• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II: GÉNESE E DESENVOLVIMENTO DA IDEIA DE DIREITOS

2.7. Thomas Hobbes

Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo inglês, pessimista quanto à bondade natural do homem, partindo da ideia de que o homem não se inclina por natureza a amar os outros homens, sendo antes naturalmente mau e apaixonado (o homem é o lobo do homem), nega a

natureza política do homem defendida pela tradição clássica aristotélica e mesmo o seu instinto de sociabilidade defendido, entre outros, pelo seu contemporâneo Hugo Grócio404, e salienta a artificialidade do Poder e do Direito e a redução do Direito ao texto da lei.

Por outras palavras, Hobbes ataca as concepções tradicionais do Poder político e as fontes tradicionais do Direito, rejeitando simultaneamente o cosmologismo naturalista e o teologismo providencialista, e dá continuidade ao voluntarismo e individualismo de Duns Scotto e Guilherme D´Occam, propondo “uma teoria do contrato social como origem do Poder - cuja ideia ele não inventa mas cujo perfil, antes de Rousseau, renova de modo profundo”405

, teoria essa que abre o caminho que leva à modernidade do Direito Político.

401 Ibidem, p. 555.

402 Cfr. Luís Cabral de Moncada, Filosofia do Direito…, I, pp. 164-165; Michel Villey, La Formation de La

Pensée…, p. 546 e 549.

403 Ibidem, p. 549.

404 Hobbes não nega que os homens tenham necessidade uns dos outros, mas nega a existência de um amor

natural do homem pelo seu semelhante.

405

Quando se diz que o pensamento de Hobbes abriu a via da modernidade política, o que se pretende realçar é que “o princípio da autoridade do Poder, a partir de Hobbes e graças a ele (…) havia de alguma maneira mudado de campo: encontrava-se não na «vontade arbitrária e absoluta» do monarca, mas, a partir daí, pertencia ao corpo do povo, tornado o centro de gravidade da autoridade do poder estatal.”406 Ou seja, Hobbes representa “um importante passo em frente no caminho da autonomização e laicização do direito e do Estado”407

.

Segundo Hobbes, a Commonwealth, ou Estado, é construída para garantir a Paz “pela

arte do homem que imita a arte pela qual Deus criou o mundo e o governa, consistindo numa

multidão de homens unidos na ficção de uma só pessoa, que os representa a todos e transformando as forças ou potentiae (os direitos naturais dos indivíduos) na autoridade civil ou Potestas (o poder soberano).”408

A concepção contratualista do Estado proposta por Hobbes assenta na sua representação individualista e igualitarista do mundo social, expressa através da hipótese metodológica do estado de natureza, estado pré-político e pré-jurídico. Aqui, salienta-se que quando se refere que o estado de natureza é uma hipótese metodológica, o que se quer dizer é que Hobbes não concebe o estado de natureza como um facto histórico, mas como um postulado ou axioma matemático409.

Hobbes, tal como Guilherme d´Occam, concebe a sociedade como um conjunto de indivíduos, mas vai para além do individualismo occamiano na medida em que afirma a

igualdade natural dos homens num sentido existencial e não apenas perante Deus. Neste

sentido Hobbes escreve:

A Natureza fez os homens tão iguais no que se refere às faculdades do corpo e do espírito, que ainda que possamos encontrar um homem manifestamente mais forte ou com um espírito mais vivo, mesmo assim, globalmente a diferença entre um homem e outro não é tão considerável, que um homem possa reivindicar uma vantagem que outro não pudesse pretender para ele (…)410.

Apesar de Hobbes fazer referência tanto às faculdades do corpo como do espírito para justificar a ideia de que todos os homens são iguais por natureza, já tem sido salientado que,

406 Ibidem, p. 93.

407 Cfr. Luís Cabral de Moncada, Filosofia do Direito e do Estado…, I, p. 166. 408

Cfr. José Adelino Maltez, Princípios de Ciência Política. O Problema do Direito, nota 545, p. 312.

409 Sobre a influência do novo espírito matemático das ciências naturais no pensamento de Hobbes, cfr. por

exemplo, Luís Cabral de Moncada, Filosofia do Direito e do Estado…, I, pp. 166 ss.

410 Cfr. Hobbes, Léviathan, Cap. XIII, 1651, p. 102 (edição electrónica in

para Hobbes, a igualdade mais importante entre os homens seria a capacidade de todos os

homens se matarem uns aos outros411. Com efeito, Hobbes sublinha que “o mais fraco tem poder para matar o mais forte seja através de uma maquinação secreta, seja unindo-se a outros que estejam ameaçados pelo mesmo perigo”412

.

Para além da defesa da igualdade natural dos indivíduos, Hobbes afirma que no “estado de natureza” todos os homens dispõem de um direito natural (jus naturale) definido como “a liberdade que cada homem possui de usar o seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação da sua própria natureza, ou seja, da sua própria vida; e, consequentemente, de fazer tudo aquilo que o seu julgamento e razão lhe indiquem como meios adequados a esse fim.”413

Sublinha-se que Hobbes distingue o direito natural (jus naturale) da lei da natureza (lex naturalis), afirmando que são opostos como a liberdade e a obrigação414. Enquanto o direito (jus naturale) “é um direito-poder ou uma força que é um querer viver próprio de cada indivíduo e universal”415, a lei da natureza “é um preceito ou regra, descoberta pela razão que

proíbe o homem de fazer o que destrói a vida, ou lhe retira os meios de a preservar e de omitir o que pensa que ela pode preservar melhor.”416

Ou seja, a lei da natureza é uma regra moral embora também seja uma força que, presente no homem como instinto, o inclina à auto- conservação. Ou, dito de outro modo, é um comando da razão que obriga o homem a cuidar da sua própria vida417. Porém, independentemente da diferença existente entre direito natural e lei da natureza verifica-se que ambos os conceitos pressupõem a natureza humana418.

Por aqui se pode ver que o direito natural concebido por Hobbes não deriva da natureza cósmica ou da natureza da sociedade como defendia a tradição aristotélica-tomista, nem da lei divina como acontecia com Occam, nem da lei natural moral (ou recta razão) como afirmava Grócio, mas sim da natureza do homem.

Mais, a noção hobesiana de direito natural encontra as suas raízes na tradição de Guilherme d´Occam, o direito é licença, poder de agir, uma emanação do sujeito419.

411

Cfr. Laurence Berns, Thomas Hobbes, p. 380 cit. por Paulo Otero, Instituições Políticas…, nota 941, p. 165.

412 Cfr. Hobbes, Léviathan, Cap. XIII, p. 102. 413 Ibidem, Cap. XIV, p. 111.

414 Ibidem, Cap. XIV, p. 112. 415

Cfr. Simone Goyard-Fabre, Os Fundamentos da Ordem…, p. 53

416 Cfr. Hobbes, Léviathan, Cap. XIV, pp. 111-112.

417 Cfr. Michel Villey, La Formation de La pensée…, p. 601 418 Ibidem, p. 602.

419

Feitas estas precisões regista-se que o texto do Léviathan que define o direito natural (jus naturale) tem sido apontado por alguns académicos como sendo o primeiro texto a definir o “direito humano”, apesar de reconhecerem que Hobbes não inventou o termo “direitos humanos”420

.

Retomando o tema da construção do Estado através do contrato social, sucede que Hobbes, partindo do pressuposto de que o “estado de natureza” é um estado de guerra, de luta

de todos contra todos que resultava, na sua opinião, do direito de todos a tudo - “qualquer

homem tem direito a tudo, mesmo ao corpo de outro homem”421

, sustenta que a razão dos homens os aconselha a abandonar esse estado através de um contrato social em que todos

transferem todos os seus direitos para o Estado afim de que este assegure a paz e a defesa comum.

Por outras palavras, a preocupação com a própria defesa e conservação acabava por levar os homens a procurar a Paz, sendo esta procura da paz apresentada por Hobbes como

uma lei da natureza produzida pela razão. Isto significa que para Hobbes o Estado “é obra da

razão dos homens”422

.

Acresce dizer que Hobbes entende que esta alienação de soberania através do contrato social é irrecuperável. Ou seja, o único pacto é o contrato social que fundou o poder absoluto do Estado. Como refere Luís Cabral de Moncada, “o Estado é uma coisa que se constrói

exactamente como se pensa, como um teorema, matematicamente”423

.

Quanto à relação entre o Estado e a Igreja, Hobbes defendia que a Igreja devia de estar inteiramente subordinada ao Estado para que deixasse de ser um perigo424.

Realça-se que o pensamento de Hobbes tem sido considerado contraditório ou paradoxal, porque embora o Estado por ele idealizado conduzisse ao Estado absoluto, a sua única razão de ser era a garantia da paz e a conservação da vida dos súbditos425.

Na prática, a versão do contrato social hobbesiana fundamentou o “despotismo iluminado”, típico das monarquias e principados europeus do século XVIII. E acabou por conduzir na primeira metade do século XX a Estados totalitários, pelo facto de o Estado concebido por Hobbes ter um poder absoluto e ilimitado que se estende a todas as esferas da

420 Cfr. Leo Strauss, Natural Right and History, pp. 166ss; Michel Villey, Le Droit et Les Droits…, p. 136. 421 Cfr. Hobbes, Léviathan, Cap. XIV, p. 112.

422

Cfr. Simone Goyard-Fabre, Os Princípios Filosóficos do Direito…, p. 87.

423 Cfr. Luís Cabral de Moncada, Filosofia do Direito…, I, p. 174. 424 Ibidem, p. 177

425 Cfr., por exemplo, Luís Cabral de Moncada, Filosofia do Direito…, I, pp. 179 ss Paulo Otero, Instituições

vida, incluindo a ética e a religiosa. Na verdade a sua concepção do Estado foi demasiado condicionada por circunstâncias históricas ocasionais (Guerra dos Trinta Anos, Guerra civil inglesa, defesa do Poder dos Stuarts).

Por último, salienta-se que o maior contributo de Hobbes não foi a sua concepção absolutista do Estado mas sim a sua representação do mundo social (conjunto de homens livres e iguais) que foi recebida por Espinosa, Locke, Rousseau, entre outros, e que ainda hoje se encontra inscrita em todas as Declarações de Direitos Humanos426.

No documento Breve ensaio sobre os direitos humanos (páginas 97-101)