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CAPÍTULO 2 OS SABERES, AS SITUAÇÕES EM SALA DE AULA E OS

2.4 Teoria das Situações Didáticas

2.4.1 Tipologia das situações a-didáticas

Partindo da premissa que numa perspectiva construtivista se pretende que o aluno produza conhecimento através da reformulação de conhecimentos prévios ou de um conflito contra estes conhecimentos, as situações que melhor se enquadram nesta perspectiva são as situações a-didáticas, pois quando o aluno se apropria do problema e quer buscar sua solução atua no sentido de construir um conhecimento novo.

Ao atualizar o currículo e elaborar seqüências didáticas com conteúdo inovador pretende-se que o aluno tenha este tipo de atitude e que o conhecimento construído possa fazer parte do repertório do aluno. Torna-se necessário, então, aprofundar o que é e como se processa uma situação a-didática.

A partir de estudos sobre o que se espera de um aluno quando interage com um meio, Brousseau tipifica as situações a-didáticas em três tipos: ação, formulação e validação, e acrescenta um quarto tipo que não é propriamente uma situação a-didática, mas que tem uma importância capital na construção do conhecimento, que é a institucionalização.

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i. Situação de ação.

Numa situação de ação, o conhecimento do aluno se manifesta por decisões e ações regulares e eficazes sobre o meio. O aluno não precisa identificar, explicitar ou explicar o conhecimento; ele exprime suas escolhas e suas decisões sem qualquer código lingüístico, pelas ações sobre o meio.

A apresentação do problema poderá ser feita de várias formas: situação-problema, questão, atividade experimental, software; e os alunos podem trabalhar de forma individual ou em grupo. São situações que se assemelham a um jogo, em que o aluno conhecendo as regras – que não lhe fornecem a estratégia de vitória – joga, apenas com o objetivo de ganhar, sem construir ainda uma estratégia vencedora. O conhecimento adquirido é de natureza mais experimental e intuitiva do que teórica.

ii. Situação de formulação.

Uma situação de formulação é aquela em que pelo menos dois agentes se relacionam com o meio. Podem ser dois alunos, ou o professor e um aluno. Para que ambos consigam obter um resultado satisfatório, a situação exige que um formule o conhecimento para o outro, de modo que o outro possa convertê-lo em decisão eficaz sobre o meio. O novo conhecimento é formulado a partir do conhecimento de ambos (BROUSSEAU, 2002).

A formulação de um conhecimento corresponderia a uma capacidade do sujeito de retomá-lo (reconhecê–lo, identificá-lo, decompô-lo e reconstruí-lo em um sistema lingüístico) (BROUSSEAU, 1997, p.7).

Esse tipo de situação exige que o aluno reconheça suas ações na busca da solução do problema, consiga explicar o que fez, como agiu, ou seja, use uma linguagem para expressar não só o resultado obtido, mas como este resultado foi obtido. A linguagem pode variar, mas ele precisa explicitar o conhecimento que pode se tornar informação útil para outro aluno.

iii. Situação de validação.

“É aquela cuja solução exige que os agentes estabeleçam juntos a validade do conhecimento característico dessa situação” (BROUSSEAU, 2002, p.3). Como anteriormente mencionado, um dos agentes pode ser o professor. Os protagonistas confrontam suas opiniões e entram em acordo segundo as regras do debate científico, ou seja, usando argumentos, teoremas, leis etc.

Na situação de validação, ao apresentar o conhecimento formulado, um dos agentes é chamado a justificar sua estratégia, seu conhecimento, sua ação para o outro ou os outros.

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Dentro da situação de validação, pode acontecer um momento importante que é o de “prova”, usado aqui como momento de provar algo, não como avaliação formal. Neste momento, o emissor é agora um propositor, é o que propõe o conhecimento, e defende sua idéia, e o receptor é um opositor, que de certo modo questiona o emissor para que “prove” a validade de seu conhecimento. Ambos cooperam na busca de estabelecer a verdade do conhecimento em relação ao saber estabelecido, mas se opõem um ao outro quando há dúvida e, em caso de desacordo, pedem uma demonstração. No caso, emissor e receptor, são alunos e aquele que propõe a solução é chamado a “provar” sua validade para o colega.

Nesse novo tipo de situação, os alunos organizam enunciados em demonstrações, constroem teorias – conjuntos de enunciados de referência - e aprendem como convencer os outros ou se deixar convencer sem ceder aos argumentos retóricos como autoridade, sedução, amor próprio, intimidação etc. (BROUSSEAU, 1997, p. 8).

iv. Situação de institucionalização.

É aquela em que o conhecimento construído para resolver uma situação de ação, de formulação ou de prova, passa a ser uma referência para ser (futuramente) utilizada pessoal ou coletivamente.

O papel do professor inclui, além de organizar a aprendizagem, verificar o que os alunos fizeram ou não, o que eles aprenderam ou ainda precisam aprender. Deste modo, há uma retomada das ações e formulações realizadas que são incluídas no repertório dos alunos para serem usadas posteriormente. O conhecimento produzido durante uma seqüência de atividades é discutido e resgatado de modo que o aluno perceba tratar-se de um saber aceito pela comunidade social e científica representada pelo professor.

Esta situação não é mais uma situação a - didática: há explicitamente a intenção de incluir o conhecimento gerado pelo aluno no estatuto do saber institucionalizado.

Quando um aluno usa suas capacidades, ele não tem consciência de estar produzindo um conhecimento novo. Sem uma “troca” com uma instituição, ele não saberá se o conhecimento que se refere a uma situação particular faz parte de um campo mais extenso, nem se os métodos usados são adequados aos conhecimentos produzidos (BROUSSEAU, 1997).

O levar em conta “oficial” pelo aluno do objeto do conhecimento e pelo mestre da aprendizagem do aluno é um fenômeno social muito importante do processo didático: esse duplo reconhecimento é o objeto da institucionalização (BROUSSEAU, 1997, p. 48).

Por exemplo, quando o aluno resolve um problema: a menos que a solução seja confirmada pelo professor e incluída como uma “resolução- tipo”, isto é, institucionalizada,

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não poderá ser usada para resolver um problema semelhante. Se o professor acolhe esta resolução, ela pode se tornar um método ou um teorema. Após a institucionalização, ambos, professor e alunos, podem usar o teorema sem repetir a demonstração ou o método, ou seja, sem o justificar.

A institucionalização comporta, então, um reconhecimento (justificado ou não) da validade e da utilidade de um conhecimento e uma modificação deste conhecimento, que implica numa transformação do repertório aceito e utilizado por professor e alunos (BROUSSEAU, 2002)

São as fases da aprendizagem que dão a certos conhecimentos o estatuto cultural indispensável de “saberes”.

Os conhecimentos privados e mesmo públicos ficam contextualizados e desaparecem no fluxo das lembranças cotidianas se eles não forem incluídos num repertório especial em que a cultura e a sociedade afirmem sua importância e uso (BROUSSEAU, 1997, p.9).