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2. A ESCOLA DE FRANKFURT EM PERSPECTIVA

2.2 TEORIA TRADICIONAL E TEORIA CRÍTICA

A compreensão do locus de onde se discursa acerca de algo é um elemento de substancial importância para o rigor teórico. O saber de onde se fala, de onde o locutor emprega seu discurso é um fator que amplia a compreensão teórica do objeto de estudo. Assim, a presente seção é inaugurada com o propósito de apresentar o texto que ditou o tom crítico da Escola de Frankfurt. Foi com o manifesto intelectual escrito por Horkheimer em 1937, intitulado Traditionelle und kritische Theorie (Teoria tradicional e teoria crítica) publicado na Zeitschrift für Sozialforschung, e do texto Philosophie und

kritische Theorie (Filosofia e teoria crítica), igualmente escrito por Horkheimer em

parceria com Marcuse em 1937, onde visava esclarecer pontos controvertidos do primeiro texto, que a expressão teoria crítica ganhou popularidade e tomou maior consciência de seu papel teórico e prático. O texto transita pelo campo epistemológico, buscando esclarecer as diferentes relações entre sujeito e objeto para a teoria tradicional e para a teoria crítica. Com isso, Horkheimer buscou mostrar um elemento fundamental, as implicações políticas que as diferentes epistemologias produzem, i.e., mostrar a parcialidade e imobilidade em que a teoria tradicional está mergulhada e a ação necessariamente transformadora da teoria crítica.44

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Os textos de Horkheimer: A situação atual da filosofia social e as tarefas de um Instituto de Pesquisa

Social (1931), Teoria tradicional e teoria crítica (1937) e Teoria crítica e filosofia (1937) são, segundo

Musse (1997), o delineamento do próprio programa da Escola de Frankfurt. Assim, diante da importância para a compreensão dos propósitos da Escola, essa seção destina-se a um estudo dos textos Teoria tradicional e teoria crítica, cotejado com Teoria crítica e filosofia, escrito em parceria com Marcuse.

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As fontes subterrâneas do texto de Horkheimer podem ser encontradas em Marx e Engels, quando em 1845 escreveram a obra Ideologia Alemã e inaugura seu método materialista histórico, fazendo crítica aos hegelianos de esquerda que são acusados de imobilismo por permanecerem no pensamento puro da especulação. Negar a manifestação histórica como o desdobramento da Ideia Absoluta, pois esses dois autores (2007, p. 49) ―Não é a consciência quem determina a vida, mas a vida que determina a consciência;‖ ou seja, para Marx e Engels ―a formação das ideias, o pensar, a circulação espiritual entre os homens ainda se apresentam nesse caso como emanação direta de seu comportamento material.‖ A inversão materialista de Marx terá muitas implicações, pois não se resigna-se em permanecer no mundo das ideias e do pensamento, porque mais do que nunca as elucubrações mentais deveriam ser complementadas como o conhecimento do funcionamento da sociedade. Com isso Marx demonstrou que

Em certo sentido o texto de Horkheimer perpetua o debate inaugurado na antiguidade grega por Parmênides de Eléia e Heráclito de Éfeso.45 Enquanto Parmênides afirmava a identidade e permanência e nega a mudança do real, para Heráclito nada é igual a si mesmo, pois a essência do mundo é o vir-a-ser, assim, nega a realidade estática e a afirma como dinâmica, em que tudo flui (Panta Rei). O conhecimento (episteme) para Heráclito está no processo de ser e deixar de ser, e não no conhecimento (doxa) de algo particular e perecível. Heráclito, em seu oitavo fragmento, enuncia que: ―aquilo que se obsta conduz à concordância, e das tendências contrárias provém a mais bela harmonia.‖ (BERGE, 1969, p. 239). Por outro lado, para Parmênides o conhecimento seguro (episteme) está calcado sob a identidade da coisa em sua imutabilidade, enquanto o conhecimento perecível (doxa) é fruto de tudo o que é aparente e perecível. Parmênides (2002, p. 16) afirma que ―Nem a força da confiança consentirá que do não-ser nasça algo ao pé do ser. [...] Como poderia o ser perecer? Como poderia gerar-se? Pois, se era, não é, nem poderia vir a ser.‖ Em contras palavras, o texto de Horkheimer trata do embate entre os métodos analítico46 e o dialético,47 representados respectivamente pelas filosofias cartesiana48 e marxista.

uma nova teoria social crítica estava se formando, uma teoria combativa e intimamente ligada à práxis, na contramão da tradição filosófica que acreditava em mudar o mundo apenas pelo pensamento. Marx e Engels (2007, p. 37) sentenciam ―o processo de apodrecimento do espírito absoluto.‖ A relação estabelecida entre teoria e práxis, conhecimento e ação, epistemologia e política coincide com a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, pois, não é por meio da teoria que justifica o status quo, mas com a união da atividade teórica e prática que permitirá estabelecer o ―movimento real que suspende e supera (aufhebt) o estado de coisas atual [grifo do autor].‖ (MARX; ENGELS, 2007, p. 59). Os hegelianos de esquerda com sua pretensão de analisar a sociedade por meio de categorias hegelianas, a virada materialista de Marx e sua censura aos intelectuais que apenas interpretavam o mundo sem pretender transformá-lo efetivamente são os antepassados teóricos da Teoria Crítica, que revolucionam a concepção da relação teoria e práxis, epistemologia e política.

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Cf. (CIRNE-LIMA, 2002).

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―Em geral, uma disciplina ou uma parte de disciplina cujo método fundamental é a análise. Aristóteles chamo de analítica a parte da lógica que visa resolver qualquer raciocínio nas figuras fundamentais do silogismo e qualquer prova nos próprios silogismos e nos primeiros princípios, que constituem suas premissas evidentes. (ABBAGNANO, 2000, p. 54).

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Para Bottomore (1988, p. 101) dialética pode ser compreendida em três sentidos distintos, a saber: a) um método científico (epistemologia dialética); b) conjunto de leis e princípios que governam um setor ou a totalidade da sociedade (dialética ontológica); e c) movimento da história (dialética relacional). Segundo Abbagnano (2000, p. 269) pode significar: a) método de divisão; b) lógica do provável; c) lógica propriamente dita; e d) como síntese dos opostos. Diante destas pequenas definições é possível constatar a polissemia que o termo dialética carrega consigo, contudo, o destaque aqui empregado é no sentido de dialética em oposição à analítica enquanto métodos e enquanto lógicas. Infelizmente aqui não é o momento e lugar para abordar em sua complexidade esta questão. Desse modo, dialética ―é o método que permite ao pensador dialético observar o processo pelo qual as categorias, noções ou formas de consciência surgem umas das outras para formas totalidade cada vez mais inclusivas, até que se complete o sistema de categorias, noções ou formas, como um todo. [...] No curso desse processo, observa-se o princípio da Aufhebung (superação): com o desdobramento da dialética, nenhum insight parcial se perde. [...]. O pensamento ‗dialético‘, em contraste com o ‗reflexivo‘ (ou analítico), apreende as formas conceituais em suas interligações sistemáticas, concebendo cada evolução como produto de uma fase

A teoria tradicional engloba, segundo Rush (2008, p. 52), uma ampla gama de teorias formais da ciência e de filosofias especulativas, como o idealismo alemão, o pragmatismo de Peirce, o positivismo de Comte, o positivismo lógico de Schlick, o irracionalismo (que engloba a filosofia da vida de Dilthey, o neokantismo de Baden, o vitalismo de Bergson e Klages, e a fenomenologia hermenêutica de Heidegger) bem como a fenomenologia de Husserl com sua radical separação entre o ato histórico- psicológico em que se pensa o objeto, e o ato formal em que o objeto é constituído em si mesmo. Nesse sentido, a teoria tradicional é toda teoria epistemológica que busca isolar o domínio da teoria pura de toda a mediação da práxis social. A teoria crítica, por outro lado, se apresenta em uma consciente oposição, como um saber do mundo e da sociedade que quer assumir como condições de sua constituição teórica a materialidade e a historicidade de seus objetos e de si própria. Enquanto a teoria tradicional busca ser uma compreensão a-histórica da história e de seu objeto, a teoria crítica assume a materialidade e historicidade de seu objeto e se sabe a si mesma como parte do mundo que pretende conhecer. Assim, a teoria crítica, ao contrário da teoria tradicional que perpetua a dominação49, procura relacionar-se com a sociedade de modo reflexivo.

inferior menos desenvolvida, cuja verdade ou realização necessária ela representa; de modo que há sempre uma tensão, uma ironia latente ou uma surpresa incipiente entre qualquer forma e o que ela é no processo de vir a ser.‖ (BOTTOMORE, 1988, p. 102). Para um debate sobre analítica e dialética Cf. (CIRNE-LIMA, 2002), e mais detalhes sobre os conceitos apresentados Cf. (FERRATER MORA, 1994).

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Foi com o Discurso do método de 1637 que Descartes estabeleceu as bases da filosofia antropocêntrica moderna ao romper com a cultura teocêntrica medieval. Para Descartes, o princípio fundamental da filosofia, cogito, ergo sum (penso, logo existo), constitui-se como intuição pura, isto é, um ato de percepção existencial, um ato de pensar-se como ser pensante e que estabelece a divisão rígida entre res

cogitans e res extensa. A substância pensante ou res cogitans é a substância espiritual do homem sem

qualquer ruptura entre ser e pensar, é a realidade pensante ou pensamento em ato. A substância extensa ou

res extensa compreende o mundo material, a natureza ou o não-eu, incluindo o corpo humano. A partir

dessa distinção dualista Descartes busca uma simplificação da realidade extensa a fim de elaborar um modelo mecânico de dominação do mundo pela razão. Para a Teoria Crítica o modelo cartesiano é o modelo por excelência da teoria tradicional, que se estabelece pelo pensamento da identidade, da não- contradição, do domínio do particular pelo universal. A alteridade, a dissonância, o não-idêntico busca ser constantemente violentado pela identidade universal do pensamento. O método científico inaugurado por Descartes busca uma construção matemática do real, em que tudo é compreendido, ou seja, tudo é idêntico e subjugado ao pensamento. A terceira regra do método científico de Descartes é a suma mais bem elaborada de uma teoria científica irreflexiva e que busca constantemente negar as contradições da realidade. Afirma Descartes (1996, p. 23): ―conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos; e supondo certa ordem [...] uns aos outros.‖ Estes foram, portanto, os primeiros passos para a inauguração da teoria tradicional.

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―Em seu percurso histórico os homens chegam à gnose do seu fazer e com isso entendem a contradição encerrada em sua experiência. A economia burguesa estruturou-se de tal forma que os indivíduos, ao perseguirem a sua própria felicidade, mantenham a vida da sociedade. Contudo essa estrutura possui uma dinâmica em virtude da qual se acumula, numa proporção que lembra as antigas dinastias asiáticas, um poder fabuloso, de um lado, e, de outro, uma impotência material e intelectual. A fecundidade original dessa organização do processo vital se transforma em esterilidade e inibição. Os homens renovam com

A necessidade de transitar pelo presente texto é absolutamente necessária em virtude da ligação entre ele e a obra que é objeto de estudo do terceiro capítulo, a

Dialética do esclarecimento, onde as críticas lá empregadas já estão, em certo sentido,

presentes no texto em questão. A crítica à teoria tradicional do texto de Horkheimer e que na Dialética do Esclarecimento torna-se crítica à razão instrumental trata de denunciar sua pretensão de construir uma ciência com valores em si mesma, impondo valores instrumentais absolutos. Nessa imposição de valores instrumentais se descobre na verdade implicações políticas, quais sejam, a de um instrumento de domínio social, convertendo-se em manutenção da ordem burguesa e em freio a todo o progresso social. A compreensão acerca da própria Dialética do esclarecimento se mostrará mais abrangente e profunda se for efetuada uma prévia incursão no texto Teoria tradicional e

teoria crítica.

O texto Horkheimer, grosso modo, trata da distinção entre a teoria tradicional de matriz cartesiano e a teoria crítica de matriz marxista, e mais, trata-se de apresentar a teoria crítica como contraponto à teoria tradicional. Não como uma teoria mais completa para compreender a realidade, mas como uma teoria que não resigna-se a somente justificar a realidade como ela é. Segundo Freitag (1993, p. 37) Horkheimer lança a sociologia em uma nova discussão mais marcante que a polêmica entre Weber e Roscher & Knies sobre a neutralidade das ciências sociais e os juízos de valores sobre os fatos. Agora, para Horkheimer, trata-se de uma questão ontológica acerca de juízos existenciais, pois a reflexão filosófica com base em juízos existenciais é uma filosofia comprometida com a liberdade e com a autonomia do homem. Enquanto a teoria tradicional se preocupa com a necessidade do trabalho teórico, ela obedecer as regras da lógica formal, do princípio da identidade e da não-contradição, com os procedimentos dedutivo e indutivo além de se utilizar de juízos categóricos e hipotéticos50, a teoria crítica se preocupa com a necessidade de um juízo existencial que objetive ―libertar a humanidade do jugo da repressão, da ignorância e inconsciência.‖ (FREITAG, 1993, p.

seu próprio trabalho uma realidade que os escraviza em medida crescente e os ameaça com todo tipo de miséria [grifo nosso].‖ (TkT, p. 48).

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Horkheimer, em nota de rodapé assevera que ―entre as formas de juízos e os períodos históricos existe conexão [...]. O juízo categórico é típico da sociedade pré-burguesa: este juízo não permite nenhuma alteração do mundo por parte do homem. As formas hipotéticas e disjuntivas de juízo são intimamente ligadas ao mundo burguês: em determinadas circunstâncias pode aparecer um certo efeito, dessa ou daquela forma. A teoria crítica afirma: isso não tem que ser necessariamente assim, os homens podem

41). Assim, o juízo existencial51 da teoria crítica – que é tributário da filosofia iluminista em que a razão é o instrumento de emancipação e autonomia humana52 – faz a união entre teoria e práxis à luz de uma emancipação.

O juízo existencial busca esclarecer que ―[...] a teoria crítica não almeja de forma alguma apenas a uma mera ampliação do saber, ela intenciona emancipar o homem de uma situação escravizadora.‖ (HORKHEIMER; MARCUSE, 1989, p. 70). Enquanto que para a teoria tradicional basta uma análise mecanicista, neutra e a- histórica do objeto, para a teoria crítica a relação sujeito-objeto é histórico-dialética, e tendo consciência disso, o teórico crítico não pode resignar-se ao quietismo da neutralidade do sempre mesmo, de apenas descrever avalorativamente fatos que são condicionados historicamente. Contudo, tal distinção entre teoria tradicional e teoria crítica não se mostra tão simples e evidente, portanto, reputa-se de suma importância uma análise sobre o texto em questão a fim de um aprofundamento das questões candentes para este trabalho.

Nesse sentido, Horkheimer, em um primeiro momento, busca descrever os mecanismos de funcionamento da teoria tradicional a fim de que seja possível apontar suas implicações em relação à realidade, para que em um segundo momento possa contrapô-la à alternativa da teoria crítica. A teoria tradicional é, para Horkheimer (TkT, p. 31), ―uma sinopse de proposições de um campo especializado, ligadas de tal modo entre si que se poderia deduzir de algumas dessas teorias todas as demais.‖ O objetivo da teoria tradicional é elaborar sentenças que definam conceitos universais, se movimentando dedutiva ou indutivamente, sempre pressupondo o princípio da identidade e rejeitando a contradição. Ela trabalha com um sistema simbólico e com um método de validade de suas proposições. Horkheimer (TkT, p. 31) continua a afirmar que ―quando menor for o número dos princípios mais elevados, em relação às conclusões, tanto mais perfeita será a teoria. [...] Teoria é o saber acumulado de tal forma que permita ser utilizado na caracterização dos fatos tão minuciosamente quando

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Enquanto juízos categóricos possuem no fundo um caráter hipotético, e juízos existenciais

(Existenzialurteile), se é que aparecem, são admitidos apenas em capítulos próprios, em partes descritas e práticas, a teoria crítica da sociedade em seu todo é um único juízo existencial desenvolvido. Formulado em linhas gerais, esse juízo existencial afirma que a forma básica da economia de mercadorias, historicamente dada e sobre a qual repousa a história mais recente, encerra em sai oposições internas e externas dessa época, e se renova continuamente de uma forma mais aguda e, depois, de um período de crescimento, de desenvolvimento das forças humanas, de emancipação do indivíduo, depois de uma enorme expansão do poder humano sobre a natureza, acaba emperrando a continuidade do desenvolvimento e leva a humanidade a uma nova barbárie. (TkT, p. 58).

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possível.‖ Os fenômenos da natureza e da sociedade devem ser submetidos à sentenças gerais, a ponto de ser possível engendrar um sistema teórico a priori por meio da dedução, ou mesmo a posteriori por meio da indução.

O modo classificatório é fundamental para a teoria tradicional, que além de buscar excluir ao máximo a subjetividade do teórico, pretende classificar a natureza segundo seus padrões. Para Nobre (2013, p. 42) a concepção moderna de ciência se estabelece através de um conjunto de princípios abstratos que seja possível, a partir de sua análise, formular leis gerais que explicam a relação necessária, i.e., de causa e feito, entre os fenômenos. A validade da teoria para Horkheimer (TkT, p. 31) está na correspondência das proposições deduzidas com os fatos empíricos, e em havendo dissonâncias entre as proposições com os fatos, ou um ou outro deve ser revisto. No mesmo sentido está Jay (2008, p. 126) ao afirmar que a teoria tradicional tem como objetivo central formular princípios gerais que sejam internamente coerentes em sua descrição do mundo; sendo teorias geradas dedutivamente, como o cartesianismo, indutivamente, como a obra de John Stuart Mill, ou fenomenologicamente como em Husserl.

A teoria exige que todas as partes estejam conectadas sem nenhuma contradição, e ainda para Horkheimer (TkT, p. 32) ―ela [teoria] visa a um sistema de sinais puramente matemáticos. Cada vez é menor o número de nomes que aparecem como elementos da teoria e partes das conclusões e proposições, sendo substituídos por símbolos matemáticos [...].‖ A teoria reduziu-se à formalização matemática em que signos substituem nomes, mesmo as teorias das ciências humanas se transformam e construções matemáticas. O método cartesiano, para Tiburi (1995, p. 29), impele para a administração do mundo com base na matematização dos seus fenômenos, e nesse sentido, a teoria tradicional é objetificante e matematizante. A rigorosa observação das regras da lógica formal, quais sejam, o princípio da identidade e a não-contradição especialmente, além dos procedimentos de dedução e indução e a restrição a um campo teórico bem delimitado são para teoria tradicional um imperativo.

Esse processo intelectual que busca harmonização reflete no seu cerne uma atitude não-crítica em relação ao processo de produção material em que a própria teoria surgiu. (SLATER, 1978, p. 50). Destarte, Horkheimer diagnostica a teoria tradicional como um movimento de transformação das teorias sociais à semelhança das teorias naturais. O êxito das ciências naturais inspiram seguidores que procuram modelar as ciências sociais tal como as ciências naturais exatas, muito embora Horkheimer (TkT, p.

34) advirta que ―a classificação de processos sociais por meio de inventários empíricos não é possível, nem tampouco traria facilidades na pesquisa, na forma que se espera.‖

A teoria tradicional, nesse sentido, buscava o conhecimento puro e não uma atuação na práxis. Mesmo quando ela indicava que a atividade prática é complemento da atividade teorética, como no caso de Francis Bacon, era para um puro domínio tecnológico da natureza, ou seja, a prática que a teoria tradicional visa é uma manipulação instrumental da natureza. ―Em todas as épocas, a teoria tradicional mantivera uma separação rigorosa entre pensamento e ação.‖ (JAY, 2008, p. 126). Esse paradigma de teoria como contemplação passiva foi transplantado das ciências naturais para as ciências sociais, como denuncia Horkheimer (TkT, p. 32) ao afirmar que ―a dedução tal como é usual na matemática deve ser estendida à totalidade das ciências‖. Provém daí o ideal de matematização das ciências sociais.53

Corolário dessa concepção de teoria social é que a essência da teoria confunde- se com aquilo que tem se constituído como sua tarefa imediata, i.e., com o manejo da natureza física. Muito das ideias de Lukács de História e consciência de classe estão presentes no texto de Horkheimer. Ao busca demonstrar a alienação que é produto do formalismo do pensamento burguês, Lukcás indica que a permanente fixação pelos fatos da experiência dissimulam o substrato histórico e social dessa experiência. No capítulo

A reificação e a consciência do proletariado fica claro que Lukács quer traçar a história

do pensamento moderno, de Descartes, passando por Leibniz, Espinoza e chegando a Kant, em que o mundo é fruto do próprio sujeito cognoscente e de suas formas fixas de pensamento, limitando-se a conhecer o mundo somente a partir de sua realidade formal, tornando incognoscível a captação de seu fundamento substancial. (CHIARELLO, 2001, p. 41).

O próprio método do pensamento racionalista burguês impede a cognição do movimento histórico, dado que possui uma estrutura fixista e estática, onde possibilita apenas calcular as formas abstratas e por consequência torna imutável e perene os conteúdos. (LUKACS, 2003, p. 241). Essa rigidez do pensamento reificado – por meio de sua ação meramente contemplativa e estática – ao buscar o conhecimento dos fatos

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