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TEORIAS DA (IN)ADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA

3 A ILICITUDE DA PROVA EM DECORRÊNCIA DA QUEBRA DA CADEIA DE

3.2 TEORIAS DA (IN)ADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA

Conforme é debatido na doutrina, há algumas linhas de pensamento que teorizam sobre as provas ilícitas. Abordaremos, neste capítulo, as três teorias principais, analisando seus aspectos e apontando qual a mais aceita e adequada ao direito brasileiro.

3.2.1 Admissibilidade processual da prova ilícita

Esta primeira teoria aborda a possibilidade da admissão da prova ilícita, no processo penal, independente da violação ao direito material causado.

Por óbvio, tal teoria possui poucos adeptos, haja vista toda legislação atual e trabalhos doutrinários que cada vez mais aproximam o processo penal da Constituição Federal.

Conforme explica Lopes Júnior (2019, p. 395), “para seus seguidores (minoritários hoje), o responsável pela prova ilícita poderia utiliza-la no processo, respondendo em outro processo pela eventual violação da norma de direito material (que poderia constituir um delito ou mesmo um ilícito civil)”.

Por consequência, a leitura constitucional do artigo 157 do Código de Processo Penal, deixa clara a inviabilidade desta teoria, pois não admite, de forma alguma, tal modalidade, ordenando que as provas ilícitas que violem normais constitucionais ou legais devam ser desentranhadas.

Nesse sentido, tal teoria não encontra respaldo na legislação e na jurisprudência brasileira, estando obsoleta.

3.2.2 Inadmissibilidade absoluta

Introduz-se a teoria da inadmissibilidade absoluta ao se fazer a leitura literal do artigo 5º, LVI, da Constituição, o qual é claro ao afirmar que, no processo, as provas obtidas por meio ilícito são inadmissíveis.

Contudo, em conformidade com o explanado anteriormente, ao fazer a leitura do referido artigo, vê-se que não há menção a um processo específico, sendo uma regra geral e que, ao ser aplicada diretamente ao processo penal, precisa adequar-se a sistemática.

Apesar de ser necessária uma postura interpretativa, a inadmissibilidade absoluta encontra respaldo no direito brasileiro, haja vista sua tipificação na Constituição Federal, assim como o fato de sua corrente produzir decisões e jurisprudências conforme o mencionado.

Lopes Júnior (2019, p. 396), concernente à problemática em relação ao fato de ser realizada uma compreensão fechada e estreita quanto ao uso das provas ilícitas, explica que

A crítica é exatamente a “absolutização” da vedação, num momento em que a ciência (desde a teoria da relatividade) e o próprio direito constitucional negam o caráter absoluto de regras e direitos. Para nós, desde Einsten, não há mais espaço para tais teorias que têm a pretensão de serem “absolutas”, ainda mais quando é evidente que todo saber é datado e tem prazo de validade e, principalmente, que a Constituição, como qualquer lei, já nasce velha, diante da incrível velocidade do ritmo social. Logo, a inadmissibilidade absoluta te a absurda pretensão de conter uma razão universal e universalizante, pode(ria) prescindir da ponderação exigida pela complexidade que envolve cada caso na sua especificidade.

Diante da explicação acima, podemos compreender melhor os argumentos do pensamento crítico do autor.

Primeiramente, ao estudar Direito, aprendemos que este é também uma ciência social e atende à sociedade. Diante disso, é praticamente impossível postular direitos e deveres absolutos, pois o que hoje é estabelecido como certo, pode ser um paradigma quebrado amanhã, haja vista que nenhuma sociedade é superior a outra e, ainda assim, temos milhares de códigos de leis que atendem às diferentes culturas, ou seja, a absolutização de uma norma não reflete a nossa sociedade, por isso a impossibilidade de considerar tal teoria.

Outro argumento que podemos observar e ressaltar é que a aplicação do direito busca a justiça e não necessariamente a igualdade de decisões e sequer aplicações rígidas da lei, ou não precisaríamos de juízes, de promotores e nem advogados, apenas robôs cuidariam do dizer o direito.

Nesse diapasão, o direito deve ser aplicado ao caso concreto percebendo suas particularidades e possuindo, como ideal, a decisão mais justa, pois é impossível a legislação preceder a complexidade para a especificidade de cada caso.

3.2.3 Admissibilidade da prova ilícita a partir da proporcionalidade pro reo

Inicialmente, ressalta-se que tal teoria deriva da teoria da proporcionalidade ou da razoabilidade, adequando-a para uma maior sintonia constitucional, a fim de que seu uso não viole os direitos individuais do acusado.

Desse modo, entende-se, resumidamente, que a teoria da admissibilidade da prova ilícita tem lugar no sistema jurídico pátrio ao relativizar as situações com base do princípio da razoabilidade, ou seja, em casos que haja relevante interesse público a ser preservado, a prova poderia ser admitida.

Contudo, imediatamente se identifica que a relativização para defender interesse público pode ser arguida como forma de punitivismo por parte do Estado, alcançando possíveis condenações por meios ilegais, justificando-se tal ato a partir do seu fim.

Nessa linha, alerta Lopes Júnior (2019, p. 397) que

O perigo desta teoria é imenso, na medida em que o próprio conceito de proporcionalidade é constantemente manipulado e serve a qualquer senhor. Basta ver a quantidade imensa de decisões e até de juristas que ainda operam no reducionismo binário do interesse publico x interesse privado, para justificar a restrição de direitos fundamentais (e, no caso, até a condenação) a partir da “prevalência” do interesse público... (grifo do autor).

Portanto, percebe-se que a aplicação de tal teoria incorreria em aceitar grandes riscos e em colocar todo um sistema processual em cheque, contudo, a premissa pode ter validade quando colocados os limites certos, evitando o decisionismo por parte dos magistrados e adequando a admissibilidade da prova ilícita a um propósito constitucional.

Nesse diapasão, o Ministro Relator Celso de Mello, no RE 251.445/GO aponta a inadmissibilidade da prova ilícita em maleficio do acusado:

EMENTA: PROVA ILÍCITA. MATERIAL FOTOGRÁFICO QUE COMPROVARIA A PRÁTICA DELITUOSA (LEI Nº 8.069/90, ART. 241). FOTOS QUE FORAM FURTADAS DO CONSULTÓRIO PROFISSIONAL DO RÉU E QUE, ENTREGUES À POLÍCIA PELO AUTOR DO FURTO, FORAM UTILIZADAS CONTRA O ACUSADO, PARA INCRIMINÁ-LO. INADMISSIBILIDADE (CF, ART. 5º, LVI).

A cláusula constitucional do due process of law encontra, no dogma da inadmissibilidade processual das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras, pois o réu tem o direito de não ser denunciado, de não ser processado e de não ser condenado com apoio em elementos probatórios obtidos ou

produzidos de forma incompatível com os limites ético-jurídicos que restringem a atuação do Estado em sede de persecução penal.

A prova ilícita - por qualificar-se como elemento inidôneo de informação - é repelida pelo ordenamento constitucional, apresentando-se destituída de qualquer grau de efícácia jurídica.

Qualifica-se como prova ilícita o material fotográfico, que, embora alegadamente comprobatório de prática delituosa, foi furtado do interior de um cofre existente em consultório odontológico pertencente ao réu, vindo a ser utilizado pelo Ministério Público, contra o acusado, em sede de persecução penal, depois que o próprio autor do furto entregou à Polícia as fotos incriminadoras que havia subtraído.

No contexto do regime constitucional brasileiro, no qual prevalece a inadmissibilidade processual das provas ilícitas, impõe-se repelir, por juridicamente ineficazes, quaisquer elementos de informação, sempre que a obtenção e/ou a produção dos dados probatórios resultarem de transgressão, pelo Poder Público, do ordenamento positivo, notadamente naquelas situações em que a ofensa atingir garantias e prerrogativas asseguradas pela Carta Política (RTJ 163/682 - RTJ 163/709), mesmo que se cuide de hipótese configuradora de ilicitude por derivação (RTJ 155/508), ou, ainda que não se revele imputável aos agentes estatais o gesto de desrespeito ao sistema normativo, vier ele a ser concretizado por ato de mero particular. Doutrina.

GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR (CF, ART. 5º, XI). CONSULTÓRIO PROFISSIONAL DE CIRURGIÃO-DENTISTA. ESPAÇO PRIVADO SUJEITO À PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL (CP, ART. 150, § 4º, III). NECESSIDADE DE MANDADO JUDICIAL PARA EFEITO DE INGRESSO DOS AGENTES PÚBLICOS. JURISPRUDÊNCIA. DOUTRINA. Para os fins da proteção constitucional a que se refere o art. 5º, XI, da Carta Política, o conceito normativo de “casa” revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer compartimento privado onde alguém exerce profissão ou atividade (CP, art. 150, § 4º, III), compreende os consultórios profissionais dos cirurgiões-dentistas.

Nenhum agente público pode ingressar no recinto de consultório odontológico, reservado ao exercício da atividade profissional de cirurgião-dentista, sem consentimento deste, exceto nas situações taxativamente previstas na Constituição (art. 5º, XI). A imprescindibilidade da exibição de mandado judicial revelar-se-á providência inafastável, sempre que houver necessidade, durante o período diurno, de proceder-se, no interior do consultório odontológico, a qualquer tipo de perícia ou à apreensão de quaisquer objetos que possam interessar ao Poder Público, sob pena de absoluta ineficácia jurídica da diligência probatória que vier a ser executada em tal local. (BRASIL, STF, 2000).

Desse modo, ao pensar na teoria da admissibilidade da prova ilícita a partir da proporcionalidade pro reo, sua admissão e valoração pode ser feita apenas quando favorecer o acusado.

Tal situação poderia ser aceita, haja vista que a condenação de um inocente teria maior importância e relevância do que a prova obtida por meio ilícito, protegendo este da punição indevida.

Explica Rangel (2017) apud Lopes Júnior (2019, p. 399) que

[...] aponta o acerto da aplicação chamada teoria da exclusão de ilicitude, em que a conduta do réu ao obter a prova ilícita está amparada pelo direito (causa de exclusão de ilicitude) e, portanto, essa prova não pode ser mais considera ilícita. Assim, por exemplo, pode ser admitida a interceptação telefônica feira pelo próprio réu, sem ordem judicial, desde que o destinada a fazer prova de sua inocência em processo criminal que busca sua condenação.

Nessa linha, argumenta-se que a obtenção da prova ilícita para comprovação da própria inocência resultaria em prova legal, pois a conduta ativa para produção da prova está abarcada pelo sistema penal brasileiro, permitindo-a de forma indireta.

Estendendo o argumento, pode-se considerar, também, que tal conduta (para obtenção da prova) ilícita, estaria acobertada pela legítima defesa, proporcionando que o réu utilizasse tais provas, no processo, com o único propósito de provar sua inocência.

Por fim, o último ponto a se ressaltar é a utilização da prova ilícita apenas em processo criminal que busque a condenação.

Tal especificidade não é a toa, pois, considerando que tal prova ilícita inocente o réu, ela não poderia servir para a condenação de outra pessoa em outro processo criminal, pois violaria tanto o sistema processual como o constitucional, e não havendo proporcionalidade, pois, tirando o peso de inocentar alguém, não há espaço para admissão da prova ilícita.

Para fins dessa pesquisa, será utilizada a teoria supracitada para compreensão da dinâmica probatória e sua relação com a cadeia de custódia no processo penal.

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