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Capítulo III Genealogia do neoliberalismo e ordoliberalismo

3.2 Thatcher

O neoliberalismo no Reino Unido teve como principal influência a obra de Hayek (1944), “O caminho para a servidão”, que influenciou largos sectores da direita política (Morowski et al, 2015; Harvey 2007). Para a criação do discurso neoliberal dominante, foram essenciais diversas organizações políticas desde, o IEA, até ao empresário Anthony Fischer, ou os professores Ralph Harris e Arthur Seldon ligados ao Partido Conservador, mas também numa fase final, Thatcher e o CPS (Morowski et al, 2015; Harvey 2007).

Os think-tanks, em articulação com interesses empresariais e o Partido Conservador, foram essenciais para organizar uma nova intelligentsia neoliberal britânica que não se revia na linha orientadora do partido (Morowski et al, 2015). Estes sectores da direita britânica tiveram na vitória de Margaret Thatcher a possibilidade de realizar o programa político falhado durante os anos de Ted Heath (Morowski et al, 2015). No entanto, as ideias neoliberais apoiadas por estes sectores, começaram por ser marginais dentro do Partido Conservador, estabelecendo-se enquanto dominantes apenas a partir da vitória de Margaret Thatcher em 1979 (Morowski et al, 2015; Harvey 2007). A nova direita neoliberal dos tories teve como principal associação política os Selsdon Group32 formalizado

em 1973, que estiveram na origem das orientações políticas neoliberais de Ted Heath, acordadas pelo Governo depois do célebre encontro com o grupo de intelectuais no Selsdon Hotel em 1970 (Morowski et al, 2015).

Apesar da esperança inicial de Margaret Thatcher no governo de Ted Heath, que julgava representar uma viragem ideológica dentro do partido, este rapidamente se tornou uma desilusão para todos os neoliberais britânicos, pela cedência política aos interesses dos sindicatos e a continuação de políticas económicas expansionistas (Thatcher 1993)33. Foi durante o período de desilusão

com o Partido Conservador que Margaret Thatcher e Keith Joseph criaram o CPS, estabelecendo uma plataforma de promoção das ideias neoliberais com o objetivo de ganhar futuras eleições (Thatcher 1993; Harvey 2007). Com o apoio da CPS, a

32 Grupo de pressão neoliberal britânico criado em 1973 ligado ao Partido Conservador.

33 “Indeed, Ted Heath responded to the defeat of his Government on the issue of incomes policy

in the first 1974 election by proposing a still more ambitious scheme of interventionist government in the second.” (Thatcher 1993)

21 futura Primeira-Ministra elaborou o que viria a ser o seu programa político, patente nos manifestos “The Right Approach” em 1976, e “The Right Approach to the Economy” no ano seguinte (Thatcher 1993).

Em 1979, concorreu a eleições contra o trabalhista James Calhangan depois do “Winter of Discontent” de 78/79, num contexto em que se instalou uma crise política devido a um tenso processo de negociação entre os sindicatos e o Governo (Thatcher 1993). Neste contexto de declínio económico do país, Thatcher elaborou uma agenda política radical pondo em causa o “consenso socialista” sobre o papel do Estado na economia (Harvey 2007). O discurso de Thatcher prometia uma disciplina fiscal, um apertado controlo da inflação, uma vasta agenda de privatizações e profundas alterações no código laboral. Nesta narrativa culpava-se o investimento público e o sector público pelos problemas económicos, apresentando como solução um drástico programa de redução do papel do sector público.

“If spending money like water was the answer to our country's problems, we would have no problems now. If ever a nation has spent, spent, spent and spent again, ours has. Today that dream is over. All of that money has got us nowhere but it still has to come from somewhere. Those who urge us to relax the squeeze, to spend yet more money indiscriminately in the belief that it will help the unemployed and the small businessman are not being kind or compassionate or caring. They are not the friends of the unemployed or the small business. They are asking us to do again the very thing that caused the problems in the first place. We have made this point repeatedly.” (Thatcher 1980)

O programa político-económico ficou marcado pelas privatizações das principais empresas públicas britânicas (BP, BT, British Gas, British Airways), liberalização do mercado de serviços (telecomunicações, eletricidade e gás), desregulação do sector financeiro, flexibilização laboral e redução do poder dos sindicatos (Morowski et al, 2015; Harvey 2007). Todo este programa evocava a necessidade de uma “nova mentalidade” que tinha como objetivo adequar a sociedade e o sector público de acordo com os princípios do mercado.

“The fact is that only when we introduce the spur of competition in the State owned industries do they begin to respond to the needs of the customer. That is why, for example, Norman Fowler, when he was at the Ministry of Transport

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stripped away the veto powers of British Rail on bus coach licences. If you can travel now from Manchester to London or from Edinburgh to Bristol by road or rail at fares lower than when we took office that is thanks to Norman Fowler, just as it is thanks to Freddie Laker that you can cross the Atlantic for so much less than it would have cost you in the early 1970s. Competition works.” (Thatcher 1981)

Nesta perspetiva, o princípio da competição teria de se expandir para esferas tradicionais do sector público para cumprir com os requisitos do mercado. O Estado teria de ser organizado segundo os princípios do mercado, a partir de um programa baseado na liberalização, privatização e estabilização. Este discurso que caracteriza o neoliberalismo, radicado num enaltecimento do princípio da competitividade e estrita disciplina financeira, vai também estar patente na narrativa da CE 2010 e 2014, e em especial no programa da Troika.