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I I 0 berço do Cristianismo

VII. Tertuliano

TERTULIANO

É interessante notar que as origens da literatura cristã latina não se en­ contram em Roma e sim no norte da África. Apesar da Primeira Epístola aos Coríntios de Clemente, remetida de Roma, ser um dos escritos cristãos mais antigos, esse documento foi escrito em grego. Durante muitos séculos a África, e não Roma, foi o centro do pensamento cristão latino. Foi ali que

0 vocabulário teológico da igreja ocidental recebeu seus contornos básicos.

E foi ali onde floresceram os mais importantes escritores cristãos latinos dos primeiros séculos - tais como Tertuliano, Cipriano, Agostinho e outros.'

Alguns identificam Tertuliano com um jurista de mesmo nome que apa­ rece no Corpiis luris Civilis, apesar de não ser possível apontar uma deci­ são final com relação a essa identificação. De qualquer forma, Tertuliano viveu em Roma por vários anos e depois de sua conversão, que ocorreu quando ele estava com cerca de 40 anos, retornou a Cartago, onde nascera por volta de 150 d.C. Ali ele em preendeu uma extensa produção literá­ ria em favor de sua nova fé: Tertuliano a defendeu em face daqueles que a perseguiam, bem como contra aqueles que pareciam pervertê-la. Contu­

‘ A inda que se acredite ter o Cristianismo do norte da Africa provindo de Roma, existem razões para se pensar de forma diferente. É possível que, fundada originalmente por cristãos do Oriente, a igreja da África Setentrional desenvolveu posteriormente laços mais íntimos com Roma. W. Telfer, “The Origins of Christianity in Africa”, SP, 4: 512-517. Cf. E. Buoniauti, II cristianesimo nelV Africa romana (Bari: Laterza, 1928). Ver também G. Quispel, “African Christianity before Tertullian” , in W. den Boer et al., orgs., Rom anitas et Christianitas (Amsterdã: North H olland Publishing Company, 1973), pp.275-279.

do, no início do século 3“ - provavelmente em 207 d.C. - abandonou a comunhão da Igreja Africana a fim de se tornar um montanista. As razões pelas quais Tertuliano tomou tal decisão não são muito claras; contudo, parece que o montanismo personificava, na opinião dele, o espírito de protesto contra o crescente poder da hierarquia e contra sua suposta lassi­ dão em lid ar com os pecadores arrependidos. Foi esse aspecto do montanismo que atraiu Tertuliano, que sempre demonstrara um excessivo rigor moral."

Após sua conversão ao Cristianismo, Tertuliano escreveu diversas obras endereçadas aos pagãos, a fim de defender sua nova fé.^ A mais importante destas obras é sua Apologia - Apologeticus adversus gentes pro christianis - escrita em 197 d.C. Nessa obra, Tertuliano se empenha em defender o Cris­ tianismo com um estilo muito similar ao de um advogado. Assim, por exem­ plo, referindo-se ã famosa carta na qual Trajano ordenou a Ph'nio que con­ denasse aqueles cristãos acusados diante dele, mas que não perseguisse aqueles que não eram acusados, Tertuliano escreve:

Ó miserável pronunciamento, - de acordo com as necessidades do caso, uma incoerência! Proíbe de irem à procura deles como se fossem inocentes, e ordena que sejam punidos como se fossem culpados. É ao mesmo tempo misericordioso e cruel; ao mesmo tempo, ignora e pune. Por que fazes um jo g o de palavras contigo m esm o, O Julgam ento? Se condenas, por que também não inquires. Se não inquires, por que também não absolves?“*

Além desta Apologia, Tertuliano escreveu outras obras que lançam luzes sobre as perseguições e sobre as atitudes dos cristãos diante delas. Dentre essas, devem ser mencionadas Aos Gentios, O Testemunho da Alma e Aos

- H. von Campenhausen, “ Urchristentum und Tradition bei Tertullian” , ThBl, 8 (1929), 193-200: M. S. Enslin, “Puritan o f Carthago” , JRel, 27 (1947), 197-212; Heinrich Karpp, Schrift und Geist bei

Tertullian (Gütersloh; C. Bertelsmann, 1955); W. Bender, Die Lehre über den Heiligen Geist be: Tertullian (M unique; M. Hueber, 1961); cf. lerönim o. De viris Ulus. 53. Sobre a vida e contexto de

Tertuliano, ver T. D. Barnes, Tertullian: A Historical und Literary Study (Oxford: Clarendon, 1971 Sobre seus conceitos sobre o Espírito e sobre a igreja, que o levaram para o montanismo, ver C M oreschini, “Tradizione e innovazione nella pneumatologia di Tertulliano” , Augm, 20 (1980), 6?.-- 644; V. Grossi. “Istituzione e Spirito in Tertulliano: De praescriptione; De pudicitia” , Augm, (198C 645-654; Sobre seu uso das Escrituras, J. E. L. van der Geest, Le Christ et l ’Ancien Testament ch^-

Tertullien: Recherche terminologique (Nijmegen: Dekker and van de Veg, 1972).

J. Lortz, Tertullian als Apologet, 2 vols. (Münster: Aschendorff, 1927-1928).

Mártires, que é uma das mais elevadas expressões do espírito heróico dos

cristãos primitivos. Todas essas obras foram escritas antes de Tertuliano se tornar um montanista.

Por outro lado, e mostrando assim sua inclinação à controvérsia, Tertulia­ no escreveu uma longa série de obras polêmicas contra todo tipo de here­ ges. Sua obra Prescrições contra os hereges - Liber de Parescriptionibus

adversus haereticos - será examinada à medida que estivermos expondo a

teologia de Tertuliano. O mesmo pode ser dito de sua obra Contra Praxeas -

Adversus Praxeam. Seus cinco livros Contra Marcião são a principal fonte

da qual os historiadores extraem seu conhecimento sobre as doutrinas deste herege. Além disso, Tertuliano escreveu contra Hermógenes, contra os valentianos, contra os gnósticos e contra o docetismo em geral. Todas essas obras são de importância fundamental para a história do pensamento cris­ tão, não apenas como uma fonte para a teologia de Tertuliano, mas também como uma fonte para as controvérsias que ocorreram por volta do fim do século 2~ e do início do terceiro.

Finalmente, Tertuliano escreveu várias obras de natureza moral e práti­ ca. Algumas destas foram escritas antes dele se tornar um montanista, tais como Sobre a penitência, Sobre a paciência e Para sua Esposa. Outras foram escritas de um ponto de vista m ontanista, tais como Sobre a

monogamia, Sobre o jejum, Sobre a modéstia e Exortação à castidade. To­

dos esses escritos refletem o rigorismo de Tertuliano, embora, como era de se esperar, seu rigor se manifeste mais claramente em suas obras montanistas. De qualquer forma, tais documentos são de grande importância por causa da informação que eles provêm a respeito da vida moral dos cristãos e de suas práticas de adoração no tempo de Tertuliano. Sempre que os historia­ dores se esforçam para reconstruir o desenvolvimento da liturgia cristã ou a história dos costumes cristãos, Tertuliano se apresenta como uma fonte ines­ timável de informação. Contudo, aquilo que nos interessa aqui é sua teologia, especialmente porque ele herda alguns aspectos daquela teologia dos anti­ gos pensadores, ao mesmo tempo em que anuncia aquilo que estava por vir.

As fontes para a teologia de Tertuliano devem ser encontradas na tradi­ ção cristã, no treinamento legal que ele provavelmente teve e em seu

background filosófico. Não há dúvidas de que grande parcela da teologia

de Tertuliano foi extraída diretamente da tradição cristã tal como encontra­ da nos apologistas gregos, em Irineu e em Hermas. No que diz respeito à sua formação legal, Tertuliano nunca a abandonou: seus argumentos não procuram convencer, mas sobrepujar; quando parece que ele está encurra-

lado por seus oponentes, encontra uma saída por meio da retórica; para ele,

0 evangelho é uma nova lei; sua argumentação em defesa do Cristianismo é

uma argumentação legal e o mesmo pode ser dito com relação a sua argu­ mentação básica contra os hereges; além de tudo isso, alguns eruditos de­ claram que sua doutrina trinitariana é expressa em termos legais. Finalmen­ te, embora Tertuliano explícita e repetidamente rejeite toda intromissão da filosofia em questões de fé,^ é um fato que - talvez mesmo sem ter consciên­ cia disso - ele mesmo, com freqüência, m ostra-se influenciado pelo estoicismo® e até mesmo fala de Sêneca em termos tão elogiosos que quase contradiz sua rejeição geral à filosofia pagã.’

Tertuliano é, sobretudo, um pensador prático e concreto. Nenhuma de suas obras foi escrita pelo mero prazer de escrever ou por especulação, mas com um propósito definido e prático. Dentre tais obras, provavelmente a que melhor introduz seu pensamento é seu Liber de praescriptionibus

adversus haereticos, que daqui por diante chamaremos simplesmente de Praescriptio.

Na prática processual romana, uma praescriptio era um argumento que um litigante apresentava, geralmente não se referindo a um aspecto particu­ lar do litígio, mas ao procedimento propriamente dito. Assim, a praescriptio freqüentemente é uma objeção para demonstrar que a parte oposta está pro­ cessualmente irregular (não tem direito ou razão para entrar em juízo), de modo que o processo não deveria continuar* .* Portanto, ao escrever a Pres­

crição Contra os Hereges, Tertuliano não pretendia discutir propriamente

as doutrinas dos hereges; pelo contrário, visava deixar claro que eles não tinham qualquer direito de nem mesmo argumentar contra a ortodoxia.

* A. Labhart, “Tertullien et la philosophie ou la recherche d ’ une ‘position pure’ MusHelv, 7 (1950),

159-180.

C. de L. Shortt, The Influence o f Philosophy on the M ind o f Tertullian (Londres; Elliot Stock,

1933); F. Seyr, “Die Seelen-und Erkenntnislehre Tertullians u n ddieS toa”, Comm Vind, 3 (1937), 51-74. ’ De anima, 20.

* N.E. No direito brasileiro - à semelhança do direito romano - também existem essas objeções pro­ cessuais que são geralmente apresentadas nas prelim inares da contestação. Argumenta-se que a outra parte carece das condições da ação (legitimidade, possibilidade jurídica do pedido etc.) de maneira que o processo deve ser prelim inarm ente extinto.

* Ver as várias interpretações de J. L. Allie, “N ature de la prescription ou des prescriptions dans le De praescriptione” . RUOtt, seção especial, 6 (1937), 211*-225*, 7 (1938), 16*-28*; L. De Witte, “L’argument de prescription et Tertullien” , Collect, m echlin.,25 (1936), 239-250; e J. K. Stirnimann,

Die Praescriptio Tertullians im Lichte des römischen Rechts und der Theologie (Friburgo, Suíça:

Os primeiros sete capítulos da Praescriptio tratam das heresias em geral e declaram que ninguém deve maravilhar-se de sua existência, uma vez que

0 Novo Testamento predisse sua vinda e, dessa forma, as heresias servem para fortalecer a fé dos fiéis que vêem por meio delas as palavras da Escri­ tura sendo cumpridas. De qualquer modo, as heresias não nascem da fé, mas sim da filosofia. São simplesmente os antigos erros dos filósofos trans­ portados para o plano da fé, pois os filósofos, bem como os hereges, fazem as mesmas perguntas com relação à origem do mal e da humanidade. A confusão da filosofia com a revelação resulta na corrupção da última, pois “de fato, o que Atenas tem a ver com Jerusalém? Que acordo pode haver entre a Academia e a Igreja, ou entre os hereges e os cristãos?”®

É principalmente por causa desse texto, bem como do que será citado logo abaixo, extraído de seu tratado Sobre a carne de Cristo, que Tertuliano tem sido acusado de ser anti-intelectual;

O Filho de Deus foi crucificado; não estou envergonhado ... disto. B o Filho de Deus morreu; isto deve, sem dúvida, ser crido, porque é absurdo. E Ele foi sepultado e ressuscitou; o fato é certo, porque é impossível.'®

Mas a verdade é que Tertuliano não é um irracionalista cego. Ele crê que existem coisas que simplesmente são maravilhosas demais para serem en­ tendidas, tais como a crucificação ou o poder do batismo. Mas esta não é uma afirmação geral de que a fé deve estar baseada sobre a impossibilidade racional." Pelo contrário, ele crê que a especulação desenfreada pode levar longe demais, e que a verdadeira revelação de Deus é o que realmente im ­ porta para o cristão. Isto pode ser observado no próximo texto, em que ele refuta o argumento de Praxeas segundo o qual o Pai, sendo onipotente, po­ deria se tornar o Filho;

De praes. haer., 1 (ANF, 3:246).

"'D e carne Christi, 5 (ANF, 3:525). Ver tam bém De bapt. 2, e as observações de B. Leaning, “Note

on the Reading in TertulHan’s c/e Baptismo, ‘Credo quia non credunt’,” Greg. 14 (1933), 423-431. " Etienne Gilson, La philosophie au moyen âge (Paris: Payot, 1944), pp.97,98: E. Refoulé “Tertullien et la philosophie” , RevScRel, 30 (1956), 42-45; Vianney Décarie, “Le paradoxe de Tertullien” , VigCh, 15 (1961), 23-31 ; J. L. Gonzalez, “Athens and Jerusalem Revisited: Reason and Authority in Tertullian”,

CH, 43 (1974), 17-25. Sobre sua atitude em relação à cultura, ver R. D. Sider, Ancient Rhetoric and the A n o f Tertullian (Oxford: University Press, 1971); D. E. Groh, “Tertullian’s Polemic against

Social C o-optation” , CH, 40 (1971), 7-14; J, C, Fredouille, Tertullien et la conversion de la culture

Não devemos, contudo, pelo fato dele [Deus] ser capaz de fazer qualquer coisa, supor que ele realmente fez aquilo que ele não fez. Mas devemos inquirir ele realmente o fe z . Deus poderia, se quisesse, ter equipado o homem com asas para voar, assim como ele deu asas aos pássaros. Não devemos, contudo, chegar à conclusão de que ele fez isto porque ele era capaz de fazê-lo. Ele também poderia ter exterminado Praxeas e todos os outros hereges de uma vez; disso não se segue, contudo, que ele o fez, simplesmente por ser capaz. Pois era necessário que existissem tanto pássaros quanto hereges; era necessário também que o Pai fosse crucificado.

Os sete capítulos que a Praescriptio dedica ao erro são seguidos por sete outros que tratam da natureza da verdade. A verdade cristã é tal que, uma vez encontrada, não dá mais ensejo a buscas. Esta verdade foi entre­ gue à igreja de uma vez por todas em Jesus Cristo, e a tarefa do fiel é simplesmente aceitá-la, sem uma curiosidade vã que somente pode levar ao erro.

A essência do argumento da Praescriptio aparece no capítulo 15, onde Tertuliano afirma que toda discussão com os hereges com base na Escritura está fora de ordem, pois os hereges não podem reivindicar nada sobre o texto sagrado. A partir deste ponto, o verdadeiro argumento do livro se ex­ pande, para deixar claro que as Escrituras pertencem à igreja e que somente ela pode fazer uso do texto sagrado. As Escrituras, bem como a verdadeira doutrina - resumida na regra de fé - foram dadas pelos apóstolos a seus sucessores, que por sua vez as confiaram aos seus próprios sucessores e assim sucessivamente até o tempo presente. Os hereges são incapazes de demonstrar que são sucessores legítimos dos apóstolos, enquanto a Igreja tem condições de provar seu direito a esta herança. Em Corinto, em Eilipos, em Tessalônica, em Éfeso, em Esmirna e em Roma há igrejas que foram fundadas pelos apóstolos e que podem mostrar a sucessão que liga os após­ tolos aos bispos atuais. Todas estas igrejas ensinam a mesma doutrina, e mesmo aquelas que não foram fundadas pelos apóstolos são apostólicas na medida em que sua doutrina é a m e s m a . A igreja ortodoxa pode apresen­ tar essa sucessão e essa unidade de doutrina; com base nisto, pode reivindi­ car as Escrituras como sua herança completa. Os hereges não podem fazer

'^Adv. Prax. 10 (ANF, 3; 605). De praes. haer. 32.

0 mesmo, pois eles são inescrupulosos e ensinam novas doutrinas. Dessa forma, eles não têm o direito de apelar à Escritura. Aqui Tertuliano faz uso da praescriptio longi temporis, segundo a qual o uso de uma propriedade por um prolongado período dá ao usuário, com o decurso do devido tempo, um direito legal. Assim, de acordo com este tipo de praescriptio, a igreja, que sempre fez uso das Escrituras, é a única que no presente tem o direito de usá-las e interpretá-las.

O argumento de Tertuliano é esmagador e decisivo. Se os hereges não têm direito de usar as Escrituras, torna-se impossível para eles discutir com os ortodoxos a fim de desviá-los da verdadeira fé. A praescriptio é total: os hereges estão excluídos de qualquer discussão; somente as igrejas ortodo­ xas e apostólicas têm o direito de determinar o que é e o que não é doutrina cristã.

Contudo, pouco tempo depois de escrever esta defesa da autoridade das igrejas apostólicas e de seu direito exclusivo de interpretar as Escrituras, o próprio Tertuliano rompeu com essas igrejas e se tornou um montanista. Apesar disso não ter sido, de modo algum, um rompimento com a ortodo­ xia, Tertuliano percebeu agora que precisava assumir a responsabilidade de argumentar contra os hereges, precisamente o tipo de argumentação que a

praescriptio aparentemente tinha excluído. Uma vez que se negue a autori­

dade final das igrejas apostólicas, o argumento da praescriptio perde seu poder, e é necessário refutar os hereges de outro m odo.‘^ Essa é uma das razões porque Tertuliano escreveu alguns de seus mais significantes traba­ lhos, entre eles Contra Praxeas.

Nada sabemos sobre Praxeas. Parece que ele veio da Ásia Menor, onde ele conhecera tanto o monarquianismo quanto o montanismo, acabando por aceitar o primeiro e rejeitar o último. Ao chegar em Roma, foi bem recebi­ do, e posteriormente se encarregou de combater o montanismo e expandir o monarquianismo naquela cidade. Em virtude disso, Tertuliano diz que

o lugar exato de Rom a dentro da estrutura da teologia de Tertuliano é objeto de várias interpreta­ ções. Cf. H. Koch, “Zu Tertullian Dí?piii/Zc/nii 21. 9 ss.".Znl\V, 31 (1932). 68-72; W. Köhler, “Omnis ecclesia Petri propinqua”, ZntW , 31 (1932), 60-67. H. Stoeckius, “Ecclesia Petri propinqua; Eine kirchengeschichtliche Untersuchung der Primatsfrage bei Tertullian” , AkathKrcht. 117 (1937), 24­ 126; Berthold Altaner, “Omnis ecclesia Petri propinqua” , ThR, 38 (1939), 129-138. O texto que está no âmago desta discussão é De pudicitia 2 1 .9 .

Na De prae. haer. 44. Tertuliano já prom etera uma refutação adicional de várias heresias. Mas se tivesse tom ado sua praescriptio seriamente, essas refutações não seriam tão extensivas e detalhadas quanto elas se tornaram após ele ter se unido aos montanistas.

Praxeas “fez um duplo serviço para o diabo em Roma: ele afugentou a pro­ fecia, e introduziu a heresia; ele afastou o Espírito e crucificou o Pai.” '*’

O tratado de Tertuliano Contra Praxeas é importante porque algumas de suas frases e terminologia parecem preanunciar aquilo que, séculos mais tarde, se transformaria em fórmulas amplamente aceitas. Isto ocorre na dou­ trina trinitariana bem como na Cristologia.

A fim de responder às alegações de Praxeas, Tertuliano desenvolve sua doutrina trinitariana, fazendo uso da terminologia jurídica de seu tempo. De acordo com ele, Praxeas afirma que a distinção entre o Pai e o filho destrói a “monarquia” de Deus, mas não compreende que a unidade da m onarquia não requer que ela seja sustentada por uma só pessoa.*^ “Mo­ narquia”, este termo tão acalentado por Praxeas e seus seguidores, significa simplesmente que um governo é único, e nada impede o monarca de ter um filho ou de administrar sua monarquia como lhe aprouver - o que Tertulia­ no chama de “economia” divina. Além do mais, se o pai assim quiser, o filho pode participar na monarquia sem com isso destruí-la. Portanto, a monarquia divina não é razão para se negar a distinção entre o Pai e o Filho, como alegado pelo “simples, na verdade, eu não quero chamá-los de insen­ satos e ignorantes”, que negam tal distinção.*®

Mas isto não é suficiente para refutar Praxeas, pois é necessário explicar como é possível que o Pai, o Filho e o Espírito Santo sejam um só Deus e que eles, contudo, sejam diferentes. Aqui Tertuliano apela novamente para sua formação legal e introduz dois termos que a igreja continuaria usando por muitos séculos: “substância” e “pessoa”. O termo “substância” deve ser entendido aqui, não num sentido metafísico, e sim num sentido legal.

Adv. Prax. 1 {ANF. 3: 579). Há algum a dúvida afinal quanto à existência de Praxeas. Este nome

pode muito ter sido um modo velado de Tertuliano se referir a Noeto de Esmirna ou a Calixto de Roma. Nem todos os eruditos concordam sohre a im portância da terminologia legal para uma correta interpretação de Tertuliano. Hans Rheinfelder, Das Wort “Persona Geschichte seiner Bedeutungen m it besonderer B erück sichtigung des französischen und italienischen M ittelalters (Halle: H.

Niemeyer, 1928) segue esta interpretação, que é proveniente de Harnack. Contra esta visão, ver H. C. Dowdall, “The Word ‘Person’”, ChQR, 106 (1928) 229-264, e Em est Evans, “Tertullian’s Theological Terminology” , ChQR, 139 (1944-45), 56-77. Ver também Th. L. Verhoeven, Studien over Tertullicmus’

Adversus Praxeam, voornamelijk betrekking hebbend op monarchia, oikonomia, probola in verband met de Triniteit. Proefschrift (Amsterdam: N oord-Hollandsche Uitgevers iVIaatschappij, 1948).

Ver Antonio Quacquarelli, “L’antimonarchianesimo di Tertulliano nell ‘Adversus Praxeam’”, RScF, 3 (1950), 31-63; Th. Verhoeven, “Monarchia dans Tertullien, Adversus Praxeam ”, VigCh, 5 (1951), 43-48.

"> Adv. Prax. 3 (ANF, 3:59&).

Dentro deste contexto, “substância” é a propriedade e o direito que uma pessoa tem de fazer uso dessa propriedade. No caso da monarquia, a substân­ cia do Imperador é o Império, e é isto que torna possível para o Imperador partilhar sua substância com seu filho - como de fato era comum no Impé­ rio Romano. “Pessoa”, por outro lado, deve ser entendida como “pessoa jurídica” e não no sentido comum. “Pessoa” é alguém que tem uma certa “substância” . É possível que várias pessoas participem de uma substância, ou que uma pessoa tenha mais de uma substância - e essa é a essência da doutrina de Tertuliano a respeito não apenas da Trindade, mas também a respeito da pessoa de Cristo.

Com base nesses conceitos de substância e pessoa, Tertuliano afirma a unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo sem negar sua distinção: os três

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