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Teoria Sociocomunicativa da Ideologia

No documento SIMONE MARIA ABRAHÃO SCAFUTO (páginas 125-128)

Concebida originalmente como uma ciência superior que serviria de base para o conhecimento científico geral e que facilitaria a regulação natural da sociedade em particular, a ideologia tornou-se uma teoria e suas exigências filosóficas ficaram comprometidas devido a associações com um corpo de ideias supostamente separadas das realidades práticas da vida política.

A ideologia, segundo Karl Marx, relacionava-se aos sistemas políticos, morais e sociais estabelecidos pela classe social dominante para manter os ricos no controle da sociedade e sustentar o status quo. O conceito de ideologia preservou o sentido negativo nas disciplinas que emergiram das ciências sociais, mas foi neutralizado de várias maneiras pelo interesse na elaboração de estratégias de luta das classes dominantes.

Thompson (2011) entende ser correto ver as relações de classe como base para as desigualdades sociais, mas segundo o autor, a perspectiva tradicional da ideologia não percebe que as classes determinadas por relações objetivas de produção e por circunstâncias de caráter econômico dependem necessariamente de formas simbólicas apropriadas aos seus interesses e objetivos. Isso implica a

124 impossibilidade de tratar adequadamente da natureza e do impacto das comunicações no mundo atual.

A perspectiva crítica da ideologia, alternativa que ultrapassa o caráter histórico de seu estudo, atribui às formas simbólicas uma interpretação particular. A ideologia é vista como algo negativo, crítico ou pejorativo, porque ela serve para reforçar pessoas e grupos que ocupam posições de poder. De acordo com Thompson (2011), em circunstâncias particulares, os modos da ideologia operam nas formas simbólicas para estabelecer e para manter relações de poder e de dominação. As formas simbólicas produzidas por agentes situados em contextos sócio-históricos específicos e dotados de recursos e de capacidades de vários tipos podem carregar os traços de diferentes maneiras das condições de sua produção.

Destacamos o que diz o autor:

A inserção das formas simbólicas em contextos sociais implica, que, além de serem expressões de sujeitos, são, geralmente recebidas e interpretadas por indivíduos também situados dentro de contextos sócio-históricos específicos e dotados de vários tipos de recursos. O modo como uma forma particular é compreendida pelos indivíduos pode depender dos recursos e das capacidades empregadas no processo de interpretação. (THOMPSON, 2011, p. 193.)

Entendemos que a inserção de modelos de contextos nas formas de (inter)ação mediadas pela mídia é o que as transforma em objeto de complexos processos de valorização, de avaliação e de conflito. Logo, análises contextuais das formas sociocomunicativas valorizadas e contestadas pelos indivíduos que as produzem e as recebem é essencial à interpretação adequada dos significados ideológicos produzidos nas representações narrativas estetizadas da mídia contemporânea.

É interessante destacar o que pensa Roger Fowler após analisar o papel ideológico desempenhado pela imprensa:

[...] a ideologia ajuda a constituir a realidade de ângulos específicos. [...] é um processo encontrado em todo discurso: a mediação estruturada do mundo. Os discursos da imprensa, como todo discurso, dizem respeito a sua própria posição institucional e econômica, e às circunstâncias particulares dos diferentes papéis. É bastante claro que várias características culturais e econômicas da imprensa se combinam para dar uma importância única na (re)produção da ideologia. (FOWLER, 2007, p. 120.)

125 Fowler aponta fatores que contribuem para a reprodução da ideologia. O primeiro envolve a escala de publicação e o sistema de venda e de distribuição dos impressos a uma população para a qual leitura de jornal faz parte da rotina diária. O segundo fator refere-se às circunstâncias econômicas e políticas da indústria jornalística que varia um pouco o seu papel e o ponto de vista sobre aspectos da realidade para mediar perspectivas especiais. Por fim, é principalmente nos tempos de instabilidade ou de crise que as estratégias e alternativas globais, muitas vezes concorrentes, realizam mudanças estruturais.

As mudanças rápidas e profundas da sociedade contemporânea, associadas à globalização são atribuídas às práticas sociais e, concretamente, aos gêneros em circulação na sociedade, posto que são eles que estruturam e que alteram a organização espacial das relações de poder e de dominação, por conseguinte, das atividades sociais. Os gêneros constituídos de um gênero principal e de um subgênero, por exemplo, são os formatos tecnológicos emergentes (websites) que, de forma inovadora, combinam fotografias, imagens e vídeos em sua composição, de modo a projetar um impressionante efeito de sentido ideológico, portanto, o gênero discursivo será utilizado como categoria de análise em nossa pesquisa.

Para van Dijk (1998) é importante analisar a ideologia com base no triângulo conceitual discurso ‒ cognição ‒ sociedade ‒ por várias razões: porque as ideologias são práticas sociais associadas ao uso da linguagem, porque elas pertencem ao campo simbólico do pensamento e das crenças e porque uma vez que associadas com as lutas e conflitos sociais e interesses dos grupos de poder elas possuem um caráter social.

De acordo com a ADC, o trabalho ideológico dos textos está ligado às relações hegemônicas e universalizantes. Sistemas de valores e pressupostos associados pertencem a discursos que, em alguns casos, estão mesmo associados a ideologias. Mas ao analisarmos um texto, não afirmamos que é ideológico apenas com base em algumas evidências textuais. O exame das formas simbólicas baseiam-se em análises das complexas relações entre a linguagem e as relações de sociais de poder. O trabalho ideológico, segundo a ADC, deve ser analisado no discurso econômico político para que se possa desvelar como relações hegemônicas são alimentadas, produzidas e legitimadas.

126 Buscamos investigar como o trabalho ideológico se realiza nas formas econômicas e políticas factuais da mídia global contemporânea. Analisaremos, precisamente, três modos ‒ a legitimação, a dissimilação e a fragmentação ‒ por meio dos quais a ideologia opera em narrativas multimodais mediadas por meios de comunicação impressos de alto consumo sobrepondo-se e reforçando-se mutuamente.

No documento SIMONE MARIA ABRAHÃO SCAFUTO (páginas 125-128)