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É bastante grande a discussão acerca da internalização dos tratados, após sua ratificação, e da solução de possíveis conflitos entre tratados internacionais e leis internas de um Estado. Na tentativa de resolução dessas controvérsias surgiram duas grandes correntes doutrinárias: a dualista e a monista.

A teoria dualista defende o entendimento de que o direito interno e o direito internacional são independentes e distintos. Assim, conforme explica Mazzuoli (2010a, p.67): "As fontes e normas do Direito Internacional (notadamente os tratados) não têm, para os dualistas, qualquer influência sobre questões relativas ao âmbito do Direito interno, e vice- versa, de sorte que entre ambos os ordenamentos jamais poderia haver conflitos".

Para os adeptos desta corrente, a validade de uma norma internacional, dentro do território nacional, é condicionada à sua devida introdução no âmbito jurídico interno. A norma internacional, ao ser inserida no direito interno, passa a vigorar como norma interna. Nesse sentido explica Mazzuoli (2010a, p.67):

[…] conforme os dualistas, quando um Estado assume um compromisso exterior o está aprovando tão-somente como fonte do Direito Internacional, sem qualquer impacto ou repercussão no seu cenário normativo interno. Para que isso ocorra, ou seja, para que um compromisso internacionalmente assumido passe a ter valor jurídico no âmbito do Direito interno desse Estado, é necessário que o Direito Internacional seja "transformado" em norma de Direito interno, o que se dá pelo processo conhecido como adoção ou transformação. Assim, o primado normativo, para os dualistas, é da lei interna de cada Estado e não do Direito Internacional.

De acordo com a corrente dualista, portanto, o direito internacional é responsável apenas por regular as relações entre sujeitos de direito internacional, enquanto ao direito interno cabe regulamentar a conduta e relações dos indivíduos do Estado. Para que uma norma de direito internacional passe a ter validade dentro do território de um Estado, segundo os dualistas, é necessário a devida internalização dessa norma. A partir daí, portanto, a regra, antes internacional, passa a ser norma também de direito interno. Dessa forma, a teoria dualista afasta a possibilidade de conflitos entre a norma interna e a norma internacional, uma vez que, para os seguidores dessa corrente, essas duas ordens jurídicas são independentes.

Em contrariedade à teoria dualista, tem-se a teoria monista, que tem como ponto de partida a unicidade das normas internas e internacionais (MAZZUOLI, 2010a). Conforme explica Mazzuoli (2010b, p.79), "enquanto para os dualistas as ordens jurídicas interna e internacional são estanques, para os monistas estes dois ordenamentos jurídicos coexistem, mas se superpõem, formando uma escala hierárquica".

Na concepção monista, ao assinar e ratificar um tratado, o país se compromete juridicamente com este, não sendo necessária a transformação da norma internacional em norma de direito interno. Consequentemente, pela teoria monista, é possível – ou certa – a ocorrência de conflitos entre as normas interna e internacional.

Aceitando a tese monista a possibilidade de choque entre as normas de direito interno e internacional surge um problema hierárquico que necessita solução. É preciso saber, portanto, qual norma deve prevalecer no caso de conflitos (entre Direito Internacional e interno). A partir daí a tese monista se divide entre o "monismo nacionalista" e o "monismo internacionalista".

Os adeptos do monismo nacionalista, defendem a primazia da norma interna de cada Estado sobre a norma internacional. Assim, a adoção das normas de direito internacional, para os adeptos desta corrente, passa a ser uma faculdade discricionária.

Os monistas nacionalistas aceitam a integração do produto externo convencional ao direito interno, mas sob o ponto de vista do primado da ordem jurídica estatal, valendo tal integração somente na medida que o Estado reconhece como vinculante em relação a si a obrigação contraída, mas não em grau hierárquico superior (MAZZUOLI, 2010b, p. 80).

Os monistas nacionalistas, portanto, dão especial atenção à soberania de cada Estado (MAZZUOLI, 2010a), sob os argumentos:

a) a ausência, no cenário internacional, de uma autoridade supra-estatal capaz de obrigar o Estado ao cumprimento de seus mandamentos, sendo cada Estado o competente para determinar livremente suas obrigações internacionais, pois é ele, em princípio, juiz único da forma de executá-las e; b) o fundamento puramente constitucional dos órgãos competentes para concluir tratados em nome do Estado, obrigando-o no plano internacional.

A segunda corrente em que se divide a teoria monista é o monismo internacionalista, que "sustenta a unicidade da ordem jurídica sob o primado do direito externo, a que se ajustam todas as ordens internas" (MAZZUOLI, 2010a, p. 74).

Para os monistas internacionalistas, portanto, o direito nacional deriva do direito internacional, que representa uma ordem jurídica de hierarquia superior. Os adeptos desta corrente defendem o posicionamento do direito internacional no ápice da pirâmide das normas, de onde provem todas as outras regras de direito interno, que lhe são subordinadas.

Nas palavras de Mazzuoli (2010a, p.74), "ambos ordenamentos, o interno e o internacional, sob o comando deste último, marcham pari passu rumo ao progresso ascensional da cultura e das relações humanas". Assim, a superioridade hierárquica do direito internacional representa a obrigação dos Estados em cumprirem com as obrigações assumidas em âmbito externo.

A corrente monista internacionalista, portanto, propõe de forma simples uma solução para o problema de conflito entre normas do direito interno e do direito internacional: "um ato internacional sempre prevalece sobre uma disposição normativa interna que lhe contradiz. Ou seja, a ordem jurídica interna deve sempre ceder, em caso de conflito, em favor da ordem internacional, que traça e regula os limites da competência de jurisdição doméstica" (MAZZUOLI, 2010a, p.75).

Alguns Estados, em seu texto constitucional, estabelecem regras sobre a relação entre o direito internacional (representado pelos tratados) e o direito interno. Conforme explica Mazzuoli (2010a, p.81):

Alguns deles, em suas Constituições, trazem cláusulas de adoção global das regras de Direito Internacional pelo Direito interno, sem, contudo, dar primazia de uma pela outra. Outros, aceitando também a cláusula de adoção global, trazem regras no sentido de dar primazia às normas emanadas do Direito Internacional. E ainda há outras que nada dispõem sobre as relações entre o Direito Internacional e o Direito interno.

No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988, em seu texto original, não trouxe qualquer dispositivo acerca da relação entre os dois direitos. Apenas com o advento da Emenda Constitucional no 45/2004, a Carta brasileira estipulou que os tratados, referentes a

Direitos Humanos, ingressariam no ordenamento com força de norma constitucional (artigo 5o, §3o).

No entanto, os tratados aparecem no texto constitucional em alguns artigos (art. 5º, §2º; art. 49, I; art. 84, VIII; art. 102 III, b; art.105, III, a; art.109, III), o que se pode considerar como reconhecimento, pela Constituição, dos tratados como fonte normativa, portanto, dando ao Direito Internacional, em sua fonte formal primária, o que Mazzuoli chama de "adoção global".

Estudado os principais elementos conceituais dos tratados internacionais, sua forma e condições de elaboração e inserção no ordenamento jurídico interno, bem como sua relação com o direito nacional, passa-se agora para o estudo dos Direitos Humanos, também objeto de análise da presente pesquisa.

3 TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

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