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2. O LUGAR CIENTÍFICO DO PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE PARA A

2.3 TERRITÓRIO

O conceito de território possui diversas concepções, adaptadas por cada disciplina, como explica Haesbaert (2006, p. 37),

Apesar de ser um conceito central para a Geografia, território e territorialidade, por dizerem respeito à especialidade humana, têm uma certa tradição também em outras áreas, cada uma com enfoque centrado em uma determinada perspectiva. Enquanto o geógrafo tende a enfatizar a materialidade do território, em suas múltiplas dimensões (que deve incluir a interação sociedade-natureza), a Ciência Política enfatiza sua construção a partir de relações de poder (na maioria das vezes, ligada à concepção de Estado); a Economia, que prefere a noção de espaço à de território, percebe-o muitas vezes como um fator locacional ou como uma das bases da produção (enquanto força produtiva); a Antropologia destaca sua dimensão simbólica, principalmente no estudo das sociedades ditas tradicionais (mas também no tratamento do “neotribalismo contemporâneo); a Sociologia o enfoca a partir de sua intervenção nas relações sociais, em sentido amplo, e a Psicologia, finalmente, incorpora-o no debate sobre a construção da subjetividade ou da identidade pessoal, ampliando-o até a escala do indivíduo.

Desse modo, o conceito de “território” não é trivial e muitas vezes é utilizado de forma simplista, e restringida a uma delimitação física. Na Geografia, destacamos os estudos de Saquet5 (2013) por ele trabalhar com questões ligadas à amplitude do significado do território e suas implicações nessa área do conhecimento.

Assim, para Saquet (2013, p. 13), “O território é um destes conceitos complexos, substantivado por vários elementos, no nível do pensamento e em unidade com o mundo da vida”. Segundo esse autor, o conceito de território foi se transformando ao longo do tempo e utilizado de maneiras diversas em diferentes países:

No geral, em países como a Itália, França e EUA, inicialmente e, posteriormente, em países como o Brasil, passa-se de estudos do território de matriz biológica ou com base na atuação do Estado-Nação, entendendo o território como suporte ou conjunto de recursos naturais, para abordagens relacionais-processuais, reconhecendo-se 5 Marcos Aurélio Saquet possui graduação, mestrado e doutorado em Geografia. É professor no Programa de Pós- Graduação em Geografia (UNICENTRO-PR). É parecerista de diferentes periódicos nacionais e internacionais ranqueados pela Capes e de distintos PIBICs, além de ser membro do Comitê de Ciências Humanas da Fundação Araucária, avaliador do Programa Universidade Sem Fronteiras (USF/SETI/PR), da FAPESP, CNPq, Capes e do Programa SCIELO (Scientific Electronic Library Online). Disponível em: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/busca.doMarcosAurélioSaqu et>. Acesso em: 19 nov. 2019.

outros níveis de relações de poder, os conflitos, a apropriação e dominação do espaço, enfim, o movimento histórico e multiescalar. (SAQUET, 2013, p. 17, grifos nossos).

Ainda de acordo com Saquet, ao citar diversos autores da Geografia, o território seria: Produto das relações sociais efetivadas no âmbito da família, da comunidade rural e desses indivíduos com agentes da cidade, historicamente condicionadas e caracterizadas, tanto econômica como política e culturalmente, em tramas socioespaciais; área na qual se estabelecem relações simbólicas e de poder; produto da organização histórico-social, tanto econômica, como cultural e politicamente. (SAQUET, 2013, p. 18, grifos nossos).

Desse modo, o território pode ser concebido para além da sua delimitação geográfica, produto das relações (políticas, econômicas, culturais, históricas) entre indivíduos que ocupam um local. Por sua vez, essas relações do homem em sociedade são bases para a compreensão do conceito de território. Conforme Saquet (2013, p. 24), “Cada sociedade produz seu(s) território(s) e territorialidades(s), a seu modo, em consonância com suas normas, regras, crenças, valores, ritos, e mitos, com suas atividades cotidianas”. Assim, o autor defende uma perspectiva diversa e polissêmica do território:

O território significa natureza e sociedade; economia, política e cultura; ideia e matéria; identidades e representações; apropriação, dominação e controle; descontinuidades; conexão e redes; domínio e subordinação; degradação e proteção ambiental; terra, formas espaciais e relações de poder; diversidade e unidade. Isso significa a existência de interações no e do processo de territorialização, que envolvem e são envolvidas por processos sociais semelhantes e diferentes, nos mesmos ou em distintos momentos e lugares, centradas na conjugação, paradoxal, de descontinuidades, de desigualdades, diferenças e trações comuns. Cada combinação específica de cada relação espaço-tempo é produto, acompanha e condiciona os fenômenos e processos territoriais. (SAQUET, 2013, p. 24, grifos nossos). Desse modo, a importância de compreender o significado de território está no fato de que ele não é uma simples delimitação física, mas um conjunto de fatores inter-relacionados dentro de um espaço que contempla a percepção das relações em sociedade e seus componentes. Daí podemos inferir que o Princípio da Territorialidade não está restrito aos espaços geográficos dos contenciosos arquivísticos e sua aplicação está atrelada ao valor contextual do conjunto documental e, consequentemente, da sua organicidade, que é imprescindível para a identificação e preservação do documento de arquivo. Como explica Gomes (2019, p. 172-173, grifos nossos):

Há muitas décadas, nossas fontes de autoridade têm dito que aquele que não tenta restabelecer as relações dos conjuntos documentais executa apenas metade de sua tarefa. Aquele que conhece a teia orgânica da administração a que o arquivo representa e serve está apto a realizar suas atividades com segurança e competência. Esse profissional deve compreender seu papel perante a sociedade e se comprometer em

manter o contexto original dos documentos e o seu valor evidencial para as próximas gerações, pautando-se nos princípios arquivísticos assentados na organicidade.

Conforme explicamos nesta subseção, por suas características de busca da preservação do valor de contexto e, em consequência, da organicidade, o Princípio da Territorialidade se mostra fundamental para a manutenção das relações dos conjuntos documentais.