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Condutores e isolantes

4.5 Diferenças entre os vidros da época de Gray e os vidros atuais

4.5.3 Tipo de carga adquirida por atrito

A terceira diferença refere-se ao tipo de carga adquirida pelo vi- dro quando é atritado com a pele humana (Assis, 2010, p.110-28).

A descoberta dos dois tipos de eletricidade é devida a Du Fay. Foi ele também quem propôs a regra segundo a qual dois corpos eletriza- dos com eletricidade do mesmo tipo se repelem, enquanto dois cor- pos eletrizados com eletricidades de tipos diferentes se atraem. Essas descobertas foram publicadas em 1733 (Du Fay, 1733; Id., 1733-4; Boss; Caluzi, 2007). Ele denominou eletricidade vítrea o primeiro tipo de eletricidade, e eletricidade resinosa o segundo tipo. Du Fay descobriu que o vidro e a lã adquiriam eletricidade do primeiro tipo ao serem atritados com a pele e com a seda. De outro lado, descobriu que as resinas e a seda adquiriam eletricidade do segundo tipo ao se- rem atritadas com a pele e com outro pedaço de seda.

Uma questão que pode ser levantada aqui é: se atritarmos dois pedaços de seda, haverá eletrização? Segundo um experimento realizado por Du Fay e descrito em Quarta memória(1733, p.472-3), ao atritar dois pedaços de seda houve eletrização de pelo menos um deles,20 sendo que o pedaço de seda que ele analisou tinha eletricidade

resinosa. Se tomarmos como base as ideias da Física atual, podemos dizer que, se o pedaço de seda analisado por Du Fay estava eletrizado,

20 Afirmamos que pelo menos um dos pedaços de seda ficou eletrizado, pois nada é dito, no texto, sobre o outro pedaço. Dessa forma, entendemos que apenas um deles foi analisado por Du Fay.

STEPHEN GRAY E A DESCOBERTA DOS CONDUTORES E ISOLANTES 99 o outro também estava. Além disso, se o referido objeto apresentou carga elétrica negativa, o outro apresentaria carga elétrica positiva. Uma possível explicação para esse tipo de eletrização entre objetos de mesmo material pode estar na composição química do material, uma vez que qualquer mudança nesse tipo pode interferir na eletri- zação por atrito. Ou seja, embora Du Fay tenha atritado dois peda- ços de seda, pode ser que eles tivessem composições diferentes entre si. Mas, caso partamos do princípio de que os objetos sejam iguais em composição química, poderemos supor que alguma variação na textura do material ou a presença de contaminantes (por exemplo, sujeira, poeira, gordura da mão etc.) influenciará a troca de cargas elétricas no momento do atrito, fazendo com que um objeto adquira certo tipo de carga elétrica e o outro adquira carga de natureza oposta.

Vinte anos após Du Fay publicar essas descobertas, começaram a surgir algumas anomalias. Foi observado que um mesmo tipo de vidro áspero podia obter eletricidade do primeiro ou do segundo tipo, dependendo do material com o qual era atritado. O mesmo ocorria com outras substâncias. Isso levou à criação das chamadas séries triboelétricas, sendo as primeiras publicadas em 1757 e 1759. Os termos vítrea e resinosa deixaram de ter sentido após essas des- cobertas. Passou-se a chamar a eletricidade do primeiro tipo de ele- tricidade positiva, enquanto a eletricidade do segundo tipo passou a ser chamada de eletricidade negativa. Se atritamos dois corpos, C1 e C2, aquele que estiver mais próximo do sinal + da série triboelé- trica vai adquirir eletricidade positiva, enquanto o outro corpo vai adquirir eletricidade negativa, já que se encontra mais próximo do sinal − da série triboelétrica.

Convencionou-se então chamar de eletricidade positiva a eletri- cidade que era chamada de vítrea na época de Du Fay e de eletri- cidade negativa a eletricidade chamada de resinosa naquela época.

A terceira diferença que ocorre entre os vidros da época de Gray e os atuais está relacionado à carga adquirida por eles ao serem atri- tados contra a pela humana. Os vidros atuais estão muito próximos da pele nas séries triboelétricas (Assis, 2010, p.127). Isso significa que alguns vidros atuais vão estar mais próximos da carga + do que

a pele humana nessas séries triboelétricas. Vamos chamá-los de vi- dros do tipo A. Já outros vidros atuais vão estar mais próximos da carga − do que a pele humana nessas séries triboelétricas. Vamos chamá-los de vidros do tipo B (ver Tabela 4.1).

Tabela 4.1 – Série triboelétrica com vidros atuais

+ vidro do tipo A

pele humana vidro do tipo B

Ou seja, quando atritamos um vidro do tipo A contra a pele, esse vidro adquire carga +. De outro lado, ao atritar um vidro do tipo B contra a pele, esse vidro adquire carga −. Para saber se um certo vidro é do tipo A ou B, temos de atritá-lo contra a pele humana e testar a carga adquirida por ele. Somente experiências desse tipo vão permitir classificá-lo como um vidro do tipo A ou do tipo B.

Isso significa que os vidros atuais podem adquirir carga + ou − ao serem atritados contra a pele, dependendo de serem do tipo A ou B, respectivamente. De outro lado, os vidros utilizados por Gray e por outros pesquisadores de sua época sempre adquiriam carga + ao serem atritados contra a pele.

Neste livro, sempre que representarmos as cargas adquiridas pelo vidro em algum experimento original de Gray, essas cargas serão positivas. Como exemplo, podemos citar a Figura 5.1. Mas é importante ter em mente que, se reproduzirmos algum desses ex- perimentos com um vidro atual, esse vidro poderá ficar eletrizado positiva ou negativamente ao ser atritado contra a pele, dependen- do se é do tipo A ou do tipo B.

PARTE III

TRADUÇÕES

DOS

ARTIGOS

DE

5

ARTIGO 1 – CARTA

DE STEPHEN

GRAY

PARA HANS SLOANE, DE

3 DE

JANEIRO

DE 1707Ȃ8

5.1 Introdução

1,2

Esta carta, datada de janeiro3 de 1707Ȃ8 , foi enviada por Stephen

Gray para Hans Sloane,4 então secretário da Royal Society. Entre-

tanto, ela não foi publicada no periódico Philosophical Transactions. Para Chipman (1954, p.33-4), a carta apresenta “experimentos elé- tricos que parecem ser no mínimo de tão grande interesse e origi-

1 Este texto foi extraído de Chipman (1954).

2 O texto original em inglês não possui figuras; sendo assim, todas as figuras desta tradução foram inseridas pelos tradutores. A maioria delas foi feita pe- los tradutores, e algumas foram retiradas de fontes secundárias (neste caso, são indicadas as referências). As figuras estão fora de escala. Em algumas de- las, exageramos o tamanho do tubo de vidro ou de outros elementos da ilus- tração para facilitar a visualização.

3 A Inglaterra utilizou o calendário juliano até 1752; dessa forma, até 1752 o ano-novo inglês começava em 25 de março. Entretanto, “grande parte da Eu- ropa já havia adotado o calendário gregoriano”. Por isso, para citar datas até o dia 25 de março utilizava-se uma indicação de ano que contemplava os dois calendários, na qual colocavam-se dois números para expressar o último dígi- to, como 1707/8. O primeiro número indicava o ano no calendário juliano e o

segundo indicava o ano no calendário gregoriano. Após 25 de março utilizava - -se somente o ano comum a ambos os calendários (Silva; Martins, 1996, p.315). 4 Ver informações detalhadas sobre Hans Sloane na nota 19 do Capítulo 1.

nalidade para a época quanto aqueles de Hauksbee5 e Wall”. Essa

carta está entre os arquivos de Sloane no British Museum e foi pu- blicada por R. A. Chipman em 1954 (Ibid.).

A hipótese de Clark e Murdin(1979) para a não publicação des- sa carta de Gray na Philosophical Transactions é que Sloane pode ter solicitado uma avaliação prévia de Hauksbee sobre o texto. “Na- quela época, Hauksbee havia encantado a Royal Society com suas demonstrações sobre eletricidade”; além disso, ele era curador/de- monstrador de experimentos da sociedade. Clark e Murdin (Ibid.) supõem, então, que Hauksbee pode ter sido “capaz de suprimir a publicação da carta de Gray”. Pouco tempo depois, sentiu-se à vontade para publicar muitas das descobertas de Gray como sendo dele, “por exemplo, o pairar de uma penugem sobre um bastão de vidro eletrizado”.6 Hauksbee (1708-9a) publicou sobre o “eflúvio

luminoso da cera e do enxofre” “apenas poucos meses após a Royal Society ter recebido a carta de Gray anunciando suas descobertas”. Em 1711, Hauksbee (1710-12) publicou uma carta na Philosophical Transactions dizendo: “Pode ser lembrado o sucesso que tive em produzir luz por meio de corpos, tal como lacre, resina e enxofre comum [...]”, ignorando completamente o fato de as descobertas não serem dele (Clark; Murdin, 1979, p.394).

5.2 Tradução