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Tipificação dos Atos Lesivos à Administração Pública Nacional e Estrangeira

3 A LEI Nº 12.846/201 E O NOVO MODELO SANCIONADOR DE COMBATE À

3.7 Tipificação dos Atos Lesivos à Administração Pública Nacional e Estrangeira

Feita a exposição sobre as penalidades imputáveis às pessoas jurídicas, passa-se a esmiuçar as hipóteses de responsabilização previstas pelo artigo 5º da Lei nº 12.846/2013. A lei define como hipótese de sancionamento a prática de ato lesivo à administração pública, nacional ou estrangeira, definido todo aquele ato praticado pelas pessoas jurídicas definidas no parágrafo único do artigo 1º 63, que

atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

Segundo Marco Petrelluzzi e Rubens Rizek Júnior (2014, p. 62), os atos tipificados no artigo 5º da Lei Anticorrupção não exigem a efetiva demonstração de prejuízo para a sua caracterização, pois há, “por força de presunção legal, prejuízo jurídico decorrente da violação dos princípios norteadores da administração pública”. O que não quer dizer que a comprovação de eventual prejuízo material ao erário seja irrelevante para fins de quantificação da sanção, haja vista que este é um dos parâmetros de dosimetria elencados no artigo 7º da Lei nº 12.846/2013, em especial nos seus incisos IV e V, conforme exposto no tópico 3.6 acima.

Na sequência, o dispositivo elenca um rol de atos considerados lesivos à Administração Pública e que ensejam a responsabilização da pessoa jurídica infratora, nos termos da lei: (i) prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; (ii)

63 Art. 1º

(...)

Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.

comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei; (iii) comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; (iv) no tocante a licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público; b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública; e (v) dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.

Um primeiro ponto de destaque diz respeito ao ato lesivo apontado no inciso I do artigo 5º da Lei nº 12.846/2013, haja vista que o tipo ali descrito, diferentemente do crime de corrupção ativa previsto no artigo 333 do Código Penal64, não exige que

o pagamento, o oferecimento ou a promessa da vantagem indevida ao agente público tenha tido como contrapartida alguma ação ou omissão por parte deste.

Dúvida que pode surgir é acerca de qual é a extensão do rol acima, se exemplificativo ou taxativo. A partir de uma leitura do início do caput do artigo 5º, dá- se a entender que a lista de ilícitos abaixo dele é meramente exemplificativa, pois consta do texto do caput que são atos lesivos “todos aqueles...”. Assim, o termo “todos” possibilitaria uma abertura do elenco de tipos. Contudo, o final do referido caput aponta para um claro fechamento do rol quando emprega a expressão “assim definidos”. De todo modo, não se pode olvidar que os cinco incisos do artigo 5º abarcam um universo muito amplo de hipóteses de atos lesivos à Administração

64 Código Penal, art. 333. Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para

Pública, o que acarreta uma quase impossibilidade real de existir um ato lesivo que não se enquadre em uma daquelas descrições.

Seguindo o exame da tipificação prevista na Lei nº 12.846, destacam-se do rol do artigo 5º aqueles atos lesivos à Administração Pública que estão relacionados a licitações e contratos, os quais podem ensejar simultaneamente responsabilização administrativa da pessoa jurídica com fulcro na Lei nº 12.846/2013 e com fundamento na Lei nº 8.666/1993, que estabelece a disciplina geral em matéria de licitações e contratos administrativos.

Isso porque, diante da gravidade e da abrangência das condutas elencadas pela Lei Anticorrupção, a prática desses atos pelas empresas também pode configurar uma das hipóteses sancionadas com a declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública, em especial a prática de atos ilícitos visando frustrar os objetivos da licitação (artigo 88, inciso II, Lei nº 8.666/1993) e a demonstração de não possuir idoneidade para contratar com a Administração Pública em virtude de atos ilícitos praticados (artigo 88, inciso III, Lei nº 8.666/1993). Em outras palavras, uma única conduta lesiva praticada pela pessoa jurídica pode sujeitá-la às sanções de multa sobre percentual do faturamento bruto, publicação extraordinária da decisão condenatória e declaração de inidoneidade para licitar e contratar com a Administração Pública, ou seja, penalidades assentadas em diferentes normas, mas resultantes do mesmo fato.

Por fim, é importante destacar o caráter extraterritorial da Lei nº 12.846/2013, haja vista que ela também dispõe que os atos lesivos previstos em seu artigo 5º podem ser cometidos por pessoas jurídicas contra a administração pública estrangeira, entendida esta como os órgãos e entidades estatais ou representações diplomáticas de país estrangeiro, de qualquer nível ou esfera de governo, bem como as pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro, passam a ser punidos pelo ordenamento brasileiro. Em outras palavras, caso uma empresa brasileira pratique um ato de corrupção em solo estrangeiro, como por exemplo, pagamento de propina a agente público de um órgão público de outro país65, ela poderá ser processada e punida no Brasil, nos termos da Lei nº 12.846/2013.

65 Art. 5º