A Timbalada não quer afirmar o negro africano, ou o negro da diáspora, mas o mestiço brasileiro,
nordestino, baiano. Não é mais a identidade de raça ou de cultura original que a sustenta, mas a
identidade da cultura miscigenada. Tanto quanto o Olodum, a Timbalada tem um discurso de
integração racial, cultural e social.
O bloco Timbalada mostra que tem um forte componente afro ao mobilizar um grande contingente da
população baiana, especialmente negra e mestiça, de diversas camadas sócio-econômicas, tanto
dentro do bloco quanto fora, através da música de base percussiva, inspirada nos candomblés,
durante o Carnaval.
Mas a Timbalada, ao contrário do Olodum e do Ilê, não se posiciona como um bloco afro, e sim como
bloco de trio, desde o começo. O discurso identitário de integração social e racial e a inserção no
concorrido mercado dos blocos de trio demonstram uma necessidade de afirmação ideológica e
econômica distinta dos blocos afros citados.
A identificação da população baiana com a Timbalada, bloco e banda, é grande. Diversos indicadores
demonstram que a Timbalada é bem sucedida como representante de um texto identitário baiano –
não só afro – contemporâneo. A popularidade da banda a mantém como uma das maiores estrelas
da música baiana atual; a popularidade do bloco como um dos que mais atrai a multidão no Carnaval;
o apoio da mídia e da crítica musical que a apresenta favoravelmente dentre o que é produzido na
Bahia.
A adesão popular ao seu discurso identitário garante à Timbalada e a Brown um poder de influência
significativo no texto identitário baiano legitimando-os como importantes atores na construção desse
texto. O reconhecimento desse poder é feito pelas demais instâncias de poder que também precisam
de legitimidade pública, como a Mídia e o Estado. Jingles de Brown tocados pela Timbalada são
Brown é procurada pela imprensa quando o assunto é Carnaval assim como é tomado como
referência de baiano na mídia (FERRAZ, 2000). O tema oficial do Carnaval de 2001 foi Carnaváfrica,
idéia dele. Dantas (2000) mostra como são intrincadas as relações de construção identitária. Ainda
que sua imagem transmitida possa mostrar que Brown tem defeitos, prevalece o consenso na mídia
de que é um ícone da Bahia, um cacique do Candeal, um agente principal do Carnaval e a Timbalada
um de seus empreendimentos mais destacados (FERRAZ, 2000, p. 154). O discurso afro-indígena do
Apaches ganha novo significado ao aproximar-se da Timbalada e de Brown e transforma a
participação dessa entidade no Carnaval de 1995.
Há uma re-elaboração da identidade negra e mestiça na expressão artística da Timbalada e de Brown
ao incorporar elementos indígenas. Indumentárias e figuras dos componentes lembram o caboclo,
tipo mestiço de negros e indígenas. Mas o discurso de Brown é ainda mais amplo, de afirmação do
baiano como fruto de negros africanos, brancos europeus e indígenas americanos. Exalta o encontro,
a mistura, entre raças e classes sociais, e tem, portanto, maior alcance de público. Quando cita a
participação de Brown no bloco Apaches do Tororó no Carnaval de 1995, Dantas (2000) relata como
ela foi importante na revitalização do bloco e na renovação do seu público daquele ano. Há muitos
anos sem participação expressiva no Carnaval, o Apaches corria o risco de desfazer-se por não
conseguir a adesão de novos membros. Mas a adoração de Brown pelo tradicional bloco de índio do
Carnaval, declarada nos jornais, vai provocar o encontro da banda Timbalada com a bateria do
Apaches, a participação de foliões do bloco Timbalada no Apaches e a participação de artistas
consagrados (Daniela Mercury, Caetano Veloso e Gilberto Gil, além do próprio Brown) no carro de
som do bloco. Ao valorizar os Apaches, Brown vai demonstrar novamente sua capacidade de ser
interface entre tradição e inovação (MOURA, 2001).
A Timbalada entretanto não é as Organizações Brown, apenas as representa. Apesar do seu discurso
ideológico ser o mesmo das demais Organizações Brown – por ser o discurso do próprio Brown – a
7.3 UMA CONFIGURAÇÃO DIFERENTE
Dantas (2000) relata que o Apaches, o Ilê e o Olodum nascem como entidades com estruturas
organizacionais simples tendo por objetivo a realização do desfile carnavalesco. O Olodum depois de
uma crise adota uma estrutura organizacional mais complexa para ampliar seus objetivos e ações
para além da cena carnavalesca, tanto no sentido da recuperação social da comunidade negra do
Maciel, quanto no da inserção empresarial no mercado da cultura. Ela passa de bloco de Carnaval a
Holding Cultural (DANTAS, 1994). Apesar de observar-se nas últimas décadas as iniciativas do Ilê e
do Apaches no mesmo sentido, tímidas ou não tão bem sucedidas, nenhuma delas se configura
como as Organizações Brown. Os blocos afros são estruturados como organizações com projetos,
sociais e/ou mercadológicos, em diversas áreas. Todos sob a mesma direção executiva, submetidos
à mesma hierarquia e à mesma liderança simbólica.
Já as Organizações Brown nascem como uma produtora artística, a Pracatum Produções, para
promover as bandas e a carreira solo de Carlinhos Brown, que apesar de muito vinculados ao
Carnaval, pretendiam realizar atividades não restritas a essa festa e conquistar novos públicos. Com
o aumento da complexidade e da quantidade dos trabalhos e com a contínua necessidade de Brown
por novos projetos, a Pracatum precisou profissionalizar-se. Isso significou para Brown criar
autonomia entre aqueles que iriam gerir os novos e diferentes projetos: Bloco e Banda Timbalada,
carreira solo e o estúdio Ilha dos Sapos, Escola de Música e Tá Rebocado. Correspondeu a cindir a
estrutura em três organizações distintas, com diretorias executivas diferentes, sob a liderança de
Brown.
Moura (2001) vai chamar o Ilê de “elite exitosa na história do carnaval baiano”, resultante da
industrialização do recôncavo, por ser fundado por trabalhadores do Pólo Petroquímico, assim como
a dos petroleiros que fundaram os Mercadores de Bagdá nos anos 50. Tanto o Olodum quanto o
Apaches também são blocos liderados, no seu auge, por trabalhadores do pólo. A Timbalada é
fundada e dirigida por um membro de uma nova elite que conquista espaço não por inserção na
indústria mas por inserção no mercado cultural. Brown tendo sido criado profissionalmente dentro