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Uma Historia Do Pensamento Cristao-V-1 Justo-Gonzalez

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Uma História do

Pensamento Cristão

Do início até o Concilio de C a l c e d ô n i a

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sta série em três volumes foi completamente revisada pelo autor. Fácil de 1er, defin itiv a e a tu aliza d a , ela a p resen ta o desenvolvimento do pensamento cristão desde os tempos da Igreja Primitiva, passando pela Idade Média, pela Reforma e pelo Iluminismo, chegando ao século 2Q.

Justo González acrescentou um capítulo novo sobre o século 20 e - à luz da erudição contemporânea - revisou inteiramente o texto e completou a bibliografia. Percorrendo os principais pensadores cristãos e o desenvolvimento teológico da Igreja, González coloca à nossa disposição um a das odisséias do pensamento cristão mais acessíveis e revestidas de autoridade.

Vol. 1 - Do início até o Concilio de Calcedônia Vol. 2 - De Agostinho às vésperas da Reforma Vol. 3 - Da Reforma Protestante ao século 20

Justo L. Gonzáles, autor de vários livros, é professor visitante de Teologia no International Theological Center em Atlanta, Geórgia.

CDITORR CULTURA CRISTA

Rua Miguel Teles Júnior, 394 - Cambuci 01540-040 - São Paulo - SP - Brasil C.Postal 15.136 - São Paulo - SP - 01599-970 Fone (0**11) 3207-7099 - Fax (0**11) 3209-1255

www.cep.org.br - cep@cep.org.br História da Igreja/Teologia

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volume 1

Uma História do

Pensamento Cristão

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Uma História do Pensamento Cristão, Vol. 1, de Justo L. Gonzáles © 2004, Editora Cultura Cristã. Publicado

em inglês com o título A History o f the Christian Thought, Revised Edition Vol. I © 1970 Abingdon Press - Nashville, Tennessee, USA. Todos os direitos são reservados. © 1987 Abingdon Press para o Apêndice, Prefácio à Segunda Edição em Inglês, notas de rodapé e revisões editoriais.

1“ edição em português — 2004 3.000 exemplares Tradução Paulo Arantes Revisão Ailton Dutra Editoração Ailton Dutra Capa Magno Paganelli Gonzalez, Justo L.

G643h Uma história do pensamei ito cristão / Justo L. Gonzalez ; tradução Paulo Arantes, Vanuza Helena Freire de IVIattos. - - São Paulo : Cultura Cristã, 2004 ^

3v.; 16x23 cm, ”

I

ISBN 85-7622-015-6 (v.1) ISBN 85-7622-016-4 (v.2) ISBN 85-7622-017-2 (v.3)

Conteúdo: v.1 Do princípio até ao Concilio de Calcedônia - -

v.2. De Agostinho às vésperas da Reforma - - v.3. Da Reforma Protestante ao século 20. 1. História da Igreja 2. Teologia I. Arantes, Paulo. II. Mattos, Vanuza. III. Título

CDD21.ed.-270

V

Publicação autorizada pelo Conselho Editorial: Cláudio lílarra (FresidenZ'), ^ Barbosa Vieira, André Luís Ramos, Mauro ''em ando^eister, Otávio Henrique de Souza, Ricardo Agreste, Sebástião Büeno Olinto, Valdeci da Silva Santos

M A Z I N K O R O D R I & U E S

CDITORR CUITURR CRISTA

Hua Miguel leles Júnior, aa4 - uam ouci

01540-040 - São Paulo - SP - Brasil C.Postal 15.136 - São Paulo - SP - 01599-970 Fone (0**11) 3207-7099 - Fax (0**11) 3209-1255

w ww.cep.org.br - cep@ cep.org.br

S uperintendente: H averaldo Ferreira Vargas E ditor: C láudio A ntônio B atista M arra

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Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas... corramos com perseverança a carreira que nos está proposta.

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PREFÁCIO À SEGUNDA

EDIÇÃO EM INGLÊS

Já se passaram mais de dez anos e dez impressões desde a primeira pu­ blicação de Uma História do Pensamento Cristão - o primeiro volume foi publicado em inglês em 1970 e o terceiro em 1975. Fiquei extremamente satisfeito por ver seu uso disseminado em universidades e seminários. Também sou grato aos colegas que, tanto em críticas publicadas como em correspon­ dência pessoal, sugeriram meios pelos quais aquela primeira edição pode­ ria ser aperfeiçoada. Na preparação dessa edição revisada, procurei levar em consideração tais críticas e sugestões.

É meu propósito, todavia, produzir um livro que possa servir como uma introdução ao assunto para leitores com pouco ou nenhum treinamento teo­ lógico, dando-lhes tanto o conhecimento básico necessário para estudos teológicos e históricos adicionais quanto uma visão da rica variedade do pensamento cristão ao longo dos séculos. Dessa forma, procurei evitar exten­ sas generalizações ou conceitos puramente pessoais que poderiam fazer o livro mais interessante a meus colegas, mas, por outro lado, menos provei­ toso aos leitores que almejo alcançar.

São muitas as mudanças desta nova edição. A maioria delas envolve questões bibliográficas, atualização de referências e avaliação das mais re­ centes pesquisas. Sempre que tais pesquisas me levaram a corrigir meus conceitos em um assunto particular, essas correções se refletiram em mu­ danças no texto. Alguns capítulos foram radicalmente reorganizados - em particular, o capítulo sobre a teologia protestante do século 19. Atendendo às sugestões de numerosos críticos, também adicionei um capítulo sobre Teologia Contemporânea.

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Desde que a primeira edição foi publicada, tenho me conscientizado de dois fatores que afetam profundamente a história da teologia cristã, embora poucas vezes sejam suficientemente reconhecidos. O primeiro é o cenário litúrgico e comunal no qual a teologia se desenvolve. Um entendimento mais pleno da teologia medieval, por exemplo, requereria uma consideração paralela dos tratados e discussões teológicas, por um lado, e da liturgia m o­ nástica das horas, por outro. Embora as relações entre a liturgia e a teologia apareçam repetidamente nos três volumes, sinto que há muito mais traba­ lho a ser feito nesta área; confesso que não fiz o suficiente para relacioná- las em uma única estrutura ao longo de toda a história do Cristianismo.

O segundo fator, na história da teologia cristã, do qual tenho me tornado mais profundamente consciente, é o contexto social e econômico e o con­ teúdo da teologia. Este é um campo ao qual tenho devotado muito interesse em anos recentes. Meus estudos destas áreas têm enriquecido minha apre­ ciação por muitos dos teólogos discutidos nesses três volumes e têm aprofundado meu entendimento de diversos temas teológicos aparentemente abstratos. Nessa edição revisada tenho me referido a questões econômicas em alguns poucos pontos. Contudo, dado ao propósito desse livro - servir como uma introdução a estudantes que necessariamente não conhecem as interpretações mais tradicionais - , abstive-me de reescrever toda a história a partir da perspectiva deste ponto de vista particular. Espero fazer isto em dois trabalhos agora em preparação - um sobre a história dos conceitos cristãos sobre economia; e outro sobre como os diferentes tipos de teologia, que podem ser discernidas na história do Cristianismo, relacionam-se com estes e outros temas.

Em grande medida, história é autobiografia - ou, talvez, deveria ser dito que ela é o prolegómena à biografia de alguém. De qualquer modo, nosso conceito sobre quem somos, tanto como indivíduos quanto como uma co­ munidade de fé, depende em grande medida sobre o que entendemos ser nossa história. Uma vez impressa essa edição revisada, minha oração é que seus leitores obtenham dela novo entendimento, e assim sejam auxiliados naquilo que é, afinal, a tarefa primária da comunidade cristã; Ser fiel e obediente no mundo em que fomos colocados.

J .L .G .

Decatur, Geórgia 19 de Setembro de 1986

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PREFÁCIO À PRIMEIRA

EDIÇÃO EM INGLÊS

Esse livro nasceu da necessidade. Ao ensinar em um seminário na Amé­ rica Latina, tornei-me consciente, de forma dolorosa, da carência de uma introdução geral à história do pensamento cristão; algo que fosse simples o suficiente para ser lido e entendido por principiantes, mas que, ao mesmo tempo, lhes desse um vislumbre da complexidade e rica variedade do cam­ po em que estavam entrando pela primeira vez. Foi com esta diretriz em mente que o livro foi escrito; portanto, não procurei ser original no sentido de propor uma nova interpretação do curso histórico da teologia cristã.

A edição em inglês é, de certa forma, um livro totalmente novo. Reuni observações e sugestões de colegas protestantes e católicos por toda Améri­ ca Latina que conheceram e usaram o livro. Incorporei tais sugestões nessa edição e, na minha opinião, foram melhorias decisivas. Além disso, durante a tradução do livro para o inglês, introduzi correções em diversos pontos com respeito aos quais estudos posteriores me levaram a repensar meus conceitos; em outros pontos, as correções se deram porque o uso prático do livro provou que neles eu não tinha sido suficientemente claro.

Quanto ao conteúdo desse volume - o primeiro de três - devo expli­ car que, por causa da clareza, desloquei para o segundo volume três assun­ tos que, cronologicamente, pertenceriam a este: A teologia de Agostinho, o desenvolvimento posterior da penitência após seu início primitivo e os pro­ blemas da forma e autoridade do ministério após seus primeiros estágios. O leitor encontrará esses três assuntos continuados e retomados no segundo volume da História - cujo texto em espanhol será publicado quase ao mes­ mo tempo que esse primeiro volume em inglês.

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Seguindo a sugestão quase unânime dos eruditos que leram esse livro em espanhol, bem como meu texto original em inglês, decidi não incluir um capítulo sobre o Novo Testamento. Espero que essa omissão seja ade­ quadamente entendida, não como uma negação da importância do Novo Testamento mas, pelo contrário, como uma afirmação de que o campo de pesquisa do Novo Testamento é tão vasto e tão crucial que requer conside­ rações separadas e especiais.

Finalmente, uma palavra de gratidão. Tantas pessoas contribuíram para esse livro que dificilmente posso chamá-lo de meu. Uma obra ampla tal como essa somente pode ser escrita porque, numa data muito antiga, milhares de monges e eruditos desconhecidos preservaram e copiaram ma­ nuscritos, produziram e publicaram edições de obras clássicas, fizeram exaus­ tivos estudos monográficos sobre diversos assuntos e, em geral, pavimenta­ ram o caminho que eu devo seguir. Outros me ensinaram tudo que sei sobre os métodos de pesquisa histórica, sobre as línguas antigas e modernas e sobre outras ferramentas necessárias para urna obra tal como essa. Mais concretamente, Dr. Roland H. Bainton e Dr. David C. White me encoraja­ ram em meu trabalho. Dr. Bainton também me honrou escrevendo o prefá­ cio para este livro, enquanto que o Dr. White traduziu algumas partes dele. A Sra. Clara Sherman de Mercado também traduziu dois capítulos. A Sra. Ramonita Cortés de Brugueras muito bondosamente datilografou e redati- lografou meu manuscrito em diversos estágios de produção. Com estes dé­ bitos de gratidão, eu ofereço esse livro ao leitor, na esperança de que ele, de algum modo, o ajude a entender a fé da qual eu mesmo me considero her­ deiro. Se esse livro cumprir tal propósito, vou me sentir mais do que ampla­ mente recompensado. Estou certo de que os inúmeros crentes de todas as épocas que me ajudaram a escrevê-lo diriam o mesmo.

J. L. G.

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SUMARIO

Prefácio - Roland H. B ainton... 13

Lista de abreviações...17

I. Introdução... 23

I I . 0 berço do Cristianismo ...29

III. A teologia dos pais apostólicos... 61

IV. Os apologistas greg o s... 95

V. As primeiras heresias: Desafio e re sp o sta ...119

VI. Irin e u ... 153

VII. Tertuliano... 167

VIII. A escola de Alexandria: Clemente e O ríg en es... 183

IX. A teologia ocidental no século 3 - ...223

X. A teologia oriental após O ríg en es...241

XI. A controvérsia ariana e o Concilio de N icéia...255

XII. A controvérsia ariana após N ic é ia ... 265

XIII. A teologia de A tan ásio ... 283

XIV. Os grandes capadócios... 295

XV. A doutrina trinitariana no O cid en te... 315

XVI. O início das controvérsias cristológicas...325

XVII. A controvérsia nestoriana e o Concilio de É f e s o ... 341

XVIII. O Concilio de C alcedô n ia... 355

XIX. Apostólica ou a p ó sta ta ...367

Apêndice: Sugestões para futuras leituras...369

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PREFACIO

Quando foi perguntado a Jesus qual era o principal dos mandamentos, ele respondeu citando um versículo do Antigo Testamento; mas ao fazê-lo, ele efetuou uma adição importante. O texto que ele citou é a própria essên­ cia do Judaísmo: “Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força” . Assim está escrito em Deuteronômio 6.4,5. Mas Jesus adicionou: “Amarás, pois, o Senhor, teu Deus... de todo o teu entendi­ mento” (Mc 12.30). Esta adição fornece a raison d ’être (razão de ser) deste livro. Sempre houve (e continua havendo) uma contínua história do pensa­ mento cristão porque o Mestre exortou seus discípulos a amarem seu Deus, não somente com o coração e a força, mas também com a mente.

Ainda que o Mestre nunca tivesse dado tal prescrição, seus discípulos dificilmente poderiam se esquivar do uso de suas mentes, uma vez que foram compelidos a usá-las em virtude das exigências do mundo greco-romano, ambiente no qual estavam inseridos; homens de mente aguçada, que com­ partilhavam esse ambiente com a Igreja Primitiva, propunham aos cristãos questões que exigiam profunda reflexão e distinções rigorosas. Os cristãos se recusavam a adorar o imperador como um deus. Assim também faziam os judeus. A razão para os judeus se recusarem era óbvia e coerente, basea­ da naquele grande mandamento que Jesus citou: “Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor”, e no mesmo lugar: “Não terás outros deuses diante de mim”. Os judeus não admitiriam a adoração de qualquer outro deus senão Yahweh, e no devido tempo eles vieram a negar a existência de qualquer outro deus. Sobretudo, eles jamais considerariam qualquer ho­

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mem como um deus. Os cristãos, porém, recusavam-se a adorar o impera­ dor, um homem deificado, porque era incompatível com a adoração exclu­ siva de Cristo. Os pagãos, então, poderiam dizer: “Por que vocês se recu­ sam a adorar um homem como deus? Seu Cristo não era um homem?” Se o cristão respondesse: “Não, ele era um deus” , o pagão refutaria: “Neste caso, vocês têm dois deuses. Por que, então, vocês nos acusam de politeísmo?” Deste modo, a rejeição da adoração do imperador exigiu uma cristologia.

Em seus embates com o mundo pagão, os cristãos despojaram os egípcios. Assim como os israelitas, quando escaparam do Egito, prevaleceram sobre alguns dos deuses de seus opressores, também os cristãos utilizaram as idéias e os métodos intelectuais de seus oponentes ao dar forma a suas respostas. De modo geral, as preocupações intelectuais dos cristãos, embora teológicas e não filosóficas, os colocou na tradição da filosofia grega; mesmo aqueles que, como Tertuliano, censuravam o uso da erudição pagã, não obstante, na sutileza de seu raciocínio, foram legatários da herança clássica. Mas tam­ bém o Judaísmo oferecia suporte para atividades intelectuais. A Sinagoga era única no mundo antigo: Uma igreja sem um altar, somente uma mesa para a leitura da Lei. Então, após a leitura, vinha a exposição, pois a Lei devia ser interpretada. A mesa na Sinagoga era tanto o atril* de um professor bem como o púlpito de um profeta. O rabi era ambos. Sugestivamente, as primeiras igrejas foram modeladas conforme a Sinagoga.

Assim, não havia divisão absoluta entre o mundo hebraico e o helênico. Eles tinham em comum o suficiente para tornar possível uma fusão; e isto foi experimentado antes do advento do Cristianismo. Filo, o judeu, que vi­ veu na Alexandria de fala grega, foi o primeiro a fazer essa união tão fértil em riqueza e em tensão para o modo de pensar dos séculos porvir. Filo harmonizou amplamente o Judaísmo e o helenismo, em larga medida por alegorizar o Antigo Testamento com contornos platônicos. Os cristãos fo­ ram, na verdade, melhores hebreus do que Filo, pois embora abertos ã in­ fluência platônica, todavia, por sua insistência na encarnação de Deus na carne do homem Jesus, persistentemente resistiram à tendência platônica de menosprezar a carne como uma inimiga do espírito.

A encarnação de Deus no homem Jesus envolve uma outra afinidade do Cristianismo com o Judaísmo e uma divergência da abordagem helênica à religião, porque o Judaísmo e o Cristianismo vêem a primordial

auto-reve-' NT - A tril, m óvel feito em plano inclinado, onde se põe papel ou livro aberto, para se ler com odam ente.

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lação de Deus ao homem nos eventos da história. O Eterno irrompe no tempo. Isto é o que acontece, de forma suprema, com a encarnação, em si mesma um evento no tempo, ocorrido quando veio de César Augusto um decreto segundo o qual todo o mundo deveria ser recenseado. O Verbo tor­ nou-se carne em um ponto no tempo. Dessa forma, o Cristianismo sempre deve ser orientado historicamente. Isto também significa que Deus, em Cris­ to, estava revelando-se a si mesmo ao homem. Isto é revelação, que desceu à terra vinda de cima. Mas para o grego, embora o vidente possa experi­ mentar visões e o devoto êxtases, o conhecimento de Deus, contudo, é antes o resultado de inferência do observável no mundo da natureza e do homem. Isto é essencialmente verdadeiro para as abordagens estóica e aristotélica. Também pode se dizer o mesmo, amplamente, no caso da abordagem platô­ nica; nesta última, a partir das sombras que vê, o homem infere as realida­ des que não vê. Neste caso, revelação, se isto pode ser assim chamado, procede de baixo. Revelação não é um depósito, mas o objeto de uma bus­ ca. Não é entregue em pronunciamentos, como Moisés entregou a Lei no Sinai, mas, em vez disso, é esboçada no curso do diálogo no qual a mente do homem é combinada com a mente do homem. No processo, discerni­ mentos prévios podem ser inteiramente substituídos. Não há necessidade de se permanecer ancorado no passado; não há nada entregue de uma vez por todas.

O Cristianismo, enraizado na história, assevera uma revelação dada de uma vez por todas. Mas esta revelação ainda tem que ser explicada. E, afi­ nal de contas, ela não foi dada no Sinai em um conjunto de mandamentos ou rascunhada na forma de um conjunto de proposições. Ela foi dada em uma vida, e até mesmo na primeira geração a importância desta vida foi avaliada diferentemente, apesar da surpreendente unanimidade dos docu­ mentos cristãos primitivos. A história do pensamento cristão é o registro da luta do homem com as implicações da auto-revelação de Deus no homem Cristo Jesus. Além do mais, na maior parte, os cristãos estavam prontos para considerar os insights religiosos dos gregos como uma preparação para Cristo e também como valiosos para serem levados em conta no entendi­ mento de Cristo. Conseqüentemente, ao longo de toda a história do Cristia­ nismo, tem havido uma tensão entre o passado e o presente; entre o dado e o procurado; entre a revelação como, de certa forma, um depósito, e revela­ ção como o alvo de um esforço; entre a fé a ser conservada e a verdade a ser adquirida. A tensão não foi resolvida pelos séculos de pensamento cristão, mas uma solução não pode ser tentada sem levá-los em conta.

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Este primeiro volume lida com o período primitivo. Os problemas então levantados ainda são nossos. O Dr. González tem um esplêndido do­ mínio das idéias cardeais e uma capacidade requintada para separar o signi­ ficativo do trivial e efêmero. Sua exposição é marcada por clareza singular. Domina as ferramentas lingüísticas para a leitura de obras antigas e moder­ nas. Demonstra um amplo conhecimento da literatura recente. Sua obra pode ser entusiasticamente recomendada a leitores de qualquer língua.

Roland H. Bainton

Titus Street Professor Emérito de História Eclesiástica Yale University

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LISTA DE ABREVIAÇÕES

AC W Ancient Christian Writers

AkathKrcht Archiv fü r katholisches Kirchenrecht A N F The Ante-Nicene Fathers

Ang Angelicum

AnglThR Anglican Theological Review AnnTh L ’Année Théologique

Ant Antonianum

AntCh Antike und Christentum Aug Agostinho

Augm Augustinianum

BAC Biblioteca de Autores Cristãos BLE Bulletin de Littérature Ecclésiastique

BThAM Bulletin de Théologie Ancienne et Médiévale Byz Byzantion

ByzZschr Byzantinische Zeitschrift

BZNtW Beihefte zur Zeitschrift fü r die neutestamentliche Wissenschaft

CAH Cambridge Ancient History CD A Cidade de Deus

CH Church History

ChQR Church Quarterly Review CommVind Commentationes Vindobonenses CTM Concordia Theological Monthly

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18 UMA HISTÓRIA DO PENSAMENTO CRISTÃ(

DHGE Dictionnaire d ’Historie et de Géographie Ecclé­ siastiques

DivThom Divus Thomas: Commentarium de Philosophia et Theologia

DKvCh D as K o n zil von C halkedon: G esch ich te und Gegenwart (org. Grillmeier und Bacht)

DomSt Dominican Studies

DTC Dictionnaire de Théologie Catholique EphemTheolLovan Ephemerides Theologicae Lovanienses Est Estudos

Est E d Estudos Eclesiásticos ExpT The Expository Times

GltEil Giornale Italiano di Filologia Greg Gregorianum

GrOrthThR Greek Orthodox Theological Review

HD A. von Hamack, History o f Dogma (Nova York:

Russell & Russell, 1958)

HE História Eclesiástica (geralmente a de Eusébio) Hjb Historisches Jahrbuch '

HTR Harvard Theological Review

IDB The Interpreter’s Dictionary o f the Bible 1ER Irish Ecclesiastical Record

IntkZtschr Internationale kirchliche Zeitschrift IrThQ The Irish Theological Quarterly JBL , Journal o f Biblical Literature JEH Journal o f Ecclesiastical History JES . Journal o f Ecumenical Studies JQR Jewish Quarterly Review JRel The Journal o f Religion

JRelSt The Journal o f Religious Studies JRL The Journal o f Religious History JTS Journal o f Theological Studies

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LISTA D E ABREVIAÇÕES 19

Kairos Kairos: Zeitschrift fü r Religionswissenschaft und Theologie

KAH YJ^tjpovoiiia

KuD Kerygma und Dogma

Lat Latomus: Revue d ’Études Latines LCL Loeb Classical Library

LuinVie Lumière et Vie

M isMed Miscelanea Mediaevalia

MScRel Mélanges de Science Religieuse MusHelv Museum Helveticum

NAKgesch Nederlands Archiefvoor Kerkgeschiedenis NDid Nuovo Didaskaleion

NedTheolTschr Nederlands Theologisch Tijdsùhrifl NPNF The Nicene and Post-Nicene Fathers NRT Nouvelle Revue Théologique

N T Novum Testamentum NTS New Testament Studies

Numem Numen: International Review fo r the History o f Religions

OsCh Orientalia Christiana Periodica

PG Patrologiae cursus completus... series Graeca (org.

Migne)

PL Patrologiae cursus completus... series Latina (org.

Migne)

PO Patrologia orientalis Prot Protestantesimo

RAC Reallexikon fü r Antike und Christentum RelStRev Religious Studies Review

RET Revista Espanhola de Teologia RevBénéd Revue Bénédictine

RevBib Revue Biblique

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RevEtGr RevScRel RGG RHE RicRel ROC RScF RScPhTh RscRel RStFil RThAM RUOtt

Revue des Études Grecques Revue des Sciences Religieuses

Die Religion in Geschichte und Gegenwart. Dritte

Auflage

Revue d ’Histoire Ecclésiastique Ricerche Religiose

Revue de V Orient Chrétien Rassegna di Scienze Filosofiche

Revue des Sciences Philosophiques et Thélogiques Recherches de Science Religieuse

Rivista Crítica da História da Filosofia

Recherches de Théologie Ancienne et Médiévale Revue de L ’Université d ’Ottawa

SBAW SC SCatt Sch ScrVict S e f SP StCath StTh StVlad

Sitzungsberichte der bayrischen Akadem ie der Wissenschaften in München

Sources Chrétiennes La Scuola Cattolica

Scholastik: Vierteljahrschrift fü r Theologie und Philosophie

Scriptorium Victoriense

S efa ra d : R e v ista de la E scu ela de E stu d io s Hebraicos

Studia Patristica Studia Catholica Studia Theologica

Saint Vladim ir’s Theological Quarterly Th ThBl ThGl ThLit ThPh ThR ThSK ThSt ThViat Theology Theologische Blätter Theologie und Glaube

Theologische Literaturzeitung Theologie und Philosophie Theologische Revue

Theologische Studien und Kritiken Theological Studies

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LISTA D E ABREVIA ÇÔES 21

ThZschr Theologische Zeitschrift TIB The Interpreter ’s Bible TQ Theologische Quartalschrift TrthZschr Trierer Theologische Zeitschrift VetTest Vêtus Testamentum

VieSpirit La Vie Spirituelle VigCh Vigiliae Christianae WuW Wissenschaft und Weisheit

ZkT Zeitschrift fü r katholische Theologie

ZntW Zeitschrift fü r die neutestamentliche Wissenschaft und die Kunde der älteren Kirche

ZschrKgesch Zeitschrift fü r Kirchengeschichte ZTK Zeitschrift fü r Theologie und Kirche

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INTRODUÇÃO

Por causa da natureza do material com que lida, a história do pensamen­ to cristão deve, inevitavelmente, ser um empreendimento teológico. A tare­ fa do historiador não consiste em mera repetição do que aconteceu - ou, neste caso, do que foi pensado. Ao contrário, o historiador deve começar selecionando o material a ser usado, e as regras que dirigem esta seleção dependem de uma decisão que é, em um grau considerável, subjetiva. Seja quem for que escreva uma história do pensamento cristão, não é ca­ paz de abranger todo o contetído dos 382 espessos volumes de fontes ori­ ginais editadas por M igne - e mesmo estes não vão além do século 12 - , mas é obrigado a fazer uma seleção, não somente quanto a quais obras incluir, mas também quanto às fontes a serem estudadas em preparação para a tarefa. Esta seleção depende, em grande parte, do autor, o que signi­ fica que toda história do pensamento cristão é, inevitavelm ente, também um reflexo das pressuposições teológicas do escritor; e o historiador que sugere que sua obra é livre de pressuposições teológicas está claramente iludido.

Harnack e Nygren, historiadores separados por décadas, bem como por posições teológicas diferentes, são exemplos de como as pressuposições teológicas influenciam o historiador do pensamento cristão a escrever a história de um modo diferente.

Adolph von Harnack, possivelmente o mais famoso dos historiadores do dogma, publicou sua obra monumental, Lehrbuch der Dogmengeschichte,

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no período de 1886 a 1890. Sua posição teológica era derivada do pensa­ mento de Ritchl,' a quem ele chama de “o último dos Pais da Igreja”. Ritchl se esforçava constantemente para limitar o envolvimento da filosofia no campo da religião, demonstrando as distorções que ocorrem quando a metafísica é relacionada com assuntos religiosos. Para ele, a religião é pree­ minentemente prática e não especulativa. Isto não quer dizer que a religião deve ser dissolvida em mero subjetivismo. Pelo contrário, a religião estabele­ ce os valores morais que são os únicos meios pelos quais uma pessoa pode libertar-se das condições de escravidão que caracterizam a vida natural. Nem dogmas nem sentimentos místicos constituem a fé cristã, mas sim aqueles valores morais que elevam uma pessoa acima da presente miséria da vida.

Partindo dessas pressuposições teológicas, as conclusões de Harnack fo­ ram inevitáveis. Para ele, a história do dogma cristão era, em grande parte, a história da negação progressiva dos verdadeiros princípios do Cristianis­ mo. Tais princípios deviam ser encontrados nos ensinos morais de Jesus. O ponto de partida, para Harnack, não era tanto a pessoa, mas sim os ensinos de Jesus.^ Conseqüentemente, todo o desenvolvimento doutrinário dos pri­ meiros séculos, que giram em torno da pessoa de Jesus e não de seus ensi­ nos, poderiam ser somente considerados como a distorção progressiva do significado original do evangelho. Dessa forma, o propósito da História do

dogma de Harnack é mostrar que o dogma - e especialmente o dogma cristo­

lógico - que no mundo moderno está obsoleto, nunca foi um resultado au­ têntico do evangelho.^

Nygren parte de pressuposições muito diferentes. Sendo um dos princi­ pais expoentes da “Teologia Lundensiana”,"* ele concebe a tarefa do historia­ dor do pensamento cristão como sendo uma “investigação de motivos” . Esta investigação tem, em si mesma, certos fundamentos filosóficos e teo­ lógicos que determinam seu caráter. Como um exemplo disso, podemos mencionar a antítese que Nygren estabelece entre o que ele considera o

‘ Uma introdução breve e boa à teologia de Ritchl pode ser encontrada em Hugh R. M ackintosh,

Types o fM o d ern Theology: Schleierm acher to Barth (Nova York: Scribner’s, 1937), p p .138-180.

^ Harnack sum ariza estes ensinos com o segue: (1) o reino de Deus e sua vinda, (2) a Paternidade de Deus e o infinito valor da alma humana, (3) a justiça superior e o mandamento do amor. Das Wesen des

Christentums (Leipzig: T. C. Hinrichs, 1902), p.33.

^ Ver Joseph de Ghellinck, Patristique et Moyen Age, Vol. Ill: Compléments a l ’étude de la Patristique (Gembloux: J. D uculot, 1948), pp.1-102.

*' Ver m eu Apêndice a Hugh R. M ackintosh, Corrientes teológicas contem porâneas (Buenos Aires: M ethopress, 1964), pp.129-165.

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motivo cristão essencial, o amor do tipo agape, e o motivo judeu, a Lei ou

nomos. Por causa dessa antítese, Nygren se acha incapaz de relacionar ade­

quadamente a Lei com o evangelho, o que por sua vez produz não apenas dificuldades teológicas, mas também distorções históricas - como quando Nygren nos presenteia com um quadro de Lutero, no qual a Lei perde a importância característica que tinha para o Reformador.^

De sua parte, os historiadores católicos romanos tradicionais tendem a interpretar a história do pensamento cristão de um modo tal que enfatize sua continuidade, pois, como Vincent de Lérins disse (século 5“), somente isto deve ser crido “o que foi crido em toda parte, sempre, e por todos”.® As pressuposições e juízos de valor do historiador determinam a seleção do material, a construção de pontes sobre as lacunas nas fontes, e a própria maneira da apresentação; tudo isso pode parecer tão objetivo a ponto de iludir 0 leitor.

Quais são as pressuposições do presente autor? É a pergunta que deve ser feita e honestamente respondida, para que o leitor possa exercitar me­ lhor o direito de discordar.

Ao lidar com o desenvolvimento da doutrina, este autor está convencido que é necessário fazer isso começando com um conceito teológico, isto é, uma visão cristã sobre a natureza da verdade, e que este entendimento da verdade - aqui não estamos falando sobre a verdade em si, mas somente sobre sua natureza - deve ser encontrado na doutrina da Encarnação. De acordo com esta doutrina, a verdade cristã é tal que ela não é perdida ou deformada ao unir-se com o concreto, o limitado e o transitório. Pelo con­ trário, a verdade - ou ao menos aquela verdade que é dada a nós - é dada precisamente ali onde o eterno une-se com o histórico; onde Deus torna-se carne; onde um homem específico, em uma situação específica, é capaz de dizer: “Eu sou a verdade”.

A fim de elucidar este conceito de verdade, vamos compará-lo com dois outros com os quais ele é incompatível, e que, por isso, resultam em outras interpretações da pessoa de Jesus Cristo que negam a doutrina da Encarnação.

^ Agape and Eros (Filadélfia: W estminster Press, 1956), pp.681-741. Conform e os comentários críticos de G ustaf W ingren, Theology in Conflict: Nygren, Barth, Bultmann (Filadélfia: M uhlenberg

Press, 1958), pp.85-107. '

Commonitorium 2. 3. Isto não significa, contudo, que a questão do desenvolvim ento do dogma

entre os teólogos católicos está acomodada. Pelo contrário, eruditos católicos têm produzido muitos estudos valiosos sobre temas complicados, e existe quase tanta variedade de conceitos entre eles quan­ to há entre eruditos protestantes.

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Primeiro, poderíamos afirmar que a verdade existe somente dentro do domínio do eterno, do permanente e do universal, e portanto não pode ser dada no histórico, no transitório e no individual. Este conceito de verdade exerceu uma forte atração sobre a mente grega e, por meio dela, sobre toda a civilização ocidental. Mas um conceito como este, embora possa parecer atrativo, levou tão somente à negação da Encarnação e à afirmação daquela doutrina conhecida como “Docetismo” (ver Capítulo VI), que, conquanto faça de Jesus Cristo um ser eterno, permanente e, até mesmo, universal, também o vê como completamente distinto daquele homem histórico e sin­ gular de quem os evangelhos nos falam.

Segundo, poderíamos dizer que toda verdade é relativa, que não há tal coisa como verdade absoluta entre os seres humanos. Este conceito de ver­ dade tem estado em moda nos últimos dois ou três séculos, resultado dos enormes desenvolvimentos nos estudos científicos e históricos que nos têm feito conscientes da relatividade de todo conhecimento humano. Mas este ponto de vista, embora pareça atrativo, é incompatível com a doutrina mais fundamental do Cristianismo, a saber, a afirmação de que no evento históri­ co de Jesus Cristo encontra-se o próprio significado de toda a vida e histó­ ria, e que isto é tão verdade hoje quanto foi no século P da Era Cristã. Um conceito de verdade como este poderia estar relacionado àquela doutrina cristológica chamada “Ebionismo” (ver Capítulo V), que, embora veja em Jesus Cristo um homem limitado, real e histórico, também o vê como com­ pletamente diferente daquele que os evangelhos nos apresentam como Se­ nhor de toda vida e história - não que os ebionitas fossem, eles mesmos, relativistas; é que nos tempos modernos este entendimento da verdade fre­ qüentemente coincide com uma cristologia ebionita.

Em face dessas duas posições, o Cristianismo afirma que a verdade é dada no concreto, no histórico e no particular, contida e escondida dentro do concreto, mas de um modo tal que nunca perde sua veracidade para todos os momentos históricos. Na humanidade histórica de Jesus Cristo, a Palavra Eterna de Deus chega a nós que não o vimos “segundo a carne” nem experimentamos a proximidade com que ele confrontou os primeiros discípulos. Somente na sua encarnação histórica conhecemos esta Palavra, ainda que saibamos que é a Palavra eterna, que foi e será para nós “um refúgio de geração em geração”, e que vem até nós a cada momento em que proclamamos o Senhor encarnado.

E esse entendimento sobre a relação entre a verdade e a história que serve como um ponto de partida em nossa interpretação e avaliação do de­

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senvolvimento doutrinário. A verdade da doutrina nunca será tal que possa­ mos dizer: Eis aqui a verdade eterna e incomutável, livre de qualquer som­ bra ou conjuntura de relativismo histórico. A verdade da doutrina somente está presente naquele grau em que, por meio de várias doutrinas, a Palavra de Deus (que é a Verdade) é capaz de confrontar a igreja com uma demanda por absoluta obediência. Quando isto acontece, esta doutrina, por sua vez, torna-se o padrão de julgamento da vida e proclamação da igreja. Se isto não ocorre, então as doutrinas não são mais do que documentos que teste­ munham do passado da igreja. E quer isto aconteça ou não, não depende de nós, nem é intrínseco do caráter da doutrina em si mesma, porém depende antes de uma decisão do Alto.

Então, todas as doutrinas são igualmente válidas? Certamente não. Além do mais, nenhuma doutrina é válida no sentido de ser capaz de identificar- se a si mesma com a Palavra de Deus.’ As doutrinas são palavras humanas com as quais a igreja procura testemunhar da Palavra de Deus - e neste sentido as doutrinas são uma parte da proclamação da igreja. Exatamente como no sermão, as doutrinas tornam-se a Palavra de Deus somente quando Deus as usa como instrumentos de sua Palavra, e nada podemos fazer para forçar Deus a falar por meio delas.

Mas, porque Deus em Jesus Cristo chega a nós e até mesmo torna-se um objeto de ação humana, e porque a mesma coisa ocorre - embora de um modo derivado - nas Escrituras e nos Sacramentos, é possível proferir ju l­ gamento sobre a validade de uma ou de outra doutrina - sempre lembrando que tal julgamento é nosso e não de Deus. É nas Escrituras - o “fundamento dos apóstolos e dos profetas” - que temos o padrão de medida para julgar uma doutrina.

Por outro lado, as doutrinas não surgem por geração espontânea, nem são enviadas diretamente do céu, à parte de qualquer relação com as cir­ cunstâncias humanas particulares. Os dogmas formam uma parte do pensa­ mento cristão, do qual eles surgem e para o qual mais tarde eles servem como um ponto de partida. As doutrinas são forjadas no decorrer de longos anos de reflexão teológica a partir de práticas de adoração estabelecidas, dentro do contexto de uma espiritualidade que se opõe àquelas doutrinas que po­ deriam parecer atacar o próprio centro da fé de uma época, até mesmo como

’ Cf. Karl Barth, Church D ogmatics (Edinburgo; T. and T. Clark, 1936), 1;306: “Ali a igreja do passado fala em dogm as - venerável, digna de respeito, auíoritativa, non sine Deo, com o sendo digno dela - mas a igreja... A Palavra de Deus está acima dos dogmas como os céus estão acima da terra” .

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O resultado de intrigas políticas. Além disso, nunca houve concordância

unânime entre os cristãos acerca de como e quando uma doutrina se torna um dogma. Esta é a razão de minha decisão de escrever uma “história do pensamento cristão”, em vez de uma “história do dogma” , que tenderia a dar mais atenção à declaração formal das doutrinas do que ao processo material pelo qual seu conteiído se origina e eventualmente toma-se aceito de forma ampla.

Na organização e apresentação do assunto exposto, fui guiado pelas ne­ cessidades de um livro texto para estudos teológicos. Para cada historiador, existem duas possibilidades de organização; Uma ordem cronológica ou uma ordem tópica e temática. Em um livro cujo propósito primário é servir como uma introdução ã história do pensamento cristão, uma discussão de temas não se mostra aconselhável, pois o leitor que não é versado na histó­ ria do Cristianismo, será facilmente confundido quando defrontado com uma unidade de material que, ainda que lhe apresente muito do pensamento cris­ tão, agrupa assuntos provindos de diferentes períodos da história. A apre­ sentação cronológica tem o valor indiscutível de evitar este tipo de confu­ são, mas sofre o defeito de enfatizar insuficientemente a continuidade das diversas correntes teológicas. E por esta razão que eu sigo um esboço que, embora essencialmente cronológico, procura manter em mente a continui­ dade de certos temas teológicos de importância primária.

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o

BERÇO DO CRISTIANISMO

De acordo com uma tradição refletida no Evangelho de Lucas, o Cristia­ nismo nasceu em uma manjedoura, uma cena que freqüentemente gosta­ mos de pintar em cores tranqüilas. Porém, essa cena da manjedoura não era de fato um exemplo de tranqüila indiferença em relação ao mundo ameaça­ dor, mas, muito pelo contrário, era o resultado de um envolvimento ativo. José e M aria foram levados à cidade de Davi por causa das condições eco­ nômicas em casa e por causa de um decreto promulgado em regiões longín­ quas: “Naqueles dias, foi publicado um decreto de César Augusto, convo­ cando toda a população do império para recensear-se” (Lc 2.1). O propósito do censo era a cobrança de impostos; o mundo ao redor da manjedoura estava repleto de amargas queixas.

Em resumo, desde o começo, o Cristianismo existiu como a mensagem do Deus que “amou ao mundo de tal maneira” que se tornou parte dele. Cristianismo não é uma doutrina etérea, eterna, sobre a natureza de Deus, mas antes é a presença de Deus no mundo, na pessoa de Jesus Cristo. O Cristianismo é encarnação, e, portanto, existe no concreto e no histórico.

O Cristianismo é.inconcebível ã parte do mundo. Por isso, em um estudo tal como este, devemos começar descrevendo, ainda que sucintamente, o mundo onde a fé cristã nasceu e deu seus primeiros passos.

O mundo judaico

Foi na Palestina, entre os judeus, que o Cristianismo surgiu. Entre os judeus e como um judeu, Jesus viveu e morreu. Seus ensinamentos foram

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concebidos dentro da cosmovisão judaica e seus discípulos os receberam como ensinos judeus. Mais tarde, quando Paulo viajou por todos os lados pregando o evangelho aos gentios, ele normalmente começava sua tarefa entre os judeus da sinagoga. Desse modo, devemos começar nossa história do pensamento cristão com um exame da situação e pensamento dos judeus entre os quais o Cristianismo nasceu.

A invejável localização geográfica da Palestina causou muito infortúnio ao povo que a considerava sua Terra Prometida. A Palestina, pelo meio da qual passavam rotas de comércio do Egito para a Assíria e da Arábia para a Ásia Menor,^ sempre foi objeto da cobiça imperialista dos grandes estados que surgiram no Oriente Próximo. Por séculos, o Egito e a Assíria lutaram por esta estreita faixa de terra. Quando a Babilônia suplantou a Assíria, também herdou a Palestina; nesse meio tempo, destruiu Jerusalém e levou para o exílio parte do povo. Depois que a Babilônia foi conquistada pela Pérsia, Ciro permitiu o retorno dos exilados e fez da Palestina uma parte de seu império. Ao derrotar os persas em Issus, Alexandre anexou seu impé­ rio, incluindo a Palestina, que ficou sujeita ao domínio dos governadores riiacedônios. Quando Alexandre morreu em 323 a.C., seguiu-se um período de inquietação por mais de vinte anos. No final desse período, os sucessores de Alexandre tinham consolidado seu poder, mas por mais de um século as duas principais dinastias que se estabeleceram a partir dos generais de Ale­ xandre, os Ptolomeus e os Selêucidas, lutaram pela posse da Palestina e seus arredores. No final, os Selêucidas obtiveram o domínio, mas quando Antíoco Epifânio tentou forçá-los a adorar o deus sírio Baal-Shamin, por identificá-lo com Yahweh, os judeus se rebelaram sob a liderança dos macabeus ou hasmoneanos; como conseqüência, eles obtiveram liberdade religiosa e, mais tarde, independência política. Esta independência, contu­ do, somente foi possível por causa da divisão interna da Síria, e se esvaneceu assim que surgiu o próximo grande poder: Roma. No ano 63 a.C., Pompeu tomou Jerusalém e profanou o Templo, entrando até mesmo no Santo dos Santos. Desde então, a Palestina ficou sujeita ao poder romano e nestas condições a encontramos quando do advento de nosso Senhor.

Sob os romanos, os judeus foram particularmente intratáveis e difíceis de governar. Isto ocorreu por causa da exclusividade de sua religião, que não admitia “deuses estranhos” diante do Senhor dos Exércitos. Seguindo

‘ Ver Georges A. Barrois. “Trade and Com m eree” , IDB, 4: 677-83; Yohanan Aharoni, The Land o f

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sua política de respeitar as características de cada povo conquistado, Roma respeitou a religião judaica. Como conseqüência, muitos partidos da Pales­ tina - particularmente os fariseus - assumiram uma postura pacífica e não se rebelaram contra Roma. Em pouquíssimas ocasiões, os governadores romanos interferiram nas práticas religiosas judaicas, mas a desordem e a violência resultante os obrigaram a retornar novamente à política anterior. Nenhum governador romano obteve sucesso em se tornar popular entre os judeus; contudo, aqueles que entendiam e aceitaram o caráter religioso de seus sííditos não encontraram oposição forte. Desta forma, os procuradores mais astutos tomavam cuidado para não cunhar pequenas moedas - as úni­ cas usadas pelo povo comum - com a imagem do imperador, ou exibir a vistosa e idólatra insígnia romana na Cidade Santa.^

Tudo isso aconteceu porque os judeus eram o povo da Lei. A Lei, ou Torah, era o centro de sua religião e de sua nacionalidade, e esta Lei dizia: “Escuta, ó Israel: O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor” . A Lei, como a conhecemos hoje, foi o resultado de um trabalho de compilação e organiza­ ção empreendido pelos líderes religiosos do Judaísmo em uma tentativa de unificar as tradições de seu povo.^

Com o passar dos anos e após muitas lutas patrióticas, a Lei tornou-se o símbolo e o baluarte do espírito nacional judeu. Com o declínio do movi­ mento profético e especialmente depois da destruição do Templo em 70 d.C., a Lei passou a ocupar o centro da cena religiosa.

Em conseqüência disso, a Lei, que foi codificada pelos sacerdotes para regulamentar a adoração no Templo e a vida cotidiana do povo*, tornou-se

- Sobre as circunstâncias políticas do período, ver: Stewart Perowne, The Later Herods: The Political

Background o f the N ew Testament (Nashville: A bingdon Press, 1958), Robert H. Pfeiffer, History o f New Testament Times, with cm Introduction to the Apocrypha (Nova York: Harper, 1949); G. H.

Stevenson, “The Imperial Administration” , CAH, 10:182-217: D. S. Russell, The Jews from Alexander

to Herod (Londres: Oxford University, 1967). Uma obra antiga mas ainda valiosa é a de Emil Schtirer:

.4 H istory o f the Jewish People in the Tunes o f Jesus Christ, 2“ ed. rev. (Nova York: Scribner’s, s.d.; reimpressão, N ova York, Schocken Books, I9 6 I). Sobre o encontro com o H elenismo na Palestina, ver M. Hengel, Judaism and Hellenism: Studies in Their Encounter in Palestine During the Early

Hellenistic Period (Filadélfia: Fortress, 1974).

■' Arthur Weiser, The Old Testament: Its Eormation and D evelopm ent (Nova York: Association Press, 1961), pp.70-142; Otto Eisfeldt, The O ld Testament: A n Introduction (Nova York: Harper, 1965), pp.I58-241; Outras teorias com relação à composição da Lei podem ser encontradas em Martin Noth, The Old Testament: An Introduction (Harper, 1965) e Georg Fohrer, Introduction to the Old

Testament (Nashville: Abingdon Press, 1968).

■ N.E.: Deve ser ressaltado, porém, que o próprio Jesus não admite o pensam ento aqui sustentado pelo autor. Gonzáles afirm a que a Lei foi resultado de um trabalho de com pilação empreendido pelos

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uma fonte da qual ergueu-se uma nova casta religiosa, distinta da sacerdo­ tal; e dessa mesma fonte também brotou um novo interesse espiritual cen­ tralizado não no Templo, mas na Lei. Embora essa Lei desse mais atenção ao significado da história do que aos eventos em si mesmos, isto não signi­ fica que ela era de caráter doutrinário; ao contrário, a Lei era de caráter cerimonial e prático. Os compiladores da Lei estavam menos interessados nos atributos de Deus do que no culto e adoração devidos a Deus. Esse interesse na prática religiosa levou ao estudo e interpretação da Lei, pois era impossível, evidentemente, que ela pudesse tratar especificamente de todos os casos que pudessem surgir. À luz dessa necessidade, originou-se uma nova ocupação, a do escriba ou mestre da Lei.

Os escribas eram os responsáveis tanto pela preservação da Lei quanto por sua interpretação. Embora diferenças de escolas e de temperamento os dividissem, eles produziram um grande corpo de jurisprudência concernente à aplicação da Lei em diversas circunstâncias. Guignebert, no parágrafo abaixo, dá uma indicação de como as aplicações da Lei eram feitas de for­ ma minunciosa:

O casuísmo que cresceu ao redor da Torah... formou uma densa e quase impenetrável floresta, cujos caminhos tortuosos somente o ini­ ciado podia trilhar. Ele, e somente ele, teria a inestimável vantagem de saber se era ou não lícito comer um ovo posto no Sábado; se pode­ ria, naquele dia de descanso, levantar uma escada para subir em seu pombal e examinar a causa de algum distúrbio ali, ou se a água derra­ mada de um vaso limpo em um não limpo contaminava a fonte tam­ bém. A observância do Sábado levantava pontos especialmente espi­ nhosos e os judeus escrupulosos tinham que fazer uso de toda sua vigilância e discernimento para evitar as muitas armadilhas que ali se apresentavam.“*

sacerdotes. A posição tradicional, por sua vez - tanto judaica quanto cristã - sem pre entendeu que o Pentateuco (ou a Lei) fora escrita por Moisés, A autoria mosaica, apesar de duramente combatida no século 19, ainda é um a posição magistralmente defendida por muitos eruditos conservadores. Entre as muitas obras que sustentam a autoria mosaica do Pentateuco, ver Allis, 0,T ,, The Five Books o f Moses, The Presbyterian and Reform ed Publishing Company, Filadélfia, 1949; Young, J. E., Introdução ao

Antigo Testamento, Vida Nova, São Paulo, SP, 1964; McDowell, J,, Evidência Que Exige Um Veredito,

Candeia, São Paulo, SP, v,2, 1997; Leupold H ,C., Exposition O f Genesis, B aker Book House, Grand Rapids, M ichigan, 1942; Keil C,F, e Delitzch F,, Commentary on The O ld Testament, In Ten Volumes,

V, 1,, The Pentateuch, Eerdm ans Publishing Company, Grand Rapids, M ichigan,

“ Charles A, H, G uignebert, The Jewish World in the Time o f Jesus (Londres: Kegan Paul, Trench, Trubner, 1939), p,65.

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Isto aconteceu porque a religião hebraica estava se tornando cada vez mais pessoal numa época em que o interesse no ritual do Templo estava declinando. Em suas longas lutas, os fariseus estavam começando a vencer os saduceus; a religião da conduta pessoal estava substituindo a do sacrifí­ cio e do ritual. Isto não era, como é freqüentemente dito, uma asfixia da religiosidade vital do povo judeu, pois muita atividade havia em torno da tarefa de se comentar a Escritura - a midrashim - tanto no tocante a seus preceitos - midrash halakah - quanto no que diz respeito às suas narrativas e seções inspirativas - midrash haggada.^

Devemos parar para fazer justiça aos fariseus, tão mal interpretados nos tempos posteriores. O fato é que o Novo Testamento os ataca, não porque eles eram piores do que os outros judeus, mas porque eles eram os m elho­ res - a mais alta expressão da potencialidade hum ana diante de Deus. Ao vê-los atacados no Novo Testamento,® inclinamo-nos a considerá-los sim plesmente um grupo do pior tipo de hipócritas, mas aqui erramos em nossa interpretação, não apenas do farisaísmo, mas também do próprio Novo Testamento.’

Ao contrário do que freqüentemente imaginamos, os fariseus enfatizavam a importância de uma religião pessoal. Por esta razão, os judeus mais con­ servadores os acusavam de serem inovadores que atenuavam o jugo da Lei. Numa época em que a vitalidade da adoração no Templo estava em declínio, os fariseus esforçaram-se para interpretar a Lei de tal modo que ela pudesse servir como um guia cotidiano para a religião do povo. Naturalmente, isto os levou ao legalismo que fez deles objeto de tanta crítica e também foi a causa básica de sua oposição aos saduceus. Mas é necessário salientar que

^ Além disso, até mesmo a midrash halakah era mais dinâm ica do que é geralm ente suposto. “A principal característica da Halakah, em todas as suas formas e ein todos os estágios de sua formação histórica, é sua vitalidade, sua habilidade para adaptar e para evoluir, o que corresponde à sua função essencial de construir uina ponte entre a letra estática da Torah de Moisés e a vida sempre variável.” R. Bloch, “Ecriture et Tradition dans le judaïsm e” . Cahiers Sioniens, 8 (1954), 17.

E. Hlaenchen, “M atthäus 23” , ZTK, 48 (1951), 38 e seguintes, argum enta que essas acusações contra os fariseus tornaram -se mais fortes por causa da tensão entre a igreja emergente e a sinagoga.

" George Foot M oore, Judaism in the First Centuries o f the Christian Era (Cambridge: Harvard University Press, 1954), 1:56-71; Robert T. H erford, The Pharisees (Nova York: M acm illan, 1924); J. Z. Lauterbach, “The Pharisees and Their Teaching” , Hebrew Union College Annual, 6 (1929), 69­ 139; Louis Finkelstein, The Pharisees: The Sociological Background o f Their Faith (Filadélfia: Jevv/ish Publication Society of America, 1938); W illiam D. Davies, Introduction to Pharisaism (Filadélfia: Fortress Press, 1967); M atthew Black, “Pharisees”, IDB, 3: 774-781; E. Rivkin, “Pharisaism and the Crisis o f the Individual in the Graeco-Roman Worid” , JQR (1970-71), 27-52.

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OS fariseus não eram “legalistas” no sentido de que eles exigiam obediência cega e de má vontade à lei moral e aos preceitos rituais - halakah - pois uma grande parte daquilo que nos restou de sua literatura é devocional, homilética e denota um esforço humano de trazer à tona obediência volun­ tária à vontade de Deus - haggada.

Os saduceus eram os judeus conservadores do século 1°. Eles aceitavam apenas a Lei escrita como sua autoridade religiosa, não a lei oral que tinha sido desenvolvida da tradição judaica. Deste modo, eles negavam a ressurrei­ ção, a vida futura, a complicada angelologia e demonologia do Judaísmo mais recente, e a doutrina da predestinação.* Nisso eles se opunham aos fariseus, que aceitavam todas essas coisas; e por essa razão o Talmude lhes chama - ainda que de forma um tanto inexata - “epicuristas” .“^ A religião dos saduceus se centrava no Templo e em seus ritos, e não na sinagoga e em seus ensinos.'“ Assim, não é surpreendente o fato dos saduceus desaparece­ rem logo depois da destruição do Templo, enquanto que os fariseus quase não foram afetados por este evento.

Em contraste com os saduceus, os fariseus se propuseram a tomar a rehgião uma parte da vida íntima diária. Como os saduceus, sua religião centrava-se na Lei, ainda que para os fariseus “Lei” não fosse apenas a Lei escrita, mas também a oral. Esse legado oral, transmitido ao longo de séculos de tradição e interpretação, servia para aplicar a Lei escrita às situações concretas da vida diária, mas também serviu para introduzir inovações dentro da religião de Israel. E por isso que os saduceus, conservadores por natureza, rejeita­

* Devem os tom ar cuidado, contudo, para não cometer injustiça para com os saduceus, “N ão se tem concedido aos saduceus o direito de falarem por si mesmos perante o tribunal da história: não existe nenhum docum ento que é comprovadamente, ou até mesmo provavelmente, saduceu. Conhecemos esta seita apenas a partir de relatos no NT e na literatura talmúdica, que lhes são hostis, e de Josefo, que não lhes é sim pádco,” Bernard J. Bamberger, “The Sadducees and the B elief in A ngels” , JBL, 82 (1963), 433. Segundo Bamberger, os saduceus não negavam a existência dos anjos, mas som ente a com plicada angelologia que era encontrada na literatura extra-bíblica relativam ente recente.

** Guignebert, The Jewish World, p, 162,

As origens da sinagoga ainda são discutidas entre os eruditos, O conceito tradicional, de que ela surgiu durante o exílio como um substituto do Templo, tem sido contestado por aqueles que sustentam que sua formação não é estritamente religiosa, mas deve ser encontrada nos lugares rem otos despreza­ dos como pontos de encontro, e por aqueles que alegam que a sinagoga realmente se desenvolveu à parte da adoração do Templo em função da Diáspora, sendo um exemplo aquela que foi encontrada no Egito no século 5“ a.C. Ver Isaiah Sonne, “Synagogue”, IDB, 4:476-491, De qualquer modo, a sinago­ ga foi um fator im portante na formação da adoração cristã. Sobre esse líltímo ponto, ver Clifford W, Dugmore, The Influence o fth e Synagogue upon the Divine Office (Londres: Faith Press, 1944).

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vam todo possível uso da Lei oral, enquanto que os fariseus - conjugando esforços com os escribas - apressavam-se em defendê-la.

Não eram apenas os saduceus e fariseus que ocupavam todo o cenário do Judaísmo palestino do século P . " Na verdade, existiam muitas seitas e grupos dos quais pouco ou nada é sabido. Dentre esses, não podemos deixar de mencionar os essênios, a quem a maioria dos autores atribui os famosos “Rolos do Mar Morto”, e sobre os quais, portanto, conhecemos mais do que sobre os outros grupos.

Os essênios - que parecem ter sido uns poucos milhares - eram um gru­ po com tendências escatológicas e puristas. Eles consideravam a si mesmos como o povo da Nova Aliança que, embora não essencialmente diferente da Antiga, era a sua culminação, e finalmente alcançaria seu verdadeiro signi­ ficado no “dia do Senhor”. As profecias estavam sendo cumpridas em seu tempo e em sua comunidade; a expectativa escatológica era vivida entre eles.'^ Essa expectativa consistia na restauração de Israel ao redor de uma Nova Jerusalém. Três figuras importantes contribuiriam para a restauração de Israel: o Mestre da Justiça, o Messias de Israel e o Messias de Arão. O Mestre da Justiça já tinha vindo e já tinha realizado sua tarefa, que agora continuava entre os escolhidos da comunidade dos essênios até o dia em que o Messias de Israel empreenderia uma guerra e destruiria o mal. Então, o Messias de Arão reinaria na Nova Jerusalém.''*

A comunidade dos eleitos exercia um papel importante nas expectativas escatológicas dos essênios. Por esta razão, eles enfatizavam as leis de pure­ za cerimonial e inclinavam-se a se afastar das grandes cidades e dos centros da vida política e econômica na Palestina, pois em tais lugares havia um grande niimero de pessoas, objetos e costumes imundos. Todo bom essênio deveria evitar o contato com tais pessoas e coisas. Isso os levou a estabele­ cer comunidades como a de Qumran - onde os Rolos do M ar Morto foram

‘' Erwin R. Goodenough mostrou claramente que mesmo na Palestina havia judeus helenizados que tinham suas próprias sinagogas: Jewish Symbols in the Greco-Roman Period, (Nova York: Pantheon Books, 1965), 12: 185-186.

Antes da descoberta dos Rolos do M ar Morto, conhecíamos os essênios por meio de Josefo {War 2:8. 2-13; Ani. 18, 1.5), Filo {Apology, citado em Eusébio, Praep. ev. 8,11; Every G ood M an 12, 75­ 88), Plínio, o Ancião {Nat. hist. 5, 15), e Hipólito {Refutation 9. 27),

E por isso que o estudo dos profetas era uma característica central da com unidade de Qumran, pois esse estudo era o meio pelo qual os “sinais dos tempos” poderiam ser discernidos, Ver Frederick F. Bruce, Biblical Exegesis in the Qumran Texts (Londres: Tyndale Press, 1960).

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descobertos - que parece ter sido um de seus principais centros. Embora nem todos vivessem neste tipo de comunidade, seu interesse na pureza ce­ rimonial e sua intensa expectativa escatológica os atraíam para um ambien­ te como este, porque somente ali eles poderiam evitar o contato como o imundo. O matrimônio criava um problema similar: Embora não fosse proi­ bido, era desaconselhado. Sua disciplina era muito rígida; qualquer um que a violasse era julgado por um tribunal de não menos de cem pessoas, que poderiam decretar até mesmo a pena de morte. Seus ritos incluíam banhos de purificação, orações entoadas ao nascer do sol e adoração pública - embora não no Templo de Jerusalém, que eles criam ter caído nas mãos de sacerdotes indignos.

Ainda que seja necessário corrigir o sensacionalismo que aflorou quan­ do da descoberta dos Rolos do Mar Morto, deve ser dito que estes manus­ critos de fato adicionaram muito ao nosso conhecimento a respeito do Judaís­ mo do século P. Agora é possível descrever com alguma medida de exati­ dão uma importante tendência na espiritualidade judaica da época. Tam­ bém é possível reunir informação mais concreta com relação à história do texto hebraico do Antigo Testamento.'^ Finalmente, essas descobertas ser­ viram para esclarecer o pano de fundo de algumas passagens do Novo Tes­ tamento que parecem ter se originado de um tipo similar de religiosidade - particularmente Mateus 18.15ss.'®

Os essênios eram parte de um círculo mais amplo da religião judaica em que o apocaiipsismo era predominante. O Apocaiipsismo'’ é uma perspectiva cósmi­ ca e religiosa que provavelmente se originou no Zoroastrianismo, adentrando o mundo judaico durante e depois do exílio. A partir do Judaísmo, ele se espalhou para outros círculos, primeiro para o cristão e mais tarde para o muçulmano. O principal pressuposto do apocaiipsismo é um dualismo cós­ mico que vê no presente o começo da luta final entre as forças do bem e as do mal. O mundo - ou a era - atual é governado pelo poder do mal; mas se

Frank L, Cross, “History o f the Biblical Text in the Light of the Discoveries in the Judean D e se rf’,

HTR, 57 (1964), 281-299.

Helmer Ringgren, The Faith o f Qumran (Filadélfia: Fortress Press, 1963), p.249, O exato relacio­ namento entre os essênios e o Cristianismo ainda é debatido pelos eruditos. Ver Krister Stendahl, The

Scrolls and the New Testament (Nova York: Harper, 1957); Jean Daniélou, The D ead Sea Scrolls and Primitive Christianity (Baltimore: Helicon Press, 1958).

M artin Rist, “A pocalypticism ”, IDB, 1: 157-161; P, D. Hanson, The Dawn o f Apocalyptic, ed, revisada (Filadélfia: Fortress, 1975); W. Schmithals, The Apocalyptic M ovement: Introduction and

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aproxima o tempo quando, depois de uma imensa luta acompanhada de eventos cataclísmicos. Deus vencerá o mal e estabelecerá uma nova era na qual Deus estará presente e governará sobre os eleitos - geralmente um número predeterminado. Enquanto isso, os fiéis oprimidos encontram for­ ças e consolação no conhecimento de que o fim de seus sofrimentos está próximo. Entre os mais importantes apocalipses judaicos estão o livro de Daniel, I Enoque e o Apocalipse de Baruque. Sua influência sobre alguns segm entos da com unidade cristã prim itiva é atestada pela natureza apocalíptica do Apocalipse de São João, bem como no título de “Filho do Homem”, popular nos círculos apocalíptico judaicos e aphcado a Jesus desde muito cedo.

Tudo isto serve para dar uma visão geral da variedade das seitas e opiniões que existiam na Palestina na época de Jesus. Mas esta variedade não deve obscurecer a unidade essencial da religião judaica, que estava centrada em tomo do Templo, da Lei e da esperança escatológica. Se os fariseus diferiam dos saduceus no tocante ao lugar do Templo na vida reli­ giosa do povo, ou acerca do alcance da Lei, isto não deve obscurecer o fato de que para o povo judeu tanto o Templo quanto a Lei eram aspectos funda­ mentais do Judaísmo. Não havia contradição clara entre eles, embora a di­ ferença prática importante era que a adoração no Templo poderia ser prati­ cada somente em Jerusalém, enquanto que a obediência à Lei poderia ser observada em qualquer lugar. Essa é a razão porque este último aspecto da vida religiosa judaica gradualmente substituiu o primeiro, até mesmo ao ponto em que a destruição do Templo em 70 d.C. não destruiu o coração da religião judaica.

Por outro lado, essa discussão sobre as várias seitas do Judaísmo palesti­ no do século 1- não deveria dar a impressão de que a vida religiosa se torna­ ra banal. Muito pelo contrário. A diversidade de seitas e interpretações era devida à profunda vitalidade do Judaísmo daquele tempo. Além do mais, todas essas seitas compartilhavam das duas principais doutrinas do Judaísmo: Seu monoteísmo ético e sua esperança messiânica e escatológica. Desde os tempos mais antigos, o Deus de Israel sempre fora o Deus de justiça e mise­ ricórdia, que exigia do povo uma conduta justa e limpa, não apenas no sentido cerimonial, mas também em suas relações sociais. Esse monoteísmo ético continuou a ser o centro da religião judaica, a despeito da diversidade de seitas. Além disso, por meio dos rudes golpes que a história desferiu sobre eles, lançando-os sobre a misericórdia e a justiça divinas, os judeus chega­ ram a uma religião em que a esperança encenava um papel central. De um

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modo ou de outro, todos esperavam que Deus salvasse Israel de suas des­ graças políticas e morais. Essa esperança assumia diferentes nuances, às vezes centrada no Messias e outras vezes em um ser celestial que alguns chamavam de “Filho do Homem” . A esperança messiânica geralmente es­ tava unida à expectativa de que o reino de Davi seria restaurado nesse mun­ do, de forma que a tarefa do Messias consistia precisamente em restaurar o trono de Davi e sentar-se nele.'*^ Por outro lado, a figura do Filho do H o­ mem, que aparecia muito freqüentemente nos círculos apocalípticos, era de caráter mais universal do que o Messias; viria para estabelecer, não um reino davídico nessa terra e sim uma nova era, um novo céu e uma nova terra. Diferente do Messias, o Filho do Homem era um ser celestial, e suas funções incluíam a ressurreição dos mortos e o julgamento final.’® Essas duas tendências uniram-se com o passar dos anos, e por volta do século P apareceram posições intermediárias, em que o reino do Messias seria o úl­ timo estágio da presente era, e então se seguiria a nova era que o Filho do Homem deveria estabelecer. De qualquer maneira, o povo judeu ainda era um povo de esperança, de forma que seria errado interpretar sua religião simplesmente em termos legalistas.

Um outro aspecto da religião judaica que mais tarde se desenvolveria em um dos pilares da teologia trinitariana foi o conceito de Sabedoria. Embora pareça que o Judaísmo rabínico não tenha ido tão longe a ponto de personificar completamente a Sabedoria, forneceu a base para que os cristãos, mais tarde, reivindicassem que Cristo - ou, se não, o Espírito Santo - é chamado de Sabedoria no Antigo Testamento.“®

O Judaísmo, contudo, não estava confinado à Palestina. Pelo contrário, os judeus formaram importantes comunidades em diversos lugares: Meso- potâmia, Egito, Síria, Ásia Menor e Roma. Esses judeus, juntamente com

Ernst Jenni, “M essiah, Jew ish”, IDB, 3: 360-365; R. Meyer, “Eschatologie; III, Im Judentum ”,

RGG, 2: 662-665; R. M eyer, “Messias; 111, Im nachbiblishen Judentum ” , RGG, 4: 904-906.

A frase “Filho do H om em ” tem sua raiz em Daniel 7 e mais tarde loi entendida como um título pela midrashim deste texto. Segundo a tradição sinótica, Jesus reivindicou esse título para si inesmo, N ossa exposição sobre este título e seu significado geralmente segue a de Sigm und M owinckel, He

That Cometh (Nashville: Abingdon Press, 1954), pp.346-450, Contudo, Norman Perrin, Rediscovering the Teachings o f Jesus (Nova York: Harper, 1967), pp,164-181, argum enta que “Filho do H om em ”

não era um título fixo no século 1“ do Judaísmo, e que foi a comunidade cristã que o transformou em um título e o aplicou a Jésus. Ver referências bibliográficas adicionais em N, Perrin, A M odem

Pilgrim age in New Testament Christology (Filadélfia: Fortress, 1974), p p ,133-141.

“ Ver H, Jaeger, “The Patristic Conception of Wisdom in the Light of Biblical and Rabbinical Research” , SP, 4:90-106,

Referências

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