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Ao longo do tempo a compreensão sobre o território enquanto unidade geográfica foi conquistando novos conceitos. Aqui, apresentam-se as concepções que, de acordo com Haesbaert (2005, p.19-20), originaram as diferentes perspectivas de território e de desterritorialização: 1) materialista, que vê território como espaço material ou substrato e como espaço relacional mais concreto; 2) idealista, território como espaço relacional simbólico (espaço de referência identitária, “valor”); 3) “totalizante” ou integradora, “experiência total do espaço” [Chivallon] e espaço móbile funcional-expressivo (território- rede) [Deleuze e Guatarri].

Conforme o autor, as primeiras conceituações sobre território nasceram da tradição jurídica-política, ainda no século XIX, com a obra do geógrafo alemão Friedrick Ratzel, que trouxe consigo uma forte carga materialista, próxima da visão que valoriza a dimensão econômica, para a qual o território representa a base de recurso para a reprodução da sociedade. No entanto, releituras mais recentes de sua produção têm enfatizado uma concepção idealista de natureza presente na interpretação do Estado, estendendo-se ao território.

Os trabalhos mais pontuais sobre território foram apresentados somente meio século depois pelo geógrafo Jean Gottman (1952, p.71), para quem no mundo “compartimentado” da Geografia, “a unidade política é o território”, concepção que embora mantenha o caráter

político-administrativo, vai muito além do Estado-nação, ampliando-se para “o conjunto de terras agrupadas em uma unidade que depende de uma autoridade comum e goza de um determinado regime (GOTTMAN, 1952, p. 71).”

Na década de 60, entretanto, inúmeras discussões giraram em torno da conceituação de território, assim como de territorialidade. Contudo, segundo Haesbaert (2004), as Ciências Sociais, de uma forma geral, negligenciavam os diálogos que emergiam sobre o tema, destaque para a Geografia, a quem, na sua concepção, deveria caber o “papel principal” nos debates, vez que o território é um de seus conceitos centrais.

Haesbaert (2004) segue comentando que somente em 1976 foi publicada a primeira grande obra da Geografia tratando especificamente do território. O livro Territorialidade Humana, escrito originalmente por Torsten Malmeberg. Conforme seu comentário, conquanto tenha sido considerado como uma referência, o trabalho também foi alvo de críticas por conter uma enorme carga behaviorista, ao apresentar um caráter de refutação à tese do “imperativo territorial” do biólogo Robert Ardrey (1969), que associava a territorialidade humana à territorialidade animal.

Na década seguinte, a tendência materialista implícita na conceituação de território que motivou os debates da década de 60 continuou se mantendo. Haesbaert (2004), destaca como representante da época Robert Sack (1986), cujo conceito é um dos mais respeitados da atualidade, mesmo que sua concepção de território seja a de área de acesso controlado. Sobre Sack, cuja noção de territorialidade é mais frequentemente utilizada do que a de território, o autor também afirma que mesmo enfatizando o território como instrumento concreto de poder, a dimensão simbólica não é ignorada.

Para Haesbaert (2004), que admite que a concepção de território esteja diretamente relacionada à base filosófica do pesquisador, a posição materialista encontra em um de seus extremos a posição “naturalista”, responsável pela redução da territorialidade ao seu caráter biológico, e no outro a perspectiva social, de base marxista, que considera as relações de produção como fundamento para compreender a organização do território.

Nos anos 90 surge através da obra “O que é filosofia”? De Gilles Deleuze e Felix Guatarri, a noção de território considerada por Haesbaert (2004) como a mais ampla, pois envolve desde um galho de árvore “desterritorializado” até as “reterritorializações absolutas do pensamento”, conforme se pode observar na transcrição a seguir:

Já nos animais, sabemos da importância das atividades que consistem em formar territórios, em abandoná-los ou em sair deles, e mesmo em refazer território sobre algo de uma outra natureza (o etólogo diz que o parceiro ou o amigo de um animal ‘equivale a um lar’, ou que a família é um ‘território móvel’). Com mais forte razão o hominídeo desde seu registro de nascimento, ele desterritorializa sua pata anterior, ele a arranca da terra para fazer dela uma mão, e a reterritorializa sobre galhos e utensílios. Um bastão, por sua vez, é um galho desterritorializado. É necessário ver como cada um, em qualquer idade, nas menores coisas, como nas maiores provações, procura um território para si, suporta ou carrega desterritorializações quase sobre qualquer coisa, lembrança, fetiche ou sonho (DELEUZE e GUATARRI, 1995, p. 66).

Nessa mesma época, conceituações de território mais voltadas a um enfoque relacional, que segundo Haesbaert (2004) é aquele que além de abarcar o conjunto de relações histórico-sociais, incluindo ainda a relação complexa entre processos sociais e espaço material, começaram a se disseminar também entre os geógrafos.

Em relação à conceituação de território concebida por Milton Santos, uma das mais referenciadas da atualidade, ainda que autor reconheça que em publicações mais recentes esta tenha sido ampliada e complexificada, trazendo a idéia de território como um todo complexo, onde são tecidas tramas de relações complementares e conflitantes entre o lugar, a formação socioespacial e o mundo, denotando uma visão relacional, no seu entendimento, a obra publicada por Milton Santos em 1994, O Retorno do Território, que tece críticas aos “conceitos puros” que fizeram do território um conceito a-histórico e apresenta a expressão “território usado” como correlato direto de “espaço geográfico”, torna explícita a base materialista de fundamentação econômica de seu trabalho.

Cabe destacar que para o autor uma das características mais importantes do território enquanto relação social, a historicidade, é uma preocupação que aparece em duas das interpretações mais consistentes sobre território, as dos geógrafos Claude Raffestin e Robert Sack, mesmo que de forma diferente. Haesbaert (2007, p. 28) destaca que “os objetivos dos processos de territorialização, ou seja, de dominação e/ou de apropriação do espaço, variam muito ao longo do tempo e dos espaços”, e destaca quatro grandes “fins” ou objetivos da territorialização ao longo do tempo, quais sejam:

a) abrigo físico, fonte de recursos materiais e/ou meios de produção;

b) identificação ou simbolização de grupos através de referentes espaciais (a começar pela própria construção de fronteiras);

c) controle e/ou disciplinarização através de espaços (fortalecimento da ideia de indivíduo através de espaços também individualizados, no caso do mundo moderno);

d) construção e controle de conexões e redes (fluxos, principalmente fluxos de pessoas, mercadorias e informações).

Além dos aspectos acima destacados, também se observa nos trabalhos de Haesbaert a ênfase na necessidade de rediscussão do território e suas transformações, de forma a evitar os equívocos e dicotomias na compreensão dos termos, assim como tem ocorrido com a desterritorialização, percebida como a destruição dos territórios e por ele considerada como um “mito”, e com outros conceitos como: sociedade-natureza, sociedade-espaço, espaço- tempo, materialidade-imaterialidade, político-econômico e simbólico-cultural e território e rede, cuja tendência tem sido a de analisá-los separadamente.