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Tipificação da produção familiar: uma nova proposta

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CAPÍTULO III – CARACTERIZAÇÃO DO CENÁRIO E ATORES SOCIAIS (PRODUTORES)

3.3 Caracterização da produção familiar

3.3.1 Tipificação da produção familiar: uma nova proposta

O uso de uma tipificação representativa do universo dos produtores familiares de leite se torna uma ferramenta importante, a fim de se adequar a um modelo inicial para uma pesquisa A utilização de diferentes tipologias possibilita a análise e avaliação de unidades produtivas, com o objetivo de identificar diferenças no padrão tecnológico, inserção no mercado, organização sistêmica da propriedade, identificação com a racionalidade de produção entre diferentes tipos, dentro do mesmo estrato de produtores (WAGNER, 2004; WEBER, 2002).

Buscando uma tipificação representativa do universo dos produtores familiares de leite, Gehlen (2000) coordenou uma pesquisa para estudar a questão da competitividade e identidade dos produtores familiares de leite no Estado do Rio Grande do Sul. Segundo o autor, pode-se classificá-los em três tipos ideais segundo a descrição a seguir:

a) Produtor moderno convencional: produtor consolidado, ou seja, que apresenta um tempo de regularidade mínimo de cinco anos na atividade de forma comercial, identifica-se e tem racionalidade de produtor de leite moderno, sua produtividade está de acordo com o padrão moderno dentro de sua região. A produção de leite é estratégica na propriedade e utiliza a força de trabalho principal na atividade, sendo que essa se ocupa na sua maior parte na atividade leiteira. Na organização sistêmica da propriedade prioriza a atividade leiteira e o reinvestimento dos rendimentos se dá na sua maior parte na própria atividade. O padrão tecnológico adotado por este produtor segue as especificações do pacote tecnológico ditado pelas agroindústrias, os animais são especializados na produção leiteira, a alimentação é balanceada e controlada de acordo com os critérios técnicos especificados pela assistência técnica (geralmente prestados pelas grandes agroindústrias).

b) Produtor em transição: também é um produtor consolidado, mas não se identifica completamente como produtor moderno e nem adota completamente esta racionalidade, sua produtividade não está de acordo com o padrão moderno dentro de sua região, pois a sua média de produtividade é mais baixa. A produção de leite está se tornando estratégica e na organização sistêmica da propriedade, a força de trabalho principal está se envolvendo cada vez mais na atividade.

O reinvestimento dos rendimentos se dá cada vez mais na atividade, embora ainda não seja a principal atividade. No que diz respeito ao padrão tecnológico, embora as instalações e os equipamentos ainda sejam um pouco precários, já houve aquisição de equipamentos adequados e construções específicas para a atividade. Os animais, embora na sua maioria sejam mestiços, já estão sendo melhorados geneticamente, e, em alguns casos, há aquisição de animais puros. A força de trabalho está se qualificando para a atividade, existe a percepção da necessidade de fazer um balanceamento adequado da alimentação dos animais e de prover alimento o ano inteiro, o que já começa a ser executado de forma gradual. Esse produtor está numa situação em que pode transformar para um produtor Moderno Convencional, ou de acordo com a conjuntura, desistir da atividade.

c) Produtor tradicional: Também é um produtor consolidado, que identifica-se como tradicional e tem uma racionalidade compatível com a identidade de produtor tradicional, ou seja, sua produtividade está de acordo com o padrão tradicional na sua região. A produção de leite não é uma atividade estratégica dentro da propriedade,

utilizando-se da força de trabalho secundária apenas o tempo necessário, não sendo esta qualificada. Na organização sistêmica da propriedade, não prioriza a produção de leite, sendo que o reinvestimento dos rendimentos raramente se dá na atividade leiteira. No padrão tecnológico, as instalações e equipamentos, quando existem, são precários, os animais não são especializados, a alimentação não é balanceada e na maior parte do tempo é precária.

Wagner (2004) estudou os impactos e mudanças sofridas por produtores familiares de leite de diversas regiões do Rio Grande do Sul (160 produtores entrevistados), em função das transformações tecnológicas e de mercado e da respectiva inserção destes produtores na cadeia agroalimentar, que sofreu a partir da década de 90, grandes transformações tecnológicas em sua base de produção, sendo a tração animal, o uso de sementes próprias, o uso de esterco entre outros bens de produção substituídos por implementos agrícolas modernos, sementes híbridas, adubos químicos e insumos industriais diversos.

A tipificação dos produtores foi construída seguindo o mesmo modelo proposto por Gehlen (2000) apresentado anteriormente. Observou-se neste estudo que o produtor tipo Moderno Convencional fez grandes investimentos na transição das décadas de 80 e 90, contando com o auxílio do crédito externo e assistência técnica da Cooperativa na qual estavam associados, contudo, atualmente, não pensa em fazer novos investimentos na atividade leiteira, cuja produção nos últimos quinze anos atingiu níveis superiores a 25000 litros/ano com produtividade entre 3000 e 6000 litros/vaca/ano e um rebanho superior a dez vacas.

A produção de leite não representa a única fonte de renda familiar, constituindo- se esta também, por cultivo de cereais e gado de corte. Já o produtor tipo Em Transição, investiu de forma mais acentuada nos últimos dez anos com a produção de leite superando a marca de 25000 litros/ano com produtividade de até 3000 litros/vaca/ano em um rebanho constituído por cinco a dez vacas. Este produtor manifestou interesse em continuar investindo na atividade leiteira para aumentar a produção, contudo, o leite também não é a única atividade exercida para compor a renda familiar, sendo o cultivo de cereais, a criação de suínos, aves e gado de corte outras atividades de geração de receita.

Para o tipo Tradicional observou-se, no período estudado, uma estagnação da atividade tanto na infra-estrutura de produção, como na produção de leite que vem se mantendo nos últimos dez anos no patamar de 18000 litros/ano, com uma produtividade de 3000 litros/vaca/ano e um plantel de até cinco vacas, não manifestando interesse em aumentar a produção.

Os resultados obtidos neste estudo dão sustentação ao modelo teórico de tipificação do produtor familiar elaborado por Ivaldo Gehlen e também se enquadram no modelo apresentado por Prado (2001), segundo construção teórica de Rosemberg (1986), Astudillo (1984) e Obiaga et al (1979) e aos estudos sobre produção camponesa de Silva (1980) e Silva (1982), nos quais foram utilizados indicadores relativos ao uso da mão-de-obra, finalidade e relações de produção, inversão em tecnologias, tamanho da propriedade, volume de produção e produtividade, local de residência e natureza das ocupações, contudo, Gehlen aprofunda o estudo na produção familiar, relativa ao tipo mercantil simples apresentado por Eli Prado, nos mostrando a dinâmica organizacional e tendências desta classe social no estado do Rio Grande do Sul, que para permanecerem na atividade após tantos desafios mercadológicos, impostos pelo modelo político-econômico neoliberal vigente há mais de uma década, tiveram que investir recursos financeiros e diversificar as suas atividades, revelando assim o pluralismo

destes produtores, que vem garantindo a agricultura familiar como um modelo sustentável de produção.

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