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4.1.2 – Das unidades habitacionais

5.1 Território de subjetividades

A Ilusão da casa. Realmente o que se apresenta externamente é passível de iludir ou entrega literalmente o que existe dentro? O que se vê de fora, o que existe realmente dentro? Existe hospitalidade no morar? Qual o ritmo desses corpos que habitam essas unidades? Externamente tão iguais, internamente tão necessárias de adaptar-se as vidas que ali vivem. Ou ainda essa ilusão da casa se refere a expectativa depositada por cada pessoa que adquire seu imóvel?

Casa não é apenas a edificação, o conjunto arquitetônico, ainda que possa ser tomado como tal, até porque o que a define, em arquitetura, não é a configuração espacial, mas o seu uso. Grosso modo, a casa seria resultante de uma modalidade de uso de um espaço construído, ou seja, quando atendesse às funções previstas para operar como “uma casa”. É um ser complexos de sensações, um composto de

perceptos7 e afectos que emerge da bricolagem material e imaterial, dessa conjunção de elementos

heterogêneos de toda ordem, que a todo o momento se resume num só enunciado: estou em casa!

7 Percepto, conceito criado por Gilles Deleuze e Félix Guatarri, é a capacidade de construir sensações e percepções que vão além daquele que as sentem.

Que ultrapassa o corpo. Diferente de percepção que pode ser feita à distância, o percepto é àquele que se envolve com a cena, a percebe, sente e depois a deixa livre, para que outros dela tomem partido. O percepto é o cartógrafo, aquele que se deixa tocar, que se deixa invadir pela cena que o cerca. “(...) o conceito, creio eu, comporta duas outras dimensões, as do percepto e do afecto. (...) Os perceptos não são percepções, são pactotes de sensações e de relações que sobrevivem àqueles que o vivenciam. (DELEUZE, Conversações, Ed. 34, 2004: 171)

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Parafraseando o cantor Vítor Ramil “a casa é onde eu quero estar.” (RAMIL, A ilusão da casa – Tambong, 2000)

Figura 21: Olhos para uma rua deserta Fonte: imagens da autora

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O espaço arquitetônico, a célula de morar, está definido por qualidades objetivas, e o habitar implica na inserção da subjetividade de quem o utiliza. Se falarmos de qualidades objetivas (boa insolação, transporte público de qualidade, segurança, etc.), e nos referirmos ao espaço construído que é dado ao habitante não estaremos falando de qualidade do ambiente construído e sim das ferramentas para que isso possa se desenvolver.

Porém a arquitetura é algo mais do que apenas um suporte neutro da vida: a arquitetura propõe maneiras de habitar cada espaço, cada “planta”, cada programa e é em si mesmo, um entretenimento sobre o habitar, o que não necessariamente determinará a forma como será habitado. Na singeleza dos detalhes, tão da intimidade do dia a dia, que está embasada nossa cartografia. É preciso vivenciar o interno, para ultrapassar as portas e olhar para o externo, entendendo que este último tem influência e parte no primeiro. Como bem diz Montaner (2014), “a cidade é pensada para um homem (gênero, não sexo masculino

apenas) de idade média, em plenas condições físicas, com um trabalho estável que lhe permite ter carro privado e com uma esposa que lhe aguarde em casa com tudo feito e preparado”.

Parece que a construção de uma casa, se por um lado exige muito menos do que se imagina do ponto de vista material e até econômico, por outro lado é essa complexidade, este ritornelo8 de sensações e

concretudes, do ponto de vista da construção desse ser de sensações. É preciso trabalhar um pensamento arquitetônico que crie novas possibilidades, não repensar a roda, mas sim, ter em mente que se faz uma arquitetura que precisa ser atemporal. Que precisa estar voltada para seus usuários e as necessidades destes. Não somente voltada para construir atrações mercantilistas. Não pode ser uma

8 Ritornelo, conceito elaborado por Gilles Deleuze e Felix Guattari (1997), vai ser melhor explicitado no capítulo seguinte, onde se encontram as

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arquitetura do imediato, e sim algo pensado para criar uma nova cidade, sempre buscando ler o que já existe e os impactos que serão gerados.

O movimento de uma concepção de vida essencialmente simples e disciplinada para uma concepção de vida complexa e irônica é aquele que por cada indivíduo passa ao tornar-se maduro. Mas certas épocas encorajam esse desenvolvimento nelas, a perspectiva paradoxal ou dramática dá colorido a toda cena intelectual. (Venturi, 2004, p.12)

Cada indivíduo deveria ser o protagonista de sua história, de sua arquitetura também, por que não dizer. Necessário pensar nas pessoas, nos que vivem, nos que dão sentido ao ato de morar. Na complexidade de afectos que estes seres produzem.

Um homem que se encontra ‘em casa’, ocorra o que ocorra, leva as suas raízes sempre com ele. Ele mesmo é a sua própria casa, habita seu próprio espaço interior e seu tempo. Assim, ele também é capaz de habitar, simultaneamente, todos os lugares a que estão ligados a ele emocionalmente. Entretanto, para isso é necessário uma estrutura mental bastante diferente das que nos foi imposta por nossas respectivas sociedades. E, também requer um tipo de comportamento ambiental e social distinto, no qual cada um deve apoiar o outro, considerando que o mundo habitável é aquele que temos em nossa mente. (Fuão, 2012, p.1)

A casa habitada é a casa formada pela construção que abriga e também pelas memórias, histórias e bagagens que ali se acumulam. Não é apenas um quarto de hotel, onde se chega e se sai com a sua

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mala, ainda que dali se leve algo novo. A casa é a cosmologia, a conformação, o abrigo potente das complexidades de casa individuo. É abstrato, interno e intenso.

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