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Tipo legal de crime – O crime de abuso de confiança fiscal

3. Investigação criminal fiscal – O crime de abuso de confiança fiscal

3.1 Tipo legal de crime – O crime de abuso de confiança fiscal

“ O crime de abuso de confiança fiscal respeita a situações em que se verifica o fenómeno da substituição tributária, ou seja, aquelas em que a posição de devedor não é ocupada pelo contribuinte originário, o que suporta economicamente o valor do imposto, mas por um substituto, por uma pessoa que, por imposição legal, tem o dever de entregar a prestação à Administração Tributária e que por essa via se substitui a esta na respetiva liquidação. (…) o agente põe em causa a relação de confiança subjacente aos deveres de colaboração para com a administração fiscal (…)”89 O crime de abuso de confiança fiscal é aquele que conhece maior expressão no âmbito dos crimes fiscais e tributários comuns, acentuando-se em períodos de crise económica. Frustra não só a relação de confiança com o Estado, como com os particulares que enquanto clientes (no caso do IVA) ou trabalhadores (retenção na fonte de IRS) depositam nos operadores económicos a confiança de que o IVA entregue ou o IRS retido serão devidamente entregues ao Estado, enquanto legítimo proprietário dos valores em causa, os quais afetará à satisfação das necessidades coletivas, pressuposto do Estado Social de Direito. Assim, podemos afirmar que o crime de abuso de confiança fiscal, além de ter como vítimas o universo de contribuintes, afeta de forma particular os terceiros envolvidos nas relações comerciais ou laborais subjacentes aos respetivos impostos, na medida em que veem acrescido o valor do produto a pagar ou diminuído o seu salário, expectando que o valor acrescido (IVA) ou retido (IRS) sejam entregues ao Estado e utilizados em prol da coletividade.

Neste sentido, é muito considerável em Portugal o número de agentes económicos que recebe impostos de terceiros com a obrigação de os entregar ao Estado, que vem a suportar um duplo prejuízo, uma vez que não só deixa de auferir os impostos em causa como suportará o reembolso aos clientes sujeitos passivos de IVA e aos trabalhadores anualmente em sede de devolução de IRS. Assim, é de especial importância que a nível nacional se uniformizem os procedimentos de investigação criminal fiscal a fim de criar no contribuinte, particular ou empresa, a convicção de

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eficácia dos órgãos de polícia criminal e consequentemente da investigação dos crimes de abuso de confiança e fraude fiscais.

Retomando a análise do tipo de crime de abuso de confiança fiscal, previso e punido pelo artº 105º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), dispõe o artº 105º:

1. Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a 7.500€, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.

2. Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja.

3. É aplicável o disposto no número anterior ainda que a prestação deduzida tenha natureza parafiscal e desde que possa ser entregue autonomamente.

4. Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:

a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;

b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.

5. Nos casos previstos nos números anteriores, quando a entrega não efetuada for superior a 50.000€, a pena é a de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas coletivas.

6. (Revogado)

7. Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.

Da letra da lei (sublinhados nossos) decorre:

1) Estabeleceu o legislador um limite mínimo superior a 7.500,00€ para preenchimento do tipo legal de abuso de confiança fiscal, nos termos do artº 105º do RGIT. O valor a considerar será o valor em falta no termo do prazo para pagamento (10º dia do 2º mês seguinte no caso de IVA mensal; 15º dia do 2º mês seguinte no caso de IVA trimestral e 20º dia do mês seguinte no caso de retenções na fonte de IRS). Ou seja, suponhamos que o contribuinte X submete uma declaração periódica no valor de 7.550€ e liquida (dentro do prazo para

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pagamento) 50€, o valor não entregue parcialmente não é superior a 7.500€, pelo que não preenche o principal elemento do tipo;

2) Estabelece o nº4 a) um primeiro pressuposto de punibilidade que consiste no decurso de mais de 90 dias sem que tenha sido paga a prestação tributária em falta (o lapso temporal reflete a preocupação do legislador pelos casos de não recebimento do IVA porquanto decorre das práticas comerciais em alguns setores que os pagamentos sejam feitos a 30, 60 ou 90 dias);

3) Prescreve o nº4 b) como segundo pressuposto de punibilidade que a prestação tributária e acréscimos legais não sejam pagos no prazo de 30 dias a contar da notificação para o efeito. Termos em que, deve o órgão de polícia criminal, inspetor tributário instrutor do processo proceder à notificação pessoal, por carta registada com aviso de receção, nos termos do artº113º do CPP à Sociedade e aos gerentes de facto à data da prática dos factos, notificando do valor do imposto e da respetiva coima em falta e intimando ao pagamento da prestação, coima e acréscimos legais no prazo de 30 dias.

4) Prevê e pune o nº5 do artº105º o abuso de confiança fiscal qualificado pela falta de entrega de prestação tributária de valor superior a 50.000€.