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Quebra da cadeia de custódia da prova penal: violação do devido processo legal

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA ALISSON CARLOS DOS SANTOS

A QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA PENAL: VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Araranguá 2020

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A QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA PENAL: VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Professora Orientadora: Prof. Fátima Caldeira Hassan, Drª

Araranguá 2020

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ALISSON CARLOS DOS SANTOS

A QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA PENAL: VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Araranguá, 11 de dezembro de 2020.

______________________________________________________ Professor e orientador Prof. Fátima Caldeira Hassan, Drª.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Elisângela Dandolini, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Nádila da Silva Hassan, Esp.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a minha orientadora, Fátima Hassan Caldeira, por todo trabalho e empenho dedicado para construção desse trabalho, em todos os aspectos necessários.

Agradeço aos meus colegas do curso de Direito da Unisul de Araranguá por possibilitarem discussões sobre qualquer matéria e por todo apoio emocional e motivacional envolvido.

E por fim, agradeço minha família e namorada por terem paciência e companheirismo nessa caminhada, por estarem sempre dispostos a ouvirem e darem toda a motivação possível.

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RESUMO

O presente trabalho estuda e examina a cadeia de custódia da prova penal na legislação brasileira, apontando as atualizações trazidas pela Lei Anticrime (Lei nº 13.964/2019), e as consequências da sua quebra no processo. Para o desenvolvimento do trabalho, utilizou-se a pesquisa documental e bibliográfica. Concluiu-se que os avanços introduzidos pela Lei Anticrime foram essenciais para o estabelecimento de um processo penal mais democrático, contudo ainda há a falta de elementos sobre a consequência da quebra da cadeia de custódia, a qual resulta em a ilicitude da prova e sua inadmissibilidade, que deverá ser desentranhada do processo.

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ABSTRACT

The present work studies and examines the chain of custody of the criminal evidence in Brazilian legislation, pointing out the updates brought by the Anticrime Law (Law nº 13.964 / 2019), and the consequences of its failure in the process. For the development of the work, documentary and bibliographic research was used. It was concluded that the advances introduced by the Anticrime Law were essential for the establishment of a more democratic criminal process, however there is still a lack of elements on the consequence of the break in the chain of custody, which results in the illegality of the evidence and its inadmissibility, which should be removed from the process.

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1 INTRODUÇÃO... 7

2 TEORIA GERAL DA PROVA E CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA PENAL .... 8

2.1 O PROCESSO PENAL E A FUNÇÃO DA PROVA ... 8

2.2 A CADEIA DE CUSTÓDIA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL ... 10

2.3 A LEGISLAÇÃO VIGENTE NO BRASIL ... 18

3 A ILICITUDE DA PROVA EM DECORRÊNCIA DA QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA ... 33

3.1 DISTINÇÃO ENTRE PROVA ILÍCITA E PROVA ILEGÍTIMA ... 33

3.2 TEORIAS DA (IN)ADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA ... 35

3.2.1 Admissibilidade processual da prova ilícita... 35

3.2.2 Inadmissibilidade absoluta ... 36

3.2.3 Admissibilidade da prova ilícita a partir da proporcionalidade pro reo ... 37

3.3 PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO ... 39

3.4 DESENTRANHAMENTO DA PROVA ILÍCITA PELA QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA ... 43

4 CONCLUSÃO ... 46

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1 INTRODUÇÃO

Tratando-se de processo penal, procura-se sempre agir e possibilitar um processo que respeite as regras constitucionais, para tanto, atualizações legislativas surgem conforme moderniza-se o processo e atenda sua função.

Nessa toada, a Lei nº 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime, adicionou alguns artigos ao Código de Processo Penal, disciplinando a matéria de cadeia de custódia, introduzindo o art. 158-A, 158-B. 158-C, 158-D, 158-E e 158-F.

Continuamente, deve ser feita a análise das inovações trazidas pela Lei Anticrime, contrapondo-a com os entendimentos doutrinários, a fim de compreender o funcionamento da cadeia de custódia da prova penal, sua importância dentro do processo e sua influência nas decisões, ao passo que se analisa quais as consequências pela quebra da cadeia de custódia e, ainda, as delimitações dos efeitos trazidos pela prova ilegal.

Desse modo, a pesquisa realizada analisa o conceito de prova no processo penal, sua teoria geral e sua função, contrapondo argumentos doutrinários e dos dispositivos legais relativos à sistemática acusatória para o processo.

O presente estudo foi desenvolvido a partir de pesquisas bibliográfica e documental.

O trabalho foi dividido em dois capítulos: o primeiro apresenta a teoria geral da prova e a cadeia de custódia da prova penal; o segundo aborda a ilicitude da prova em decorrência da quebra da cadeia de custódia.

Assim, este trabalho conceitua o que é a cadeia de custódia, explicando todas as atribuições legislativas advindas do Pacote Anticrime, utilizando-se da perspectiva constitucional e de sua relação com o devido processo legal e com outras garantias constitucionais.

Além disso, busca complexar o entendimento sobre a cadeia de custódia, dissecando as adições legislativas feitas, atribuindo sua eficácia e pontos positivos, assim como a ausência de especificações procedimentais relacionadas à quebra da cadeia de custódia. E a partir da compreensão do instituto da cadeia de custódia, trabalha-se quais seriam as consequências de sua quebra. Por fim, explica-se o que é a prova ilícita e sua tipificação no direto brasileiro, ao passo que se expõem as principais teorias acerca da admissibilidade das provas ilícitas no processo penal, das provas ilícitas derivadas e, ainda, do desentranhamento das provas ilícitas.

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2 TEORIA GERAL DA PROVA E CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA PENAL

Esse capítulo foi dividido em três subtítulos: o primeiro trata do processo penal e da função da prova, o segundo expõe acerca da cadeia de custódia e do devido processo legal, e, por fim, o terceiro analisa a legislação vigente em nosso país acerca do tema.

2.1 O PROCESSO PENAL E A FUNÇÃO DA PROVA

Quando se trata de processo penal, é importante ressaltar e entender a função da prova dentro deste instrumento, pois, somente é possível obter resultado pela prova ou por sua ausência.

Neste sentido, conforme estabelece Lopes Júnior (2019, p. 341), a prova é um instrumento para reconstrução de um fato histórico, é um meio para reafirmação dos acontecimentos a serem julgados, dando ao processo penal a característica de instrumento ou meio, de retrospecção e ritual, para atingir determinado fim.

Portanto, reforçando o entendimento da centralidade da prova no processo penal, procura-se compreender o que é a prova no processo. Contribuindo para o entendimento do que vem a ser a prova processual, Alonso (1984, p. 251) afirmar que “[...] o conceito de prova está vinculado ao de atividade encaminhada a conseguir convencimento psicológico do juiz”.

Sendo o convencimento psicológico do juiz o objeto da função da prova penal, é necessário que esta possua qualidades e parâmetros para sua validade, haja vista que serão elas que remontarão fatos históricos aventados no processo.

Nesse viés, Cordero (2013 apud Lopes Júnior, 2019, p. 343) aponta para a necessidade de crença, de fé, esclarecendo que as partes que produzem as provas pretendem ser acreditados, uma vez que tudo o que o dizem tem valor enquanto os destinatários crerem.

Sendo assim, entende-se que o convencimento psicológico do juiz é consequência da sistemática processual, que pressupõe a validade e a credibilidade das provas produzidas, mas também dependentes de aspectos subjetivos do ato de julgar.

A partir dessas premissas e funções objetivas, é possível estabelecer com maior clareza o procedimento processual de recebimento da prova, seu processamento e efeitos.

Estabelece Lopes Júnior (2019, p. 344) que

É inafastável que o juiz “elege” versões (entre os elementos fáticos apresentados) e até o significado (justo) da norma. Esse eleger também se expressa na valoração da prova (crença) e na própria axiologia, incluindo a carga ideológica, que faz da norma (penal ou processual penal) aplicável ao caso (grifo do autor).

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Entende-se, assim, que a atribuição de valor da prova, estabelecida pelo juiz, envolve diversas etapas, passando pela norma processual, pela qualidade atribuída àquela prova, suas fontes, seu modo de produção, sua preservação e a aplicação da norma ao caso concreto.

Dessa forma, a prova, no processo penal, serve como alicerce sobre o qual é construído o embate no processo, até sua decisão. Mello, em voto, ao discorrer sobre o assunto, afirma que

Evidente que a prova deve ser séria, ao menos sensata. Mais ainda: prova séria é aquela colhida sob o crivo do contraditório. Na hipótese de, na instrução, não ter sido feita nenhuma prova a respeito da autoria, não pode o Juiz louvar-se no apurado na fase inquisitorial presidida pela Autoridade Policial.

Não que o inquérito não apresente valor probatório; este, contudo, somente poderá ser levado em conta se, na instrução, surgir alguma prova, quando, então, é lícito ao Juiz considerar tanto as provas do inquérito quanto aquelas por ele colhidas, mesmo porque, não fosse assim, estaria proferindo um decreto condenatório sem permitir ao réu o direito constitucional do contraditório (...) (BRASIL, STF, 2014).

Destacam-se algumas partes do referido voto, em especial o fato de a prova dever ser séria. Tal argumento vincula-se à necessidade de haver características que permitam a confiabilidade da prova apresentada. Tal característica só pode ser alcançada através do respeito à cadeia de custódia, onde assegura-se que o objeto será apresentado de forma a contribuir para a elucidação dos fatos.

Outro ponto importante, no que diz respeito à produção de provas e sua função no processo penal, é a necessidade do contraditório. Entende-se que o contraditório só é possível a partir da clara origem da prova e de sua confiabilidade, pois não seria possível contrapor algo de origem desconhecida e sem garantias mínimas de procedimento para apresentação no processo.

Pontuam, Lopes Júnior e Rosa (2015, online), sobre a origem da prova:

A preservação das fontes de prova é, portanto, fundamental, principalmente quando se trata de provas cuja produção ocorre fora do processo, como é o caso da coleta de DNA, interceptação telefônica etc. Trata-se de verdadeira condição de validade da prova.

Neste sentido, deve ser tomado todo o cuidado com as fontes de provas obtidas fora do processo, pois, além da dificuldade de o réu exercer seu direito ao contraditório diante das provas produzidas pelo órgão acusador, ele passa a ser o responsável pelos seus cuidados. Desse modo, explica Lopes Júnior (2017, p. 412) que “o tema de provas exige a intervenção de regras de ‘acreditação’, pois nem tudo que ingressa no processo pode ter valor probatório; há que ser ‘acreditado’, legitimado, valorado desde sua coleta até a sua produção em juízo para ter valor probatório”.

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A partir da necessidade de segurança, de confiabilidade e de respeito aos princípios constitucionais, surge o instituto da cadeia de custódia, com o objetivo de garantir a todos os acusados o devido processo legal, conforme dispõe a Constituição Federal, em seu artigo 5º: “LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;” (BRASIL, CRFB 2020).

Assim, todo o caminho processual a ser percorrido pela prova é compreendido pela cadeia de custódia, inclusas sua análise e sua admissão no processo, sendo que o desrespeito à cadeia de custódia poderá resultar na imprestabilidade ou inadmissibilidade da prova no processo, sendo considerada prova ilícita.

Edinger diz que o direito fundamental à prova abrange a possibilidade de se indicarem fontes de prova, de se exigir que elas venham ao processo da mesma forma como foram obtidas, de utilizar os mecanismos de prova pela metodologia legalmente definida e de exigir a valoração dos elementos trazidos (2016, p. 237).

Sintetizam a importância das provas no processo penal, Lopes Júnior e Rosa (2015, online):

Sem dúvida a temática “provas” é o eixo central do Processo Penal, pois tudo gira em torno delas como instrumento recognitivo e persuasivo. A prova serve, a um só tempo, para buscar a reconstituição (aproximativa e parcial) de um fato passado, histórico, para um juiz ‘ignorante’ (pois ignora os fatos). É a prova que permite a atividade recognitiva (e não cognitiva, pois indireta) do juiz em relação ao fato histórico (story of the case) narrado pela acusação. Ao mesmo tempo tem uma função persuasiva, pois é através dela que se permite a construção do convencimento, da decisão. Por isso, as provas servem para obter a captura psíquica do julgador, para formar sua convicção.

É clara a importância da existência e do respeito ao instituto da cadeia de custódia da prova penal, pois esta é instrumento garantidor da aplicação da lei, uma vez que traz a garantia aos direitos do acusado, já que, sem a possibilidade de reconhecer a origem da prova, a forma de sua obtenção, a forma de seu armazenamento e, ainda, as possíveis corrupções e infecções da mesma, podem tornar o objeto da prova imprestável.

2.2 A CADEIA DE CUSTÓDIA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL

Ao tratar da cadeia de custódia no sistema processual penal brasileiro, faz-se necessário conceituar este instituto para melhor compreensão e desenvolvimento de suas funções no direito brasileiro.

Nesse sentido, partindo do entendimento de Dias Filho (2012, p. 404), o instituto da cadeia de custódia pode ser compreendido, como sugere o nome, como uma sequência de

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eventos interligados, de forma sequencial, os quais proporcionam a viabilidade e a validade ao desenvolvimento do ato seguinte, de forma a proteger a integridade de um vestígio do crime e de outros indícios que possam se tornar prova material, até o fim da ação penal.

Prado (2014, p. 16-17) alerta que, com isso, o instituto obtém, como foco, a discussão da possibilidade concreta de manipulação indevida do elemento probatório, justamente porque o instituto da cadeia de custódia da prova leva em consideração aspectos práticos como, por exemplo, a manipulação indevida do elemento probatório com o propósito de incriminar ou de isentar alguém de responsabilidade e, ainda, de questionar sua influência no âmbito do conhecimento judicial.

Complementando este entendimento, procurando estabelecer a função da cadeia de custódia, Prado (2014, p. 57) afirma que

O filtro processual contra provas ilícitas depende do rastreio das provas às fontes de prova (elementos informativos) e a ilicitude probatória, direta ou por derivação, é mais facilmente detectável na sequência desse rastro produzido entre as fontes de prova e os elementos (meios) probatórios propriamente ditos.

Assim, a validação dos eventos que permeiam a produção da prova e de sua custódia, são os procedimentos, as garantias, para a validade da prova, sendo que a perda de sua integridade, no todo ou em parte, traria a inadmissibilidade da prova e, se fosse admitida, tornaria a mesma ilegal.

A partir desse entendimento, a cadeia de custódia demonstra ser parte essencial para a viabilização do devido processo legal e de todas as garantias constitucionais, implicando que a negativa a seu respeito traga a violação ao direito do acusado.

Nesse sentido, de forma concisa pode se entender a cadeia de custódia conforme definida por Figueiredo e Sampaio (2020, p. 33): “Em breves palavras, a cadeia de custódia das provas é um procedimento contínuo e documentado para demonstrar a autenticidade das provas. Trata-se de um compromisso epistêmico em manter o material colhido com mais força, credibilidade e qualidade probatória”

Além disso, a cadeia de custódia cumpre função essencial como política criminal, a fim de evitar condenações errôneas, conforme diz Matida:

A função da cadeia de custódia da prova, definida como documentação cronológica do vestígio (que deve ser entendido de modo amplo), é justamente a de garantir que o elemento probatório que o juiz recebe na fase de instrução é confiável foi colhido, catalogado, manipulado, condicionado e transportado adequadamente até ser ingressado ao juízo. (Matida, 2020, online)

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Porém, há que se falar sobre o devido processo legal e porque tal conceito é tão importante para entender a cadeia de custódia e seu valor no dia a dia do direito processual penal, estendendo sua importância à própria manutenção do Estado Democrático de Direito.

Ao tratarmos do devido processo legal, estamos falando de direitos e de garantias fundamentais, mais precisamente, dos nossos direitos e deveres enquanto cidadãos, representados, especialmente, pelo direito e pelas garantias à liberdade, amplamente mencionada no contexto constitucional, pois sem ela não seria possível construir a sociedade atual. Neste sentido, Silva (2014, p. 236) aduz que

[...] o regime democrático é uma garantia geral da realização dos direitos humanos fundamentais. Vale dizer, portanto, que é na democracia que a liberdade encontra campo de expansão. É nela que o homem dispõe da mais ampla possibilidade de coordenar os meios necessários à realização de sua felicidade pessoal. Quanto mais o processo de democratização avança, mais o homem se vai libertando dos obstáculos que o constrangem, mais liberdade conquista.

Contudo, apenas a garantia de que tenhamos liberdade não se mostra suficiente, devem existir instrumentos para sua função, e é neste ponto que temos o processo penal.

Para contextualizar melhor tais ideias, prevê a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LIV: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;” (BRASIL, CRFB, 2020).

Assim, podemos entender que o caminho que se deve percorrer para a compreensão de um instituto começa pelos princípios basilares e formadores de nossa Constituição. Conforme apontado por Silva (2014, p. 236), a liberdade é pressuposto para que o homem viva, é um direito e garantia do processo histórico de democratização do Estado e da sociedade. O autor continua, afirmando que a liberdade individual e coletiva não poderá ser cerceada pelo Estado sem que haja o devido processo legal, caracterizado, portanto, como o instrumento necessário à defesa do direito de liberdade.

De outro modo, é válido acrescentar que o devido processo legal engloba diversas outras garantias constitucionais, complexando seu conhecimento e sua importância, conforme aponta Silva (2014, p. 435), quando aduz que

Combinado com o direito de acesso à Justiça, (art. 5º, XXXV, CRFB) e o contraditório e a plenitude de defesa (art. 5º, LV, CRFB), fecha-se o ciclo das garantias processuais. Garante-se o processo, e quando se fala em ‘processo’, e não em simples procedimento, alude-se, sem dúvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu, segundo imperativos da ordem jurídica. E isso envolve a garantia do contraditório, da plenitude de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais (grifo do autor).

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Continuamente, o devido processo legal liga-se com diversos outros direitos, deveres e garantias individuais, consoante assinalou o Supremo Tribunal Federal sobre o tal princípio no processo penal:

O exame da cláusula referente ao ‘due process of law’ permite nela identificar alguns elementos essenciais à sua configuração como expressiva garantia de ordem constitucional, destacando-se, dentre eles, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas: (a) direito ao processo (garantia de acesso ao Poder Judiciário); (b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação; (c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações indevidas; (d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à autodefesa e à defesa técnica); (e) direito de não ser processado e julgado com base em leis ‘ex post facto’; (f) direito à igualdade entre as partes; (g) direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas de ilicitude; (h) direito ao benefício da gratuidade; (i) direito à observância do princípio do juiz natural; (j) direito ao silêncio (privilégio contra a autoincriminação); (l) direito à prova; e(m) direito de presença e de ‘participação ativa’ nos atos de interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais passivos, quando existentes. (BRASIL, STF, 2009, p. 5).

Frente aos apontamentos feito pelo Supremo Tribunal Federal, há que se salientar a importância do devido processo legal, ressaltando-se o direito à citação e o conhecimento prévio do teor da acusação, o direito ao contraditório e a plenitude de defesa, o direito à igualdade entre as partes, o direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas de ilicitude e, ainda, o próprio direito à prova.

Assim, a cadeia de custódia da prova penal terá influência direta e indireta em relação a cada um dos direitos apontados. Quanto à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação, tais direitos correspondem à objetividade e à clareza da denúncia ao expor os fundamentos e os indícios que motivaram a deflagração da ação penal, pois sabe-se que a produção de provas inicia-se no inquérito, haja vista a particularidade de produção de certas provas, como a testemunhal.

Dessa forma, a obscuridade, a ausência de clara informação e de suas origens, podem confrontar o direito ao prévio conhecimento do teor da acusação, dificultando a defesa prévia do acusado.

Explica Lopes Júnior (2019, p. 198) que

Deve a acusação ser portadora de elementos – geralmente extraídos da investigação preliminar (inquérito policial) – probatórios que justifiquem a admissão da acusação e o custo que representa o processo penal em termos de estigmatização e penas processuais. Caso os elementos probatórios do inquérito sejam insuficientes, deve i juiz rejeitar a acusação.

Assim, o respeito à cadeia de custódia dos elementos probatórios, confere segurança à denúncia oferecida pelo órgão acusador, pois este também faz parte do sistema,

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não se devendo vilanizar o órgão acusador, possibilitando que o acusado tenha pleno conhecimento dos elementos que levaram à persecução penal.

No que tange ao direito ao contraditório, à ampla defesa e à incidência da cadeia de custódia no exercício destes direitos, reforça-se a questão da clareza e da segurança na produção de provas, como exemplo, qual segurança pode ser obtida de um exame de DNA feito por um laboratório de baixa competência? A probabilidade de haver contaminação da prova, desde seu armazenamento, meio de produção e apresentação - é necessário haver protocolos e apresentação destes requisitos, a fim de que se possa conferir à prova a característica de confiabilidade.

Complementando tal entendimento, esclarece Matida (2020, online) que

[...] podemos voltar às disposições legais concernentes à cadeia de custódia, vê-se que o objetivo é de assegurar que os elementos mostrados ao juiz (i) sejam os mesmos encontrados na cena do crime e que, além disso, (ii) não tenham sofrido adulterações. Neste passo, é relevante garantir, respectivamente, a mesmidade([5]) e a integridade, porque são estas as características que tornam o elemento probatório confiável. Só a partir do asseguramento da fiabilidade (ou confiabilidade), que ele poderá integrar o raciocínio probatório por meio do qual, por sua vez, o juiz buscará determinar a ocorrência dos fatos considerados relevantes para aquele processo. Assim, a confiabilidade da prova apresentada ao juiz também é fundamental para a possibilidade de defesa, que só conseguirá exercer esse direito, de forma integral, caso possa identificar, com clareza, quais são as provas apresentadas, seu grau de confiabilidade e integridade, exercendo a defesa técnica formal, além da material.

Ao falarmos do direito à igualdade entre as partes e no que este direito se relaciona com o instituto da cadeia de custódia, deve-se ter cuidado em sua exposição. A princípio, a igualdade entre as partes importa, uma vez que as provas produzidas em inquérito e todos os outros vestígios não trazidos são custodiados pelo órgão acusador, o qual os mantém sob seus cuidados. Obviamente, não se pretende instaurar a desconfiança em relação ao órgão acusador ou descredibilizar seu trabalho na produção de provas, mas sim buscar igualar as condições para conhecimento, produção e apresentação de tais provas. Assim, obviamente, não se espera que o órgão acusado busque a condenação a qualquer preço, e sim que seja parte para viabilizar o processo judicial e atender aos interesses sociais.

Nessa esteira, percebe-se que tal pensamento funda-se nos ensinamentos de Carnelluti, que afirma que “a parcialidade deles é o preço que se deve pagar para obter a imparcialidade do juiz, que é, pois, o milagre do homem, enquanto, conseguindo não ser parte, supera a si mesmo” (2009, p. 47).

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Doutrinariamente, partindo-se dos princípios oriundos da Teoria Geral do Processo – especialmente do livre convencimento do juiz e do princípio da persuasão racional do juiz - reconhece-se a parcialidade das partes como requisito para imparcialidade do juiz

Confrontando a postura ministerial a partir do inquérito policial e a transição para a persecução penal, entende-se que tal órgão deve trabalhar para além da impessoalidade.

Nesse sentido, contribui Lopes Júnior (2020, p. 659), demonstrando a relação do respeito a cadeia de custódia e da transparência nas provas apresentadas no processo, principalmente aquelas em que apenas o acusador teve contato:

A manutenção da cadeia de custódia garante a “mesmidade”, evitando que alguém seja julgado não com base no “mesmo”, mas no “selecionado” pela acusação. A defesa tem o direito de ter conhecimento e acesso às fontes de prova e não a material “que permita” a acusação (ou autoridade policial). Não se pode mais admitir o desequilíbrio inquisitório, com a seleção e uso arbitrário de elementos probatórios pela acusação ou agentes estatais.

Contudo, deve-se ser feito um contraponto, pois a possibilidade da imparcialidade pelo representante do Ministério Público pode tornar a sistemática processual inviável ou desestruturada.

James Goldschimidt apud Lopes Júnior (2008, p. 66), diz que o problema de exigir imparcialidade de uma parte acusadora significa cair no mesmo erro psicológico que fez desacreditar o processo inquisitivo, qual seja, que uma mesma parte exerça duas funções, no caso, a acusatória e a fiscalizadora.

Porém, não se confunde a total imparcialidade com a real questão a ser discutida, pois é necessária a parcialidade das partes para que seja possível a imparcialidade do juiz, uma vez que não se pode acusar sem convicção e, obviamente, embasamento.

Sendo assim, o problema inicia-se no inquérito policial e nas investigações preliminares, dado o motivo pelo sistema processual vigente.

Há produção de provas no inquérito que, por diversas vezes, não poderão ser reproduzidas na seara judicial, sendo primordialmente produzidas por apenas um dos lados da demanda: a acusação. Não obstante, toda a prova produzida até então é gerenciada pelo Ministério Público e pela autoridade policial, sendo que, na esfera judicial, são apresentadas apenas as provas selecionadas. Eis aqui a segunda parte da problemática e ponto de vital importância acerca do respeito ao instituto da cadeia de custódia, pois não há processo penal democrático sem a paridade de armas entre as partes.

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Havendo a impossibilidade de o Ministério Público ser imparcial, pode este apresentar apenas as provas que convêm à acusação? Entende-se que não, pois a função fiscalizadora e de atender aos interesses da sociedade também vão ao encontro da justiça.

Nesse sentido, afirma Streck (2019, p. 4),

Todavia, há episódios em número relevante que justificam a construção de blindagens ao agir estratégico do órgão acusador. Basta seguirmos o que acontece em países democráticos e adiantados. Veja-se que o direito do common law é cantado em prosa e verso no Brasil. Pois então, porque não usar o que acontece nos EUA, como ficou estabelecido no caso Brady versus Mariland, pelo qual a acusação é obrigada a entregar à defesa eventuais evidências que possam exonerar o réu. Continuamente, relembra Streck (2019, p. 4), que o Brasil adota e segue o Estatuo de Roma. Afirma o autor que

Como agente público, o MP deve ser imparcial, ou, diria melhor, equidistante. Sua meta deve ser a busca da equanimidade (fairness). O presente projeto de lei, seguindo o Estatuto de Roma (já incorporado ao direito brasileiro), obriga o agente do MP a buscar a verdade do processo para a acusação e, também, a favor do indiciado ou acusado. Justiça para todos, em uma linguagem simples. É por isso, afinal, que a CF diz que o MP é o fiscal da lei e o guardião da legalidade e da constitucionalidade (STRECK, 2019, p. 4).

Estabelece-se, dessa forma, a contradição trazida por diversos autores, sendo impossível cobrar a imparcialidade do Ministério Público no Processo Penal, deve-se ater a que, na produção de provas e em todo seu agir, o parquet deve procurar a justiça e não a condenação, sendo por isso possível o pedido de absolvição ao final da ação penal.

Por consequência, a atuação ministerial como fiscal, ainda que como parte do processo penal, faz com que o juiz siga mais estreitamente o caminho da imparcialidade, evitando a seletividade e a discricionariedade punitiva.

Vencidas as questões referentes à igualdade entre as partes e ao papel estabelecido ao órgão acusador no processo penal brasileiro, trabalharemos os últimos direitos e/ou garantias apontadas pela Suprema Corte: o direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas de ilicitude e o direito à prova. Tais direitos misturam-se e complementam-se, pois um não existiria sem o outro.

Inicialmente, cabe ressaltar que a produção de provas, no processo penal, é incumbência das partes, exclusivamente. Não sendo permitido que o juiz aja de ofício a procura de provas, assumindo uma postura de inquisidor.

Nesse sentido, aponta Rosa (2014, p. 177) que

A produção das informações relevantes, para efeito da decisão, é função dos jogadores, descabendo qualquer atribuição ao julgador. O regime de prova, desta forma, não pode ser lido conforme as disposições equivocadas do CPP (art. 155 e segts), mas de maneira constitucionalizada (grifo do autor).

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Dessa forma, existe a delimitação do direito de prova às partes, não sendo permitido de forma alguma a interferência direta do Estado nessa função ativa, cabendo a este tão somente delimitar os procedimentos das produções de provas via legislação e, dentro do Judiciário, cabendo a atuação do juiz na análise de admissibilidade das provas apresentadas.

No que tange ao direito à prova, este pode ser entendido e incluído também no direito ao contraditório, conforme assinala Lopes Júnior (2019, p. 365): “A defesa técnica obriga (e garante) a presença do defensor em todos os atos do processo, principalmente em matéria probatória”. Pois o direito de prova é necessário para a devida instrução processual, uma vez que negar e defender-se das acusações e das provas trazidas é parte da fase probatória para formação do conhecimento do juiz sobre os fatos.

Esse direito, alude à forma como é conduzido o processo penal e à dinâmica probatória, pois, como é sabido, o órgão acusador possui o dever de trazer as provas e as informações ao processo, permitindo a que a defesa exerça seu direito ao contraditório e seu direito à prova.

Outra diretriz do direito de prova, liga-se também com o princípio nemo tenetur se detegere, conhecido no sistema brasileiro como vedação da produção de provas contra si mesmo. Assim, o acusado tem a possibilidade de recusar enfrentar atos, exames, perícias que possam levar a seu malefício. Esclarece Lopes Júnior (2019, p. 367) que

A defesa pessoal negativa, como o próprio nome diz, estrutura-se a partir de uma recusa, um não fazer. É o direito de o imputado não fazer prova contra si mesmo, podendo recursar-se a praticar todo e qualquer ato probatório que entenda prejudicial à sua defesa (direito de calar no interrogatório, recusar-se a participar de acareações, reconhecimentos, submeter-se a exames periciais etc.).

Esclarecidos alguns pontos referentes ao direito à prova, dar-se-á foco à legalidade das provas, a seus meios de produção e aos requisitos de sua admissibilidade no processo penal.

Em seu artigo 5º, inciso LVI, a Constituição Federal prevê que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;” (BRASIL, CRFB, 2020), estabelecendo expressamente a inadmissibilidade das provas ilícitas no processo em geral.

Também consta expressamente no Código de Processo Penal, em seu artigo 157, caput, que “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais” (BRASIL, CPP, 2020).

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Para destacar a importância de tais preceitos, é possível reconhecer que no sistema judicial brasileiro temos o que pode ser chamado de sistema do livre conhecimento motivado ou persuasão racional do juiz na condução dos processos penais e em suas decisões.

Tal sistema é estabelecido no artigo 155 do Código de Processo Penal:

Art. 155 O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em

contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas (BRASIL, CPP, 2020).

Assim, podemos perceber que há vedação expressa acerca das provas ilícitas e pode-se compreender que, diante do sistema de conhecimento e de decisão estabelecido aos juízes, a importância das provas ilícitas e de sua admissibilidade ou não no processo.

Tal liberdade, concedida ao juiz, para montar seu livre convencimento motivado não é injustificado, conforme estabelece Lopes Júnior (2019, p. 369) quando afirma que

Ela se refere à não submissão do juiz a interesses políticos, econômicos ou mesmo a vontade da maioria. A legitimidade do juiz não de corre do consenso, tampouco da democracia formal, senão do aspecto substancial da democracia, que o legitima enquanto guardião da eficácia do sistema de garantias da Constituição na tutela do débil submetido ao processo.

Assim, em consequência, uma prova obtida ilegalmente pode gerar uma sentença condenatória ilegal, lembrando de que o que está em jogo no processo é a vida de um ser humano e sua liberdade, devendo evitar-se ao máximo evitar riscos de decisões errôneas ou ilegais.

Entende-se, por fim, que a legalidade das provas ou a proibição das provas ilícitas, no processo penal, é parte indiscutível do devido processo legal, não havendo legalidade ou possibilidade de chegar a seu fim sem o respeito a tal princípio.

2.3 A LEGISLAÇÃO VIGENTE NO BRASIL

Recentemente, o advento da Lei nº 13.964/19, conhecida com Pacote Anticrime, trouxe a tipificação do instituto da cadeia de custódia. Ressalta-se que a mencionada lei trouxe diversas outras mudanças para o sistema penal e processual penal brasileiro, havendo grande repercussão no mundo jurídico e mantendo o debate sobre seus itens ainda hoje.

Dessa forma, neste item, desenvolve-se a apresentação e a explicação das inovações trazidas sob uma perspectiva legal, sobre o texto promulgado, trabalhando os conceitos doutrinários, sempre à luz da Constituição.

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Inicialmente, introduziram-se, no sistema brasileiro, os artigos 158-A, 158-B. 158-C, 158-D, 158-E e 158-F do Código de Processo Penal, disciplinando a matéria acerca da cadeia de custódia.

O artigo 158-A define o que é a cadeia de custódia e delimita seu termo inicial, além de conceituar o que são os vestígios mencionados na lei. In verbis:

Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.

§ 1º O início da cadeia de custódia dá-se com a preservação do local de crime ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio.

§ 2º O agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial fica responsável por sua preservação.

§ 3º Vestígio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração penal. (BRASIL, CPP, 2020).

No tocante a esse dispositivo legal, Borri e Soares (2020, p. 5) esclarecem que

O art. 158-A, conforme explicitado anteriormente, fixa o conceito legal de cadeia de custódia com o escopo de esclarecer seu significado (história cronológica) e âmbito temporal, uma vez que o rastreio da posse e manuseio deve compreender desde a etapa de coleta e reconhecimento do vestígio no local ou em vítima de crime até a fase de descarte.

Partindo desta breve explicação, primeiramente verifica-se a conceituação estabelecida no caput do artigo 158-A do Código de Processo Penal, o qual aponta que a cadeia de custódia é o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, sendo que seu rastreamento manuseio e reconhecimento podem ser feitos até o descarte.

Pode-se entender, então, que a cadeia de custódia trata da cronologia dos vestígios coletados a fim de esclarecer o fato, estabelecendo procedimentos que garantam a confiabilidade do material manuseado.

É aqui que fica claro o porquê da palavra cadeia ser usada neste conceito, por haver o ligamento de ações, de procedimentos que sequenciam e que se ligam com a finalidade de garantir um resultado lógico e possível de ser verificado, pois há um encadeamento das ações, onde uma depende da outra para sua realização.

Percebe-se, também, que a descrição do instituto da cadeia de custódia muito se assemelha com a função da prova no processo penal, conforme demonstra Lopes Júnior (2019, p. 342), ao argumentar que “[...] pretende-se realizar uma reconstrução aproximada dos fatos, a qual somente poderá ocorrer mediante as provas, possibilitando ao juiz a atividade recognitiva que será externada na sentença”.

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No que tange aos parágrafos primeiro e segundo do referido artigo 158-A do Código de Processo Penal, deve-se ater a dois pontos principais, primeiramente a responsabilidade do agente policial ao entrar em contato com vestígios do crime, uma vez que é o responsável pelas primeiras ações que envolvem a constatação e a preservação dos vestígios percebidos.

Em consonância com o artigo 6º do Código de Processo Penal, percebe-se que já havia previsão, de forma muito mais tímida e restrita, acera das ações a serem tomadas pela autoridade policial. In verbis:

Art. 6º: Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;

II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;

III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias; [...] (BRASIL, CPP, 2020).

Percebe-se, dessa forma, que, com as atualizações trazidas pela Lei 13.694/2019, ambos os artigos supramencionados complementam-se, de forma que estabelecem o início da cadeia de custódia, sendo que todos os passos, a partir de tal ponto, serão devidamente estabelecidos pela lei e sua quebra analisada desde então.

Feita a leitura de ambos os artigos, entende-se também que a cadeia de custódia não se inicia somente com o local do crime, também começa com a chegada de materiais aos peritos e às autoridades policiais, que não necessariamente têm contato com o local do crime.

Por fim, mas não menos importante, extrai-se do parágrafo terceiro o conceito de vestígio no instituto da cadeia de custódia, o qual será fortemente referenciado no decorrer deste trabalho, sendo parte vital das atualizações trazidas pelo Pacote Anticrime.

Desta forma, define-se vestígio como “[...] todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração penal” (BRASIL, CPP, 2020).

Ante o exposto, percebe-se que o a redação dada a este parágrafo é um tanto restrita, levando à interpretação de que a cadeia de custódia aplica-se apenas para vestígios e provas materiais, descolando-se de outras provas ou vestígios que podem ser custodiados, sendo, por este motivo, criticado por Matida (2020, online), ao afirmar que

Essa definição merece críticas: não há por que assumir definição jurídica tão estreita quando o que importa é que seja capaz de auxiliar na determinação da infração penal. Inegável que coisas que podemos pegar são qualificáveis como vestígios, mas não há razão para deixar-se de reconhecer que uma troca de e-mails, uma interceptação telefônica, ou mesmo a memória de alguém também apresentam potencial de reconstruir fatos juridicamente relevantes.

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Seguindo na mesma linha, a importância do instituto da cadeia de custódia não poderia ou deveria ficar restrita a tal definição, pois hoje percebemos um mundo altamente conectado e interligado por diversos canais de comunicações, onde provas advindas do meio digital são tão valiosas e comuns quanto a provas materiais, físicas.

Dentro desse mesmo espectro, pode-se questionar acerca de um preconceito sobre o que é crime, uma vez que se reforça a ideia de que crime deve ter local físico, deve ser material e envolver ações em pessoa, afastando a incidência da cadeia de custódia nas provas encontradas em meio digital e modernizados.

Além disso, deve-se também cuidar das pessoas envolvidas, especialmente em relação à prova testemunhal e sua confiabilidade. Assim, a memória também pode ser alvo da cadeia de custódia, protegendo-se tal material de possíveis corrupções ou manipulações.

Apesar das críticas à redação estabelecida para o artigo 158-A do Código de Processo Penal, há precedentes que apontam que a interpretação de tal dispositivo legal deve ir além, conforme as palavras da relatora Ministra Aussete Maglhães na decisão no Habeas Corpus 160.662/RJ:

[...] X. Apesar de ter sido franqueado o acesso aos autos, parte das provas obtidas a partir da interceptação telemática foi extraviada, ainda na Polícia, e o conteúdo dos áudios telefônicos não foi disponibilizado da forma como captado, havendo descontinuidade nas conversas e na sua ordem, com omissão de alguns áudios. XI. A prova produzida durante a interceptação não pode servir apenas aos interesses do órgão acusador, sendo imprescindível a preservação da sua integralidade, sem a qual se mostra inviabilizado o exercício da ampla defesa, tendo em vista a impossibilidade da efetiva refutação da tese acusatória, dada a perda da unidade da prova. XII. Mostra-se lesiva ao direito à prova, corolário da ampla defesa e do contraditório - constitucionalmente garantidos -, a ausência da salvaguarda da integralidade do material colhido na investigação, repercutindo no próprio dever de garantia da paridade de armas das partes adversas [...] (BRASIL, STJ, 2014). Contudo, novas decisões e acórdãos serão produzidos com fundamento no artigo 158-A do Código de Processo Penal e o precedente em comento poderá ou não ser reafirmado.

Parece claro que tal precedente confirmar-se-á, pois, em um mundo conectado e em constante modernização, a tutela dos objetos virtuais também deve ser abarcada pela lei e enfrentada de forma séria e metódica, conforme estabelece o instituto da cadeia de custódia.

Figueiredo e Sampaio (2020, p. 35), contribuindo para a compreensão do mencionado dispositivo legal e assumindo um olhar crítico, mencionam que

A partir desse primeiro elemento, é possível assegurar o segundo – a sua rastreabilidade –, permitindo que se refaçam todos os passos da cadeia de custódia, identificando todas as pessoas que tiveram acesso e verificando eventuais quebras desta.

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Ou seja, deve-se ressaltar como a ordem dos artigos estabelecidos pela Lei nº 13.964/2019 estrutura a construção da cadeia de custódia de forma lógica, onde o estabelecimento da conceituação do que é a cadeia de custódia traça o caminho para que sejam entendidos seus procedimentos.

Vencido tal ponto, segue-se para a análise do artigo 158-B do Código de Processo Penal, cujo teor é transcrito a seguir:

Art. 158-B. A cadeia de custódia compreende o rastreamento do vestígio nas seguintes etapas:

I - reconhecimento: ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial;

II - isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo isolar e preservar o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de crime; III - fixação: descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de crime ou no corpo de delito, e a sua posição na área de exames, podendo ser ilustrada por fotografias, filmagens ou croqui, sendo indispensável a sua descrição no laudo pericial produzido pelo perito responsável pelo atendimento;

IV - coleta: ato de recolher o vestígio que será submetido à análise pericial, respeitando suas características e natureza;

V - acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é embalado de forma individualizada, de acordo com suas características físicas, químicas e biológicas, para posterior análise, com anotação da data, hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento;

VI - transporte: ato de transferir o vestígio de um local para o outro, utilizando as condições adequadas (embalagens, veículos, temperatura, entre outras), de modo a garantir a manutenção de suas características originais, bem como o controle de sua posse;

VII - recebimento: ato formal de transferência da posse do vestígio, que deve ser documentado com, no mínimo, informações referentes ao número de procedimento e unidade de polícia judiciária relacionada, local de origem, nome de quem transportou o vestígio, código de rastreamento, natureza do exame, tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem o recebeu;

VIII - processamento: exame pericial em si, manipulação do vestígio de acordo com a metodologia adequada às suas características biológicas, físicas e químicas, a fim de se obter o resultado desejado, que deverá ser formalizado em laudo produzido por perito;

IX - armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições adequadas, do material a ser processado, guardado para realização de contraperícia, descartado ou transportado, com vinculação ao número do laudo correspondente;

X - descarte: procedimento referente à liberação do vestígio, respeitando a legislação vigente e, quando pertinente, mediante autorização judicial (BRASIL, CPP, 2020). O caput do artigo estabelece quais serão as etapas estabelecidas na cadeia de custódia da prova penal, de forma cronológica, devendo ser tratada, ponto a ponto, de acordo com seus dez incisos.

Em seu primeiro inciso, a Lei trata do reconhecimento do vestígio, que poderá ser alvo de perícia, e de sua produção em prova penal.

Conforme já salientado, aqui encontramos o problema da restrição do conceito de vestígio estabelecido em lei, pois apenas será alvo de perícia ou de maiores investigações,

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vestígios físicos e materiais, excluindo-se, portanto, diversas outras modalidades de prova que poderiam ser alvo de perícia.

Nota-se que o legislador certificou-se de definir todos os conceitos trazidos pelo artigo. Dessa forma, o reconhecimento do vestígio é definido como a análise de um elemento de potencial interesse para a produção da prova pericial.

Nesse caminho, Figueiredo e Sampaio compreendem que

A atividade investigativa, ou mesmo a polícia ostensiva, que se depara com o fato deve tentar analisar todas as circunstâncias geradoras e geradas pelo ato criminoso. Diante desse quadro, o reconhecimento do vestígio é caracterizado pelo ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial. Muito embora o reconhecimento esteja caracterizado como uma das etapas da cadeia de custódia, não é uma atividade intrínseca da mesma, mas uma análise extrínseca que indicará a importância do consequente procedimento de obtenção da prova (2020, p. 41).

Entendida a primeira etapa estabelecida no artigo, seguem-se as ações para a o ato de isolamento do vestígio, conforme estabelecido no artigo 158-B, II, do Código de Processo Penal.

Usando da definição estabelecida pelo legislador, o ato de isolamento do vestígio consiste em evitar que este seja alterado ou que se interfira no estado das coisas e/ou no local, devendo-se, para tanto, isolar-se e preservar-se “o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de crime” (BRASIL, CPP, 2020).

Figueiredo e Sampaio (2020, p. 42) apresentam a seguinte conceituação:

A segunda etapa da cadeia de custódia é caracterizada como ato intrínseco à mesma, na medida em que tem como objetivo a preservação dos vestígios a serem coletados e processados pelos peritos e o local dos fatos. Logo o isolamento é o ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo-se isolar e preservar o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de crime

O ponto principal de tal ato é evitar possíveis contágios ao vestígio isolado, para que se mantenham suas características e/ou propriedades, evitando-se, assim, qualquer tipo de manipulação que possa ocorrer sobre ele.

O ato de isolar estabelecido reflete diretamente na prova recebida pelo juiz, consoante explica Matida (2020, online), quando afirma que “[...] vê-se que o objetivo é de assegurar que os elementos mostrados ao juiz (i) sejam os mesmos encontrados na cena do crime e que, além disso, (ii) não tenham sofrido adulterações.”

É evidente que tal inciso tem suma importância quando se trata de vestígios materiais, como coletas de sangue, uma vez que qualquer adulteração levará à inutilidade da prova coletada e analisada. Porém quando se trata de provas imateriais, apenas o isolamento

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não é garantia de que a prova chegará inalterada, sendo necessário, portanto, maiores procedimentos para sua preservação.

Seguindo o encadeamento dos atos definidos pelo legislador, a fixação é definida como uma descrição detalhada do local, do objeto, dos indícios, dos vestígios relativos ao crime, devendo-se utilizar os meios necessários para a devida fixação destes através de fotografias, filmagens, croqui, sendo estes indispensáveis na apresentação do laudo pericial.

Nessa mesma perspectiva, Figueiredo e Sampaio (2020, p. 43) conceituam a fixação como ato de descrição do local do crime e dos vestígios, afirmando que

Para que haja a coleta de forma regular, a investigação deve se preocupar com todos os elementos que farão parte da prova técnica. Por isso, a fixação é caracterizada pelo ato de descrever, de forma detalhada, os vestígios conforme se encontram no local do crime ou no corpo de delito, bem como sua posição na área de exames, podendo ser ilustrada por fotografias, filmagens ou croqui, sendo indispensável a sua descrição no laudo produzido pelo perito responsável pelo atendimento in loco. A fixação garante ao vestígio e à prova um maior grau de confiabilidade. Ao garantir a fixação por diversos meios técnicos cabíveis à situação, pode-se ter parâmetros para comparação da prova apresentada em juízo e sua origem, possibilitando a análise regressa do vestígio e auxiliando em sua preservação como valor probatório.

No que tange à coleta dos vestígios, trabalha-se tanto a coleta como o acondicionamento, conforme estabelecido no texto legal, por ambos serem atos que tratam da coleta e do seu modo.

Quanto à coleta, estabelece o legislador que é o ato de recolher o vestígio que será submetido à análise pericial, respeitando-se suas características e natureza.

A coleta é parte importante, apesar da definição muito simples obtida a partir da lei, pois, após a coleta, qualquer outro elemento ou potencial prova não poderão ser reobtidos, uma vez que tal tentativa significaria a quebra da cadeia de custódia.

Desta forma, é importante que a coleta seja feita de forma cuidadosa e completa, pois o recolhimento parcial de certo vestígio pode tornar a futura prova inútil, perdendo-se o seu propósito.

Quanto aos meios utilizados para a coleta, omite-se propositalmente o artigo, dependendo-se, nesta parte, do conceito de acondicionamento. Nesse sentido, acondicionamento pode ser entendido, conforme explicam Figueiredo e Sampaio (2020, p. 43) como

O cuidado com a cadeia de custódia deve ocorrer desde o início das etapas até a sua valoração ou a prova da regularidade do procedimento. Por isso, acondicionamento regular resultará na possibilidade de manipulação sem riscos de contaminação com elementos externos aos vestígios. Assim, o acondicionamento se conceitua pelo

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procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é embalado de forma individualizada, de acordo com suas características físicas, químicas e biológicas, para posterior análise, com anotação da data, hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento.

A partir deste conceito, que se estende também a elementos não físicos e imateriais, o acondicionamento pode ser compreendido como o estabelecimento de condições para coleta do vestígio e da potencial prova.

Sendo assim, o método empregado deve garantir as melhores condições possíveis para a coleta, evitando-se qualquer tipo de manipulação ou riscos de contaminação por parte de elementos externos.

Conforme ressaltado pelo próprio texto legal, atém-se à natureza do vestígio e a suas características, individualizando-se o procedimento tomado para cada situação, estabelecendo-se a necessidade das anotações de data, hora e nome da autoridade que realizou a coleta e o acondicionamento.

Corroborando esse entendimento e reforçando a importância do acondicionamento, explica Matida (2020, online) que

Neste passo, é relevante garantir, respectivamente, a mesmidade e a integridade, porque são estas as características que tornam o elemento probatório confiável. Só a partir do asseguramento da fiabilidade (ou confiabilidade), que ele poderá integrar o raciocínio probatório por meio do qual, por sua vez, o juiz buscará determinar a ocorrência dos fatos considerados relevantes para aquele processo. Faz sentido: sem a cadeia de custódia, como confiar, por exemplo, que o resultado de DNA trazido ao processo corresponde, de fato, ao material colhido na cena do crime (mesmidade em xeque)? Se não há documentação cronológica do DNA, omitindo-se de que maneira foi coletado, manipulado e conservado, como confiar que seu resultado não foi adulterado (integridade em xeque)?

Ressalta-se a importância da coleta e do acondicionamento para a segurança da prova apresentada, sendo possível verificar como foi feito o recolhimento do vestígio, o método utilizado, a cronologia dos atos, assegurando-se, assim, a utilidade da prova apresentada.

Assim corrobora Lopes Júnior (2020, p. 659), exemplificando o acondicionamento dos vestígios coletados:

É a discussão sobre a validação científica dos métodos de análise, ou seja, como no caso do questionamento acerca da validade dos testes a partir da natureza das amostras biológicas utilizadas. É sabido, por exemplo, que as amostras encontradas em superfícies não estéreis (como sói ocorrer) podem sofrer danos após o contato com a luz solar, micro-organismos e solventes naturais, podendo levar a equívocos na interpretação ou diminuição da confiabilidade dos resultados.

Posteriormente à fase de coleta acondicionamento, a norma estabelece como será feito o transporte dos vestígios.

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Nessa parte, o legislador procurou ser objetivo e claro, estabelecendo que o transporte é o ato de transferir o vestígio de um local para o outro, respeitando-se sua natureza e características, utilizando-se dos meios adequados, de modo a garantir a manutenção do seu estado.

Estabelecido como será feito o transporte, em seguida, explica-se como deverá ser feito o recebimento dos vestígios. Explicam Figueiredo e Sampaio (2020, p. 44) que o recebimento é

ato formal de transferência da posse do vestígio. Conforme dispõe o art. 158-E do CPP, torna-se imperiosa a presença de uma central de custódia em todos os Institutos de Criminalística. Consequentemente, será na central de custódia o ato formal de recebimento, com serviços de protocolo para armazenamento do material coletado e espaço seguro a apresentar condições ambientais que não interfiram nas características do vestígio.

Além de tal conceituação, o legislador traz outros pontos necessários para o devido ato de recebimento, quais sejam:

Art. 158-B [...]

VII – [...] a documentação com, no mínimo, informações referentes ao número de procedimento e unidade de polícia judiciária relacionada, local de origem, nome de quem transportou o vestígio, código de rastreamento, natureza do exame, tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem o recebeu. (BRASIL, CPP, 2020).

Tratando do transporte e do recebimento, denota-se a importância que é dada aos agentes envolvidos nestes atos, procurando sempre ter o registro de quais pessoas estiveram em contato com os vestígios, buscando-se sempre que estas representem a menor quantidade possível, a fim de garantir a segurança e o menor risco de adulteração da prova.

Assim, argumenta Lopes Júnior (2020, p. 658) que

A preservação da cadeia de custódia exige grande cautela por parte dos agentes do estado, da coleta à análise, de modo que se exige o menor número de custódios possível e a menor manipulação do material. O menor número de pessoas manipulando o material faz com que seja menos manipulado e a menor manipulação conduz a menor exposição. Expor menos é proteção e defesa da credibilidade do material probatório.

Salienta-se que a credibilidade do material probatório é a finalidade buscada em cada procedimento adotado pela legislação para o instituto da cadeia de custódia, pois a menor exposição possível do material e a menor manipulação pela menor quantidade de pessoas é parte crucial no encadeamento de todos os atos.

Neste passo, o próximo ato a ser tomado é definido como processamento do vestígio. Neste item, entende-se e conceitua-se que é o trabalho técnico exercido por profissional adequado, do qual o substrato será o laudo pericial apresentado em juízo.

(28)

A metodologia a ser usada dependerá das características apresentadas pelo vestígio, devendo sempre ser fichada e explanada junto ao laudo para que se possa conferir o meio utilizado, credibilizando-se o valor probatório e permitindo-se que seja feita a devida impugnação em casos errôneos.

Por fim, a norma em comento estabelece, em seus últimos incisos, os atos de armazenamento e de descarte.

Figueiredo e Sampaio (2020, p. 44) conceituam o ato de armazenar da seguinte maneira:

Com a alteração realizada pela Lei 13.964/19 e a imposição de criação de espaços específicos para a permanência de todos os elementos importantes para a elucidação do caso, após a realização da perícia o material deverá ser devolvido às centrais de custódia, devendo nela permanecer (art. 158-F do CPP). O procedimento destinado à guarda do material a ser processado, em condições adequadas, destina-se à possibilidade de nova manipulação ou mesmo, e especialmente, à eventual contraperícia, condizente com a observância de um efetivo contraditório ou de proteção ao inocente. A imprescindibilidade dessa etapa, não obstante parecer natural à realização das perícias em geral, não possuía observância normativa e muito menos prática. Coube à alteração legislativa dizer o óbvio, para que não haja impossibilidade de contraperícias ou novas perícias com o material coletado. Compreendendo o conceito apresentado, reforça-se a importância de que o ato de armazenar, em um primeiro momento, possibilita que o vestígio possa ser reanalisado, em caso de necessidade para fins de contraprova ou em caso de falha procedimental primeiramente utilizada, porém deve-se ater às necessidades específicas de cada vestígio coletado e suas propriedades.

Nesse diapasão, existem diversos elementos que podem possuir prazo de validade e, em razão disso, o tempo e o mau armazenamento podem destruir o valor probatório do vestígio. Nesse sentido, a necessidade do estabelecimento de métodos para armazenar encaminha para a necessidade de uma central de custódia com agentes especializados e com equipamentos que permitam o desenvolvimento do trabalho.

Reforça-se, também, a necessidade da tipificação de tal ato pelo legislador, pois, apesar da obviedade da importância de haver armazenamento e de que este esteja realizado de forma adequada, sua ausência em legislação atribuía um ônus à parte que ousasse contrapor-se a tal prova.

Além do armazenamento, trabalha-se também o descarte dos vestígios, tal ponto já era previsto em outros textos legais, como na Lei de Drogas (Lei 11.343/06), onde, após a apreensão da droga e feita a perícia, era realizada a incineração dos vestígios coletados.

(29)

Quando não se mostrar mais necessário o armazenamento do material colhido, será realizado o procedimento referente à liberação do vestígio, sempre com respeito à legislação específica e, quando necessário, ocorrerá o descarte mediante determinação judicial. Essa imposição não ocorre para todas as hipóteses de armazenamento. Há normas que determinam o seu descarte quando não mais relevantes para o caso penal (Lei de Drogas, por exemplo). Mas, há que se observar a possibilidade de contraprova com relação à qualidade e quantidade do material coletado. Logo, o descarte deve ser aplicado de forma excepcional, justamente para resguardar o contraditório e a proteção do inocente.

O ponto de grande importância ressaltado é o momento em que deverá ser feito o descarte da prova, pois, além da possibilidade da contraprova, não está claro quando seu armazenamento poderá ser considerado desnecessário ou inútil, dando espaço para discricionariedade do juiz.

Dessa forma, coloca-se que o descarte é medida excepcional, pois sua mantença pode provar-se de grande valia em diversos momentos no decorrer do processo, sendo que tal ato somente resta necessário quando comprovado que seu uso não tem nenhuma relevância para o caso concreto.

Assim, percebe-se que todos os passos representam um encadeamento de ações que são entendidos como os primeiros atos necessários para que haja a cadeia de custódia no processo penal.

Conforme estabelece Lopes Júnior (2020, p. 655),

Todo esse cuidado é necessário e justificado: quer-se impedir a manipulação indevida da prova com o propósito de incriminar (ou isentar) alguém de responsabilidade, com vistas a obter a melhor qualidade da decisão judicial e impedir uma decisão injusta.

Sequencialmente, o legislador apresenta o artigo 158-C do Código de Processo Penal que afirma in verbis:

Art. 158-C. A coleta dos vestígios deverá ser realizada preferencialmente por perito oficial, que dará o encaminhamento necessário para a central de custódia, mesmo quando for necessária a realização de exames complementares.

§ 1º Todos vestígios coletados no decurso do inquérito ou processo devem ser tratados como descrito nesta Lei, ficando órgão central de perícia oficial de natureza criminal responsável por detalhar a forma do seu cumprimento.

§ 2º É proibida a entrada em locais isolados bem como a remoção de quaisquer vestígios de locais de crime antes da liberação por parte do perito responsável, sendo tipificada como fraude processual a sua realização (BRASIL, CPP, 2020).

É possível perceber a semelhança e até certa profundidade no texto do referido artigo, o qual vem a detalhar as situações previstas no artigo anterior.

Como percebe-se, o artigo em comento estabelece a preferência, que pode ser compreendida como a necessidade de um perito oficial e qualificado para fazer o encaminhamento dos vestígios para a central de custódia.

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