizão e a desilusão com o governo moderado bósnio, todavia, ofuscam os resultados do acordo e demonstram que a tensão na área não cessou.

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-3 - BREVE HISTÓRICO DOS PROCEDIMENTOS PERANTE A CIJ

Em 20 de março de 1993, a Bósnia-Hezergovina apresentou petição inicial à CIJ, em que acusava o Exército Popular da Iugoslávia, bem como o exército e organizações paramilitares sérvias de violações da Convenção de 1948, da Declaração Universal de Direitos Humanos e da Carta da ONU. Denunciava os membros das citadas organizações como culpados por mortes, assassinatos, ferimentos, estupros, roubos, torturas, seqüestros, aprisionamentos e extermínio de bósnios e demandava, através de medidas provisionais, a imediata cessação de tais atos e reparações por sua prática.

No mesmo dia em que formulou o pedido por essas medidas, a Bósnia-Hezergovina impetrou aplicação contra a Iugoslávia, exigindo que esta

“cesse (...) todos os atos genocidas cometidos contra o povo e o Estado de

Bósnia-Hezergovina e deles desista”. 2

Semanas depois, em 1º de abril de 1993, foi a Iugoslávia que impetrou pedido de medidas provisionais, requerendo à Corte que ordenasse um cessar-fogo, que pusesse fim à discriminação por razões de etnia e/ou religião, que determinasse o fechamento prisões bósnias onde sérvios estivessem detidos, que impedisse a destruição de locais sagrados e de oração, que pusesse termo à prática de limpeza étnica e que garantisse a saída segura de seus cidadãos de cidades bósnias.

Em abril de 1993, a Corte, baseando sua jurisdição no artigo 9º da Convenção de 1948, ordenou medidas para que ambas as partes não tomassem nenhuma ação que pudesse agravar ou estender a situação e para que

a Iugoslávia “tome imediatas medidas que estejam em seu poder para prevenir o cometimento de crime de genocídio”. 3

Bósnia-Hezergovina, inconformada com supostos planejamento e intenção por parte da Iugoslávia em violar as medidas de proteção, e frente a

2 Petição contendo pedido de medidas provisionais, impetrada por Sérvia e Montenegro em 8 de abril de 1993.

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-contínuos ataques, impetrou mais um pedido de antecipação dos efeitos da tutela. A resposta iugoslava se deu em requerimento semelhante, para que a Bósnia-Hezergovina tomasse todas as medidas necessárias para deter e impedir a prática de genocídio.

Através de uma Ordem – julgado comparável ao despacho de mero expediente, do Direito brasileiro –, a Corte reafirmou a posição anteriormente exposta, acrescentando que tais disposições deveriam ser colocadas em prática imediatamente. Prosseguiu, estabelecendo as datas para entrega dos memoriais, no que atendeu a autora, Bósnia-Hezergovina.

Quatro dias antes do prazo final, entretanto, a Iugoslávia apresentou objeções preliminares relativas à aplicação da Convenção de 1948 e à Competência da Corte.

Suspensa a discussão do mérito, a Corte descartou as preliminares em 11 de junho de 1996 e marcou nova data para entrega do memorial iugoslavo.

Neste documento, a Iugoslávia formulou uma reconvenção, acusando a Bósnia-Hezergovina de genocídio. O pedido de reconvenção foi aceito pela Corte e réplica e tréplica foram interpostas.

Mais recentemente, em 20 de abril de 2001, a Iugoslávia retirou o pedido de reconvenção, tendo constado dos registros da Corte em 10 de setembro de 2001.

No período entre 27 de fevereiro e 9 de maio do corrente ano, autor e réu inquiriram suas testemunhas, apresentaram as conclusões de seus peritos e especialistas e encerraram suas sustentações orais.

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-4 - DA SUCESSÃO ESTATAL NO CENÁRIO INTERNACIONAL

Apesar de o Estado ser considerado ente estável e soberano, não se pode afirmar que ele é inabalável, imutável. Podem acontecer mudanças tão drásticas e tão radicais em suas estruturas que sua própria existência fique comprometida. A esse fenômeno chama-se sucessão de Estados.

Celso Albuquerque D. de Mello (2004), eminente internacionalista pátrio, define a sucessão de Estados como a série de mudanças e transformações que atingem sua personalidade jurídica internacional.

Citando a valiosa lição de Aguilar Navarro, continua Celso Albuquerque para caracterizar a sucessão de Estados como sendo o instituto que

tem como finalidade: “(...)evitar um corte entre “a situação jurídica do sucedido e a

que se cria posteriormente como conseqüência de sua transformação jurídica

(Aguilar Navarro)”.”4

Ainda que a matéria seja interpretada de forma relativamente uniforme por parte da doutrina, há relativa dificuldade em codificar o assunto. Em 1978, normatizou-se, com relativo êxito, a situação, através da Convenção de

Viena sobre Sucessão de Estados a respeito de Tratados. Esta dispõe que: “a

sucessão de Estados significa a substituição de um Estado por outro no tocante à

responsabilidade pelas relações internacionais do território.”

Infere-se da regra acima transcrita que é necessário que o novo membro da comunidade internacional demonstre a intenção de suceder, isto é, de avocar as obrigações assumidas pelo organismo primeiro.

Exige-se, ainda, que o Estado nascente seja reconhecido pela comunidade internacional; a prova desse recebimento é, em geral, a aceitação do Estado, nos termos do inciso II do artigo 4º da Carta de São Francisco, pela Assembléia da ONU como membro da organização.

Depreende-se da história que Bósnia-Hezergovina e Sérvia e Montenegro se autodenominam Estados sucessores da antiga Iugoslávia. A Bósnia-Hezergovina foi, em maio de 1992, reconhecido como novo membro da

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Organização e, portanto, como novo Estado. Já Sérvia e Montenegro assumiu, em todos os aspectos, o lugar iugoslavo.

Nas contra-razões que apresentou, Sérvia e Montenegro afirmava não reconhecer o outro litigante como parte habilitada da Convenção de 1948 ou, sequer, como sujeito dotado de capacidade postulatória internacional ao tempo do pedido. A Corte, porém, dirimiu tal dúvida ao afirmar que, após a assinatura dos Acordos de Dayton, tal assertiva não podia ser considerada como verdadeira.

Ademais, entende-se que, ao postular perante a CIJ para contestar a querela, Sérvia e Montenegro reconheceu a Bósnia-Hezergovina como parte legítima para comparecer perante o tribunal.

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-5 – DA JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA DA CIJ

Os magistrados da Corte Internacional de Justiça estão, a presente, deliberando sobre o caso. A primeira questão com a qual se defrontam é a referente a sua jurisdição e sua competência para julgá-lo.

A CIJ possui duas formas de expressar suas opiniões: a emissão de pareceres consultivos e a resolução de disputas. Ressalte-se que a jurisdição do órgão é voluntária, ou seja, cabe aos atores internacionais escolherem-na e reconhecerem-na como competente pacificadora jurídica.

Tal consenso pode se expressar de forma tácita ou expressa, e anteriormente ou durante o curso do processo frente à CIJ.

O consenso ante hoc se exprime pela inclusão de uma cláusula

em um tratado, em que as partes elegem a Corte como foro competente para a resolução de conflitos. O consenso ad hoc é expresso por um acordo especial, o compromis, quando ambas as partes reconhecem a existência do conflito e

decidem levá-lo à Corte Mundial.

A aceitação de jurisdição também pode ser realizada de modo informal e implícito, podendo ser inferida de uma sucessão de atos realizados pelas partes depois que o caso está em consideração.

Pode, ainda, se dar por meio de uma cláusula opcional, segundo a qual um Estado pode, a qualquer tempo, reconhecer a jurisdição da Corte e submeter o caso à sua apreciação.

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-A solução de litígios envolve Estados, únicos sujeitos munidos de capacidade litigante diante da CIJ, que optam por submeter sua disputa à Corte para uma definição, esta sim, vinculante.

Em seus julgados, a Corte deve empregar o Direito Internacional, extraindo-o de fontes, como as exemplificadas no artigo 38 do Estatuto da CIJ, seja através do uso da eqüidade, caso em que as partes devem expressar prévia concordância.

Apesar de os membros da CIJ não terem se pronunciado de forma definitiva sobre o assunto, acredita-se que, tendo o órgão reafirmado, em diversos momentos, a jurisdição em todas as suas nuances – ratione temporis, ratione persona e ratione materiae -, tal assunto deve ser tido como pacífico e não

será, nesta pesquisa, alvo de delongada análise.

Não há nada na Convenção de 1948 que delimite o escopo temporal - ratione temporis - de sua aplicação. Além disso, não houve qualquer

reserva nesse sentido por parte dos Estados signatários do tratado; tem-se, então, jurisdição plena, nesse sentido.

Entende-se ser a jurisdição ratione persona plena, uma vez que

as partes são Estados sucessores de pleno direito da República Federal Socialista da Iugoslávia, signatária da Convenção de 1948.

Finalmente, quanto à matéria, ratione materiae, o artigo 9º da

Convenção de 1948 não deixa dúvidas ao dispor, in verbis:

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-6 – DA CONVENÇÃO DE 1948

A Segunda Guerra Mundial desnudou as tragédias do Holocausto, verdadeiro genocídio cometido pelas forças nazistas alemãs contra os judeus. Desde então, revela-se crescente a preocupação em prevenir atos de tal sorte e em punir os responsáveis por esses crimes.

Foi nesse contexto que, em 1948, foi elaborada a Convenção para a Prevenção e da Repressão do Crime de Genocídio. Assinada por 135 (cento e trinta e cinco) Estados, é o documento mais expressivo acerca do tema, conceituando de forma definitiva os tipos penais que caracterizam o genocídio e crimes a ele relacionados.

Rogério Greco analisa o conceito de crime sob três vertentes: o ponto de vista formal, material e analítico, dispondo, in verbis:

Sob o aspecto formal, crime seria toda conduta que atentasse, que colidisse frontalmente com a lei penal editada pelo Estado. Considerando-se o seu aspecto material, conceituamos o crime como aquela conduta que viola os bens jurídicos mais importantes. Na verdade, os conceitos material e formal não traduzem com precisão o que seja crime. Se há uma lei penal editada pelo Estado, proibindo determinada conduta e o agente a viola, se ausente qualquer causa de exclusão de ilicitude ou dirimente de culpabilidade, haverá crime. Já o conceito material sobreleva a importância do princípio da intervenção mínima quando aduz que somente haverá crime quando a conduta do agente atentar contra os bens mais importantes. Contudo, mesmo sendo importante e necessário o bem para a manutenção e subsistência da sociedade, se não houver uma lei penal protegendo-o, por mais relevante que seja, não haverá crime se o agente vier a atacá-lo, em face do princípio da legalidade . Como se percebe, os conceitos formal e material não traduzem o crime com precisão, pois que não conseguem defini-lo. Surge, assim, outro conceito, chamado analítico, porque realmente analisa as características ou elementos que compõem a infração penal. (...) Alguns autores, a exemplo de Assis Toledo e Luiz Regis Prado, aduzem que o crime é composto pela ação típica, ilícita e culpável.5

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- 26 - Para a correta conceituação de um crime, devem estar explícitos na lei penal: a) o sujeito ativo do crime, b) o sujeito passivo e c) o tipo, isto é, a exata explicação do que é proibido sob ameaça de sanção.

6.1 - Do sujeito ativo

A lei penal no referido caso é a própria Convenção de 1948, cuja definição jurídica está contida na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, que, em seu artigo 2º, define tratado,in verbis:

Art. 2º: OMISSIS;

I –OMISSIS;

a)Tratado designa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer esteja consignado num instrumento único, quer em dois ou mais instrumentos conexos, e qualquer que seja a sua denominação particular. b) a i) –OMISSIS;

II –OMISSIS. (Grifou-se)

Apesar de ser vislumbrada certa relativização do conceito acima exposto, especialmente nas últimas décadas, devido ao aumento no número de tratados concluídos por organizações internacionais, continuam os Estados a serem os maiores concluintes de tratados. Agreguem-se, além disso, ao depreendido do dispositivo trasladado os ensinamentos do eminente Julio Fabrinni Mirabete acerca da definição de sujeito ativo:

Sujeito ativo é aquele que pratica a conduta descrita na lei, ou seja, o fato típico. (...) O conceito abrange não só aquele que pratica o núcleo da figura típica (o que mata, o que subtrai etc.), como também o co-autor ou partícipe, que colaboraram de alguma forma na conduta típica.6 (Grifou-se)

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Conclui-se, portanto, que os entendimentos erigidos à categoria de norma por meio da Convenção de 1948 destinam-se direta e incontestavelmente aos Estados dela signatários.

6.2 Dos tipos penais

Consoante vaticina Rogério Greco, hodiernamente, a tipicidade penal é formada pela junção da tipicidade formal e da tipicidade conglobante:

Já tivemos oportunidade de salientar que o fato típico é composto pela conduta do agente, dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva; pelo resultado, bem como pelo nexo de causalidade entre aquela e este. Mas isso não basta. É preciso que a conduta também se amolde, subsuma-se a um modelo abstrato previsto na lei, que denominamos tipo. Tipicidade quer dizer, assim, a subsunção perfeita da conduta praticada pelo agente ao modelo abstrato previsto na lei penal, isto é, a um tipo penal incriminador (...) A adequação da conduta do agente ao modelo abstrato previsto na lei penal (tipo) faz surgir a tipicidade formal ou legal. Essa adequação deve ser perfeita, pois, caso contrário, o fato será considerado formalmente atípico (...) A tipicidade conglobante surge quando comprovado, no caso concreto, que a conduta praticada pelo agente é considerada antinormativa, isto é, contrária à norma penal, e não imposta ou fomentada por ela, bem como ofensiva a bens de relevo para o Direito Penal (tipicidade material).7

Os artigos 2º a 6º do pacto de 1948 discrimina a tipicidade das condutas referentes ao genocídio. prescrevendo, in verbis:

Artigo 2º - Na presente Convenção, entende-se por genocídio qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tais como: a) assassinato de membros do grupo; b) dano grave à integridade física ou mental de membros

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-do grupo; c) submissão intencional -do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial; d) medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) transferência forçada de menores do grupo para outro. (Grifou-se)

O excerto transcrito demonstra a necessidade de confirmação de dolo quando do cometimento de genocídio (artigo 2º), isto é, da intenção deliberada de aniquilar, ainda que parcialmente, determinado grupo por razões precisas. Logo, enquadra-se o crime de genocídio como pessoal e doloso.

Prossegue a Convenção de 1948, para determinar os crimes equiparados, em gravidade e punibilidade, genocídio, estabelecendo, in verbis:

Artigo 3º - Serão punidos os seguintes atos : a) o genocídio; b) o conluio para cometer o genocídio; c) a incitação direta e pública a cometer o genocídio; d) a tentativa de genocídio; e) a cumplicidade no genocídio.

Tendo em mente a austeridade e a periculosidade desses crimes, o pacto vai além, vedando a possibilidade de quaisquer vantagens que possam ser adquiridas por condições pessoais. O artigo 4º demonstra a verdadeira intenção de que os signatários punam todo e qualquer indivíduo responsável pelas barbaridades genocidas, ainda que estes pertençam a seu corpo funcional:

Artigo 4º - As pessoas que tiverem cometido o genocídio ou qualquer dos outros atos enumerados do artigo III serão, sejam governantes, funcionários ou particulares.

A agitação provocada pelo crime é tanta que a Convenção fixa, em seu artigo 5º, o compromisso dos signatários em adaptar sua legislação, em todos os níveis, para certificar o cumprimento das disposições pactuadas.

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a estabelecer sanções penais eficazes aplicáveis às pessoas culpadas de genocídio ou de qualquer dos outros atos enumerados no artigo III.

Há, não obstante, que se analisar a espécie de conduta descrita para cada crime, ou seja, deve-se distinguir entre aqueles que se concretizam através de ação direta do Estado ou de seus agentes e os que se efetivam quando estes ou aquele deixam de agir, ou melhor, quando se omitem, permitindo, assim, a perpetração dos crimes. Esta consideração deve ser feita no corpo do texto do dispositivo legal, analisando-se cada um das alíneas.

Transborda do artigo 2º a idéia de ação, vez que os núcleos de seus tipos são todos compostos por verbos de ação (assassinar, causar, submeter, impedir e transferir). Dos artigos 3º a 5º decorre a concepção de crime por omissão. As condutas neles descritas são recomendações; descumpri-las implica no adimplemento dos requisitos típicos e antijurídicos.

6.3 – Do sujeito passivo

Se o sujeito ativo é o responsável pelo cometimento do fato típico e antijurídico, é manifesto que o sujeito passivo é aquele contra quem a conduta é praticada; é, em termos mais simples, a vítima.

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-7 - DA RESPONSABILIDADE ESTATAL

A personalidade jurídica do Estado confirma seu caráter intangível. Sua vontade se concretiza tão-somente nas ações de seus agentes, cujas condutas são a ele imputáveis.

O Direito Administrativo, sujeito a constante evolução, consagra atualmente a teoria da responsabilidade objetiva do Estado. Segundo esta, o Estado pode ser responsabilizado por atos lícitos ou ilícitos cometidos por seus agentes, dispensada a prova de culpa. Desde que haja comprovação do liame causal entre o ato praticado e o prejuízo sofrido por terceiro, incide a idéia de reparação que permeia, de acordo com José dos Santos Carvalho Filho (2005), adiante citado, membro da mais balizada doutrina administrativista nacional, a noção de responsabilidade do Estado.

Marçal Justen conceitua a responsabilidade civil do Estado nos

seguintes termos: “consiste no dever de indenizar as perdas e danos materiais e morais sofridos por terceiros em virtude de ação ou omissão antijurídica imputável ao Estado.” 8

7.1 A teoria do risco administrativo

A doutrina consagra a teoria do risco administrativo como base para a responsabilidade objetiva do Estado. Continua o professor, dissertando sobre o tema:

Diante disso, passou-se a considerar que, por ser mais poderoso, o Estado teria que arcar com um risco natural decorrente de suas numerosas atividades: à maior quantidade de poderes haveria de corresponder um risco maior. Surge, então, a teoria do risco administrativo, como fundamento da responsabilidade objetiva do Estado.9

Entrevêem-se, portanto, duas nuances da responsabilidade estatal: a civil e a penal; esta diz respeito a atos criminosos perpetrados por

8 JUSTEN, Marçal. Curso de Direito Administrativo.1ed. São Paulo. Saraiva: 2005.

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-aqueles que compõem o Estado e aquela, aos danos e prejuízos, ainda que não patrimoniais, causados a terceiros.

A punição a ocorrências complexas evidencia, portanto, a possibilidade de que as sanções sejam aplicadas de forma cumulativa.

Diógenes Gasparini elenca os elementos que fazem parte da sistemática concernente à teoria do risco administrativo:

Dessa procura surge, sob a inspiração das decisões do Conselho de Estado Francês, a teoria da responsabilidade patrimonial sem culpa, também chamada de teoria da responsabilidade patrimonial objetiva, teoria do risco administrativo, ou simplesmente, teoria objetiva, que amplia a proteção do administrado. Por essa teoria, a obrigação de o Estado indenizar o dano surge, tão-só do ato lesivo de que ele, Estado, foi o causador. Não se exige a culpa do agente público, nem a culpa do serviço. É suficiente a pr ova da lesão e de que esta foi causada pelo Estado. A culpa é inferida no fato lesivo, ou, vale dizer, decorrente do risco que a atividade pública gera para os administrados. Esse rigor é suavizado mediante a prova, feita pela Administração Pública, de que a vítima concorreu, parcial ou totalmente, para o evento danoso, ou de que este não teve origem em um comportamento do Estado (foi causado por um particular). Essas circunstâncias, conforme o caso, liberam o Estado, total ou parcialmente, da responsabilidade de indenizar, como adiante se verá. Nessa permissão para o Estado provar que não foi o causador do dano ou que a culpa cabe à vítima está a diferença entre a teoria do risco integral e a teoria do risco administrativo, como ensinam alguns autores.10 (Grifou-se)

É, porém, física e logicamente impossível sancionar o Estado por meio de penas restritivas ou privativas de liberdade; o que ocorre é uma compensação pelos fatos ocorridos, posterior à aproximaç, por cálculo

matemático, do valor a que amonta o mal. Tem-se, por conseguinte, sanção penal sendo consignada na forma de reparação tipicamente cível.

Acerca do crescente reconhecimento da responsabilidade penal internacional como corolário garantidor dos ditames do Direito Internacional, dispõe Jorge Bacelar Gouveia:

Dentro de uma óptica de responsabilidade, a categoria mais severa para garantir o respeito pelo Direito Internacional é a da responsabilidade penal internacional. Trata-se de punir aqueles que tenham

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- 32 -

infringido os mais altos valores protegidos pelo Direito Internacional, sujeitando-os, assim, a penas de prisão, por terem cometidos crimes internacionais. Esta é ainda- sempre o tem sido- uma responsabilidade individual, que recai sobre as pessoas que, em cada momento, tenham comportamentos criminalmente depreciados, avultando a pessoa humana como sujeito passivo – e não já activo- do Direito Internacional. É certo que o Direito Penal Interno vai sendo cada vez mais permeável à responsabilidade penal das pessoas colectivas. Mas também é seguro que essa responsabilidade ainda não atingiu o patamar de um Direito Internacional Penal. A afirmação da responsabilidade penal internacional, assim definida, não tem sido, contudo, um movimento paulatino, nem sequer uma seqüência regular no contexto das mudanças que foram ocorrendo no Direito Internacional. Curioso é verificar que o desenvolvimento desta responsabilidade penal internacional está indelevelmente associado ao aparecimento, em diversos momentos, de estruturas judiciais de julgamento dos crimes internacionais, para além do reconhecimento que se lhes tem feito no plano do Direito Penal aplicado pelos Estados. 11

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-8 GOVERNO VERSUS ESTADO

Ponto de partida para a resolução das discussões mais controvertidas presentes no litígio em tela, faz-se mister distinguir, de forma definitiva, governo e Estado.

Tradicionalmente, tem-se o conceito de Estado como sendo composto por três elementos - povo, território, soberania-, que Dalmo de Abreu

Dallari resume com maestria, definindo Estado como: “a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território.”12

O professor vai adiante, para enunciar seu entendimento de governo: “A organização das instituições que atuam o poder soberano do Estado e

as relações entre aquelas instituições fornecem a caracterização das formas de

governo.”13

Diferenciam-se, conseqüentemente, pela objetividade que permeia o Estado – atendidos os requisitos postos, apresenta-se a figura intocável - e pela subjetividade inerente ao governo, sempre relacionado às pessoas que dirigem a política de determinada organização soberana.

Paulo Bonavides arremata com perfeição, exprimindo a idéia de diferenciação do Estado daqueles que o dirigem, que o governam:

Jean-Yves Calvez, inspirado em Burdeau e após comentar-lhe a concepção de Estado, conclui: “O

Estado é a generalização da sujeição do poder ao

direito: por uma certa despersonalização”.

Desenvolvendo as idéias de Burdeau, intenta então demonstrar que o Estado só existirá onde for concebido como um poder independente da pessoa dos governantes.14 (Grifou-se)

12 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 22 ed. São Paulo. Saraiva: 2001.

13 Id ibidem.

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-

34-9 DO PRINCÍPIO NE BIS IN IDEM

Em 25 de maio de 1993, o Conselho de Segurança estabeleceu, através de sua Resolução 827, o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (doravante TPII), incumbido de processar e julgar os responsáveis pelos supostos atos genocidas ocorridos no território balcânico a partir de 1991. Desde a instalação do TPII, 161 pessoas já foram indiciadas, acusadas de cometimento de sérias violações dos direitos humanos no território da antiga Iugoslávia. Destes, 94 casos foram completados, tendo 46 pessoas sido consideradas como culpadas.

Muito se discutiu quando da criação do Tribunal acerca da possível violação do Direito Penal, ne bis in idem, segundo o qual ninguém pode

ser punido duas vezes pelo mesmo caso. Damásio E. de Jesus explica que a norma básica possui duplo significado: "(...) primeiro, penal material: ninguém pode sofrer duas penas em face do mesmo crime; segundo, processual: ninguém

pode ser processado e julgado duas vezes pelo mesmo fato.”15

Faz-se, por conseguinte, referência a três elementos essenciais para que se configure violação à regra mencionada; devem coincidir os elementos do crime: sujeito ativo, sujeito passivo e tipo penal. No caso em epígrafe, os fatos aludidos são os mesmos; há, no entanto, distinções entre as pessoas envolvidas.

Os casos que se desenrolam perante o TPII têm como acusados membros e agentes do governo sérvio-montenegrino e como vítimas os indivíduos pacientes dos crimes. As acusações apresentadas baseiam-se em fortes indícios de graves violações das Convenções de Genebra de 1949, de genocídio, de crimes contra a humanidade e de violações das leis ou costumes de guerra.

A CIJ, como anteriormente explicitado, tem como partes os Estados de Sérvia e Montenegro e Bósnia-Hezergovina, que baseiam seus pleitos nos preceitos da Convenção de 1948.

A simples observação dos elementos confirmadores do princípio, ou melhor, a comprovação de não estar implementada a condição de identidade dos quesitos aludidos sepulta a tese segundo a qual constitui ilegalidade prima

(35)

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-facie a acusação e o julgamento de Estados e governos, ainda que por pretores

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-10 – CONCLUSÃO

Reitere-se, a princípio, que o atual exame foi construído baseado nas informações cedidas pelos Estados envolvidos. Não se pode atestar com precisão o resultado que a CIJ dará ao caso; é, entretanto, plenamente possível, conjeturar, apresentar, na expressão anglo-saxônica, um palpite bem-informado.16

Entende-se, ex positis, serem Bósnia-Hezergovina e Sérvia e

Montenegro sucessores legítimos e diretos da antiga Iugoslávia; como herdeiros, assumem, então, direitos e deveres adotados pelo país de cujus. Além de

adimplidos os requisitos históricos, foram as partes envolvidas reconhecidas como Estados à luz do Direito Internacional e frente à ONU, corpo de maior expressividade no cenário internacional.

As recentes mudanças na geopolítica da região, decorrentes da cisão do Estado sérvio-montenegrino levaram a questionamentos quanto ao futuro do processo perante a CIJ; indaga-se qual dos novos Estados surgidos teria legitimidade para continuar como litigante.

Acredita-se que os magistrados devem proceder como o fizeram no caso Ahmadou Sadio Diallo, envolvendo a República da Guiné e a República Democrática do Congo. Esta última é, apesar das profundas mudanças sofridas por seu governo e seu povo, descendente do antigo Zaire e assumiu todos os encargos judiciais em que seu antecessor estava envolvido.

Como os Estados de Sérvia e Montenegro representam meros desmembramentos do Estado anterior, entende-se que a acusação pode seguir contra ambos, assim como aos dois deve ser garantido o contraditório.

Não sobejam dúvidas, conseqüentemente, quanto às obrigações referentes à Convenção de 1948, à qual ambas as partes sucederam. Era, por conseguinte, seu dever adequar sua legislação interna para tornar efetivas as prescrições do referido diploma legal, prevenindo, assim, o cometimento dos crimes de genocídio. Ademais, deveriam os responsáveis por eventuais crimes cometidos serem julgados sob a forma e nos rigores adequados.

Resta, também, corroborada a jurisdição e competência da CIJ para a resolução do conflito.

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37 -Esposa-se, consoante a mais balizada doutrina administrativista, a teoria objetiva, quimera que pressupõe a culpa estatal, desde que provado o liame causal entre a conduta do agente administrativo e o resultado maligno infligido a terceiro. Entende-se, por todo o exposto, que o Estado sérvio-montenegrino é objetivamente responsável pelos atos comprovadamente praticados por seus agentes, independente de provado o dolo que os movia, devendo, portanto, reparar o mal causado à Bósnia-Hezergovina.

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-11- BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

a) Documentos oficiais

Carta da Organização das Nações Unidas. Estatuto da Corte Internacional de Justiça.

Convenção Para a Prevenção e da Repressão do Crime de Genocídio.

Convenção de Viena sobre Sucessão de Estados a Respeito de Tratados.

Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Resolução nº. 757 do Conselho de Segurança da ONU. Resolução nº. 780 do Conselho de Segurança da ONU. Resolução nº. 808 do Conselho de Segurança da ONU. Resolução nº. 827 do Conselho de Segurança da ONU.

Resolução nº. 1992/s-11 da Comissão de Direitos Humanos da ONU.

Estatuto do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia.

b) Documentos submetidos pelas partes à apreciação da Corte Internacional de Justiça

Petição inicial submetida por Bósnia-Hezergovina. Contestação submetida por Sérvia e Montenegro. Memoriais submetidos por Bósnia-Hezergovina. Memoriais submetidos por Sérvia e Montenegro.

Sustentações orais (transcritas) realizadas por agentes e advogados bósnios entre os dias 27 de fevereiro e 9 de maio de 2006, na sede da CIJ, na Haia, Holanda.

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39

-c) Livros e artigos

ARON, Raymond. Paz e guerra entre as nações. 2 ed. Brasília. IPRI:

2002.

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10 ed. São Paulo. Malheiros:

1997.

BROWNLIE, Ian. Principles of Public International Law. 6 ed. Oxford

University Press: 2003.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 13 ed. Rio de Janeiro. Lumen Juris : 2005.

DAILLIER, Patrick. PELLET, Alain. Droit International Public. 7 ed.

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DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado.

22 ed. São Paulo. Saraiva: 2001.

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo.10 ed. São Paulo.

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GOUVEIA, Jorge Bacelar. Manual de Direito Internacional Público.1

ed. Rio de Janeiro. Renovar: 2005.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal - Parte Gera”. 5 ed. Rio de

Janeiro. Impetus: 2005.

JESUS, Damásio E. Direito Penal – Parte Geral. 25 ed. São Paulo. Saraiva: 2002.

JUSTEN, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo.

Saraiva: 2005.

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-MERCIER, Michèle. Crimes Without Punishment – Humanitarian Action in Former Yugoslavia. Pluto Press: 1995.

MIRABETE, Julio Fabrinni. Manual de Direito Penal – Parte Geral: Arts. 1º a 120 do CP. 18 ed. São Paulo. Atlas: 2002.

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RAMONET, Ignacio. Guerras do Século XXI – Novos tempos e novas ameaças. Vozes: 2003.

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UNCTAD. Dispute Settlement: 1.2.International Court of Justice.

Nova Iorque e Genebra. United Nations: 2003.

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12- ANEXO I – MAPA DA REGIÃO

Referências

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