• Nenhum resultado encontrado

2.4. Globalização da Indústria Automobilística Internacional:

2.4.2. Tipologias

Dois outros tipos distintos de enfoques da questão da globalização podem ser identificados entre o grupo de analistas da indústria automobilística participantes do

Gerpisa.50 M. Freyssenet, Y. Lung, R. Boyer e M.C. Bélis-Bergouignan, entre outros, têm debatido, nos últimos anos, inúmeras questões relativas à industria automobilística. Estes autores, em particular, têm dado especial atenção à temática da globalização/regionalização e às estratégias das montadoras em face destes processos.

Em “Global Strategies in the Automobile Industry”, 1996, M.C. Bélis-Bergouignan, G. Bordenave e Y. Lung desenvolveram uma tipologia das diferentes configurações de multinacionalização das montadoras da indústria automobilística internacional, a partir da noção de organização hierárquica espacial das empresas multinacionais, que, por sua vez, abrange os princípios de organização hierárquica51 e de nível de controle hierárquico52.

50 O Gerpisa (Groupe d’Étude et de Recherche Permanent sur l’Industrie et les Salariés de l’ Automobile ) foi formado em 1981 como um grupo multidisciplinar de pesquisadores originários da economia, da história, da administração e da sociologia, com interesse na indústria automobilística.

51No que tange aos princípios de organização hierárquica, existe uma diferença qualitativa entre internacionalização mundial e globalização, segundo a distinção proposta por Michalet (1990). “O princípio de internacionalização mundial se refere ao processo de expandir a esfera de operações da empresa além do país de origem sem mudar sua estrutura inicial”. (...) “Por contraste, globalização é acompanhado por um fluxo cruzado de trocas dentro do contexto de um sistema policêntrico, em que cada centro é considerado em termos de seus recursos próprios. O conceito de recursos específicos leva em conta o processo de aprendizado que contribui para a evolução das competências ou capacidades organizacionais desenvolvidas localmente. Por combinar as competências de diferentes espaços, a coordenação do processo de aprendizado, que é ela própria uma capacidade organizacional da empresa, torna-se uma importante fonte de vantagem competitiva em um contexto onde o ambiente requer um alto nível de habilidade para reagir à mudança” (Bélis-Bergouignan, Bordenave e Lung, 1996, p. 2). 52 “subsumido dentro de cada [um] desses princípios de organização hierárquica, existe também um variável grau de controle exercido pela administração central da empresa sobre suas atividades internacionais (ver Fujimoto et al., 1994). O nível de controle geralmente depende do grau em que a empresa é homogênea espacialmente. Inversamente, heterogeneidade faz a administração centralizada ineficiente, uma vez que quando idênticos procedimentos de controle são usados não é possível compreender todas as informações pertinentes requeridas para tomar as decisões apropriadas. Entre os principais fatores atras da heterogeneidade estão as restrições econômicos tais como a variedade

Tendo em conta estas duas formas de interpretar a organização hierárquica espacial das empresas multinacionais, os autores conceberam quatro tipos de configurações principais de internacionalização: empresa mundial; empresa multi-doméstica;

empresa multi-regional e empresa trans-regional.

BOX 2.4: CONFIGURAÇÕES DE INTERNACIONALIZAÇÃO

Empresa mundial. Esta expressão não significa que a presença da empresa esteja espalhada em todo o

mundo, mas apenas que a organização espacial da empresa “é homogênea e etnocêntrica (no sentido de Perlmutter, 1965)”; que a empresa “reproduz seu modo de funcionar no nível internacional: multinacionalização é simplesmente uma expansão da estrutura organizacional inicial, ou a duplicação, razão pela qual a empresa é homogênea espacialmente”53 (Bélis-Bergouignan, Bordenave e Lung, 1996: 2 e 3).

“Dada a diversidade de possíveis formas da empresa mundial esta configuração pode ser mantida através de reorganizações, que não minem os princípios hierárquicos que estruturam a empresa espacialmente. Entretanto, como resultado de mudanças do ambiente e dos efeitos da competição, a empresa multinacional pode evoluir superando esta configuração e progredindo na direção de formas mais complexas de organização espacial” (Bélis-Bergouignan, Bordenave e Lung, 1996: 3).

“Se a empresa evolui na direção de uma fraca hierarquia de controle enquanto mantém uma estrutura espacial baseada em uma relação centro-periferia, a configuração torna-se ‘multi-doméstica’ (seguindo Porter). Se a empresa começa a reconhecer a interdependência entre as diferentes regiões de produção que caracteriza o processo de globalização, sua estrutura espacial torna-se policêntrica.” (Bélis- Bergouignan, Bordenave e Lung, 1996: 3). Com base nesta última concepção geral, duas principais configurações podem ser identificadas, de acordo com o grau de controle hierárquico da empresa, a saber, empresa multi-regional e empresa trans-regional.

Empresa multi-doméstica. A empresa com esta configuração “permite a suas diferentes subsidiárias

nacionais um certo grau de autonomia na tomada de decisões e também é espacialmente heterogênea.

As empresas multi-domésticas adaptam então seus produtos e suas regras de funcionamento às

condições locais, o que leva a uma forte diferenciação geográfica nas características dos bens oferecidos em diferentes mercados (linhas específicas e produtos) e à descentralização da administração da empresa”.

“E ainda, não obstante a heterogeneidade espacial, e apesar da administração descentralizada, a empresa mantém um centro único”. Não obstante a relativa autonomia, as filiais “não são vistas como possuindo qualquer competência específica, especialmente em termos de tecnologia e know-how, que pudesse ser transferido para o centro. Consequentemente, mantém-se a relação unilateral de dominação sem nenhuma reciprocidade entre os espaços, que são administrados em paralelo sem nenhuma produção interdependente” (Bélis-Bergouignan, Bordenave e Lung, 1996: 3).

geográfica de produtos, que está relacionada às características de demanda em diferentes mercados nacionais e regionais, e aos fatores mais institucionais relacionados às restrições políticas tais como as políticas comerciais ou as regulamentações nacionais sobre as atividades das multinacionais” (Bélis- Bergouignan, Bordenave e Lung, 1996, p.2).

53 “Entretanto, homogêneo não significa idêntico, desde que a inevitável diversidade dos países e regiões em que a empresa investe é levada em conta, e que a empresa desenvolve uma divisão internacional do trabalho com base nessa diversidade” (Bélis-Bergouignan, Bordenave e Lung, 1996: 3).

Empresa multi-regional. “A configuração multi-regional é distinta da configuração anterior visto que

a empresa é organizada em diferentes regiões que estão interrelacionadas. As diferenças entre países e regiões, juntamente com a segmentação dos mercados, pode impedir uma administração homogênea e favorecer a descentralização das principais funções econômicas da empresa no que diz respeito aos espaços regionais. Durante o início do aprendizado, foram desenvolvidas capacidades organizacionais necessárias e cada uma das principais regiões produtivas pode ser administrada autonomamente ( linhas específicas, design e produção local, administração e alianças), mesmo que várias iniciativas permaneçam sob o controle das matrizes”.

“Entretanto, a coordenação global não é limitada a esta forma passiva de controle, que corre o risco de ser inadequada em face das forças centrífugas de autonomização. A interdependência das diferentes regiões é mantida através da centralização de certas atividades em uma única região e através da troca de bens e informações entre as regiões. É entretanto admitido que as forças que tendem à adaptação local são agora mais poderosas do que aquelas tendentes à integração global” (Bélis-Bergouignan, Bordenave e Lung, 1996: 3).

Empresa trans-regional. “Inversamente, se os fatores que levam para a integração de todas as

atividades da empresa em nível mundial (economias de escala, convergência geográfica de mercados e assim por diante) predominarem, a configuração é aquela da empresa trans-regional. Neste caso, o controle hierárquico é muito maior e a organização geográfica da empresa tende à homogeneidade. Diferentes regiões são reconhecidas como espaços de competências específicas que podem ser coordenados dentro do contexto de uma abordagem imediatamente global das atividades da empresa e da sua rede de alianças. Uma linha mundial de produtos é vendida nos diferentes mercados.

“Neste contexto, cada região está envolvida em mais que uma limitada esfera de atividades, em um completo conjunto de atividades baseadas na sua própria lógica e dinâmica, em relação às quais ela exerce suas próprias competências, tais como design e lançamento do produto. Este policentrismo não exclui a preeminência da matriz na tomada de decisões estratégicas que afetam o futuro da empresa; embora este seja um tipo diferente de comando ( uma ‘heterarquia’, como sugerido por Hedlund) e outra forma de administração hierárquica” ( Bélis-Bergouignan, Bordenave e Lung, 1996: 3 e 4).

O quadro 2 abaixo relaciona as distintas etapas do processo de multinacionalização segundo os critérios de grau de controle hierárquico e de princípios de hierarquia.

Quadro 2.2

As Configurações de Multinacionalização

Grau de controle hierárquico Princípios de Hierarquia

Fraca Forte

Internacionalização Mundial Empresa Multi-doméstica Empresa Mundial

Globalização Empresa Multi-regional Empresas Trans-regional

Esta tipologia parece bastante adequada e aderente ao processo de internacionalização das montadoras ocidentais, particularmente às empresas norte-americanas54. O mesmo não parece ocorrer no caso das montadoras japonesas, à exceção talvez da Honda55. Poderia se argumentar, em defesa dos autores, com uma certa dose de razão, que, como o processo de internacionalização produtiva das empresas automobilísticas japonesas é relativamente recente, não se tinha ainda uma idéia muito clara de sua evolução, em 1996, quando o referido artigo foi escrito.

54 E, em especial, à Ford, inegavelmente a empresa mais avançada neste processo dentre as montadoras ocidentais. Entretanto, e por isso mesmo, esta tipologia corre o sério risco de estar excessivamente inspirada no padrão das empresas ocidentais, comprometendo assim a pretensão (que parecem ter os seus autores) de utiliza-la como um instrumento genérico de análise quanto à evolução futura das estratégias de globalização da indústria automobilística. Na forma em que se encontra, limita-se seriamente a ser uma tipologia descritiva da evolução do processo de internacionalização das montadoras ocidentais, especialmente norte-americanas.

55 Que provavelmente não serve como um paradigma paras as demais empresas japonesas em virtude das suas especificidades (ver a esse respeito a tabela N.1 do apêndice com as distribuições de produção e vendas de 1994).

Este argumento era parcialmente verdadeiro56, mas parece que não eliminava o fato de que, independentemente das estratégias específicas de internacionalização que seriam eventualmente adotadas pelas montadoras japonesas, tais estratégias teriam como uma de suas referências básicas57 as características que têm conferido a estas empresas as suas respectivas vantagens competitivas -- numa palavra, como o Toyotismo tem sido a base da competitividade da Toyota58. Na medida, é claro, em que estas características sejam passíveis de serem reproduzidas em outros contextos nacionais. O que, aliás, já pode ser considerado uma etapa vencida no caso dos E.U.A e, em menor medida, no caso da U.E. Talvez a questão se apresente um tanto mais complexa no caso dos mercados menores em que a reprodução completa ou mesmo significativa do sistema produtivo Toyotista não se justifique em princípio.