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Após uma primeira fase que lutou especialmente pelo sufrágio e um segundo momento que levantou diversas bandeiras, como o questionamento da construção de gênero, padrões estéticos e organização de diversos movimentos e grupos feministas, a terceira fase do feminismo surge entre os anos 1980 e 1990. Nesse momento do movimento, de acordo com Martins (2015), as mulheres já tinham mais espaço na sociedade e ocupavam lugares onde, antes, atuavam de maneira invisível.

Uma das principais bandeiras da terceira fase foi a quebra de estereótipos e o reforço do questionamento da mulher enquanto sujeito único. Assim como visto brevemente na segunda fase, a heterogeneidade do movimento é questionada aqui. De acordo com Martins (2015), é reforçado o pensamento crítico em relação à categoria “mulher” e o que isso significa. Segundo Garcia (2011), outras variáveis começam a ser percebidas como significativas, como gênero, local onde vivem, orientação sexual e outras.

Junto com alguns movimentos da segunda fase, esse questionamento do sujeito contemporâneo e suas diversas camadas leva à divisão do movimento em diferentes correntes. “As feministas da última década do século XX admitiram a instabilidade semântica

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do conceito, mas mantiveram a convicção nas reivindicações identitárias e na ação política”, afirma Martins (2015, p. 238). Dessa forma, o feminismo igualitário é duramente criticado na terceira fase.

Stival e Martins (2016) apud Tong (2009) corroboram com esse ponto de vista ao dizer que, nessa fase, o movimento critica a vertente branca, eurocêntrica e burguesa que adotou até então. Segundo Stival e Martins (2016), as feministas dessa fase se comprometem em entender as diferenças entre mulheres e encontrar formas para que possam lutar juntas. Dessa forma, as autoras afirmam que a terceira fase reconhece a pluralidade do movimento e suas pautas.

Outro marco de destaque da terceira fase, de acordo com Nogueira (2001), é o Blacklash, um movimento revolucionário que surge para questionar o próprio feminismo, chamado por muitos pesquisadores de contra-feminismo. De acordo com Faludi (1991), essa foi uma ação conservadora para bater de frente com as conquistas feministas. Curran e Morley (2006) argumentam ao dizerem que se trata de um movimento que usa o feminismo e ainda “evoca como algo a ser levado em consideração para sugerir que a igualdade está alcançada e, com isso, instalar todo um repertório de novas significações que enfatizam que o feminismo não é mais necessário, que é uma força perdida” (p. 1). Ainda segundo as autoras, Focault se torna uma influência do pós-feminismo, causando uma mudança da centralização do poder, até então entendidos como o patriarcado, o estado e as leis, por exemplo, para poderes “conceitualizados como fluxos, convergências e consolidações específicas da fala, do discurso e atenções” (p. 2). O corpo e o sujeito também passam a representar um ponto central de interesse feminista.

O individualismo neoliberal começa a surgir nas literaturas feministas. De acordo com Leal (2015), “esse novo feminismo defende o empoderamento e a superação do status de vítima — que teria sido difundido pela segunda fase — como chave para a emancipação feminina (p. 42)”. Dessa forma, o conceito do neoliberalismo, “responsabilização do indivíduo, o foco no homem econômico, a rejeição da interferência do Estado, a valorização da racionalidade humana, o entendimento do progresso como fruto de liderança, competição e cumprimento de metas" (Medeiros, 2017, p. 156), começa a se cruzar com o de emancipação feminina. Essa

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aproximação rendeu críticas de algumas feministas, mas, também, incentivou mais ainda a divisão do movimento em diferentes correntes.

A lógica neoliberal se apropriou de termos como empoderamento e emancipação como consequência dos esforços pessoais das mulheres e seu sucesso no mercado de trabalho. Uma grande falha desse pensamento, como ressalta Medeiros (2017), é que ele tem um viés elitizado, que não considera recortes como raça, escolaridade ou qualquer outra vivência pessoal e única de mulheres. Medeiros (2017) ressalta ainda que essa característica pessoal adquirida por algumas feministas na terceira fase e a busca constante por esse empoderamento pessoal levou a um processo de disputa entre mulheres. Por conta disso, mulheres passaram a acumular atributos, como sucesso profissional, na maternidade e beleza – de acordo com os padrões estabelecidos pela sociedade, para que fossem classificada como uma boa mulher. De acordo com McRobbie (2015), a mídia e as produções artísticas passaram a ser grandes responsáveis pela propagação desse ideal de perfeição.

2.4.1 A terceira fase no Brasil

O Brasil da terceira fase era um país que vivia, depois de 21 anos, em um regime democrático, contribuindo com o fortalecimento do movimento. De acordo com Caetano (2017), nessa fase de retomada da democracia, o movimento feminista no país teve um forte apelo pela luta por direitos, desde igualdade no casamento a saneamento básico e educação, se aproximando muito de lutas sociais por direitos humanos. Os movimentos políticos, então, passaram a perceber a força dessa movimentação e inserir pautas voltadas para mulheres nos seus discursos. Mulheres também começaram a se organizar, desde em associações de moradores a núcleos dentro dos sindicatos. Essa movimentação, que atinge mulheres de diferentes classes sociais e até moradoras de áreas rurais, e passou a ser chamada, segundo Caetano (2017), de feminismo popular.

Tanto o Brasil quanto outros países em desenvolvimento, em especial, começaram a dar voz a uma importante pauta: a violência doméstica. A história da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes foi um dos divisores de água nesse assunto. Maria da Penha sofreu violência do seu ex-marido por trinta e dois anos, além de duas tentativas de assassinato em 1983 que

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a deixaram tetraplégica. Ao se ver desamparada pelo governo, denunciou o Estado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, que considerou a justiça brasileira como omissa nesse caso. A partir dessa denúncia, o Brasil foi pressionado sobre a falta de ações que fossem eficientes em coibir a violência doméstica. Apenas a partir dessa denúncia, em 2006, a Lei n. 11.340, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, foi instaurada, tipificando a violência doméstica como um atentado direto e violação aos direitos humanos. A lei abrange também outras formas de violência, tais como patrimonial, física, sexual, psicológica e moral.