Tipos de argumentos

Identificamos, a partir do banco de dados investigado, uma variedade de argumentos e usos da linguagem. Fica evidente que o objetivo de todos os argumentos é convencer, fortalecer e apoiar um ponto de vista. Antes disso, é preciso reconhecer que o número expressivo de falas, que serão apresentadas nos próximos capítulos, parte do interesse dos conselheiros em participar e contribuir de alguma forma para que aquele assunto seja decidido. Poderemos identificar que cada um dos conselheiros tem uma forma própria de argumentar. Esta forma está diretamente relacionada com a sua experiência de vida, trabalho ou enquanto conselheiro. Ao mesmo tempo, não identificamos nenhuma obrigatoriedade do uso da linguagem. Assim, as categorias apresentadas a seguir constituem-se como um recorte dos tipos de argumentos mais frequentes, nas plenárias do Conselho Municipal de Saúde, em 2011.

3.4.1.1 Argumento técnico

Este argumento está imerso em um vocabulário específico e pressupõem um auditório particular que também domina esta técnica ou consigam compreendê-los. Assim, o argumento técnico está ligado ao tempo e ao espaço de discurso ou vinculado ao tema deste. Do mesmo modo, ele pode ser reconhecido pelo uso de siglas, os dados numéricos e estatísticos. A exposição de informações provenientes

93 de documentos específicos que não estão acessíveis ao público em geral é outra característica desta argumentação.

No COMSPel, este tipo de fala está presente nos informes, nas exposições e nos pedidos de esclarecimento. Na exposição, a linguagem técnica qualifica a argumentação e, ao mesmo tempo, acaba segregando as parcelas do auditório que não estão familiarizadas com o vocabulário, com as siglas ou com a compreensão dos dados comparativos. Para exemplificar este tipo de argumentação, selecionamos abaixo a fala de um conselheiro, representante dos usuários, sobre a regra para substituição de conselheiros em comissões:

Tem sido prática neste Conselho, a substituição da representação em duas situações: a pedido do próprio conselheiro ou quando, o mesmo, não tem cumprido com regularidade as atividades para as quais foram indicados. No presente caso, nenhuma das situações ocorreu. Ou seja, a nossa substituição ocorreu a nossa revelia, não fomos consultados por nenhum meio sobre a nossa disponibilidade para continuar na representação, nem deixamos de cumprir rigorosamente com as nossas obrigações. (CMSPel, ÁUDIO 26/2011).

Na exposição selecionada o conselheiro retoma as regras de substituição de conselheiro, por meio do argumento técnico. Contudo, o uso deste, tem o objetivo de investigar e reverter a substituição da sua pessoa, como membro da Comissão de Ética do Hospital Santa Casa de Misericórdia. Esta substituição, segundo o conselheiro, foi feita contra a sua vontade.

O argumento técnico pode ser compreendido sob dois pontos de vista. Por um lado, ele qualifica a argumentação trazendo informações específicas e, muitas vezes, desconhecidas da maioria do auditório. O segundo ponto de vista coloca-se no momento em que este tipo de argumento pode não ser compreendido pela maioria dos interlocutores presentes; ele pode atuar como um fator restritivo, impositivo e como forma de convencimento de uma vontade calcada na desigualdade técnica entre os membros do auditório.

3.4.1.2 Argumento de apelo à autoridade

Este tipo de argumento é uma das técnicas de apelo ao prestígio mais utilizadas no decorrer da história (PERELMAN; TYTECA, 2005). O apelo à autoridade consiste em utilizar atos ou juízos de uma pessoa, ou coletivo de

94 pessoas, como meio de provar a sua tese. Ao apelar para o reconhecimento de uma autoridade conhecida, o orador dá um “verniz lógico” ao argumento fazendo com que haja o reconhecimento das suas conclusões. Encontramos nas propagandas vários casos exemplares de apelo à autoridade. Por exemplo, quando uma marca de creme dental como a Colgate chama um dentista reconhecido para gravar a propaganda temos claramente um caso de apelo à autoridade do profissional responsável por cuidar dos nossos dentes. Assim, se ele recomenda, quem somos nós para duvidar?

Neste sentido, o uso deste tipo de argumento é bastante interessante para a finalidade da retórica, pois, a imponência da figura pública ou instituição é trazida “aos olhos” do auditório persuadindo-o a reconhecer a força do argumento. Conforme alguns autores, o apelo à autoridade:

Seria, portanto, um pseudo-argumento destinado a camuflar a irracionalidade de nossas crenças, fazendo que sejam sustentadas pela autoridade de pessoas eminentes, pelo consentimento de todos ou do maior número. (PERELMAN; TYTECA, 2005, p. 348)

Os apelos a autoridade podem se dar de variadas formas. Antecipando os nossos resultados, achamos pertinente mencionar o uso da autoridade do Ministério Público, de alguns sindicatos, do Conselho Estadual de Saúde, de ministros e outras figuras públicas internas e externas aos assuntos da saúde pública, para fundamentar a argumentação sobre uma pauta.

Um aspecto a ser ressaltado, é que este tipo de argumento nem sempre é utilizado como protagonista da discussão. Podemos encontrá-lo para apoiar, enquanto coadjuvante, uma opinião. Ao mesmo tempo, nem sempre o argumento de apelo à autoridade visa qualificar a pauta dentro de um debate. Podemos encontrar, a partir dos dados do conselho investigado, argumentos de apelo à autoridade do Ministério Público, do próprio conselho e outros. Destacamos abaixo um exemplo de argumentação com apelo à autoridade :

[...]o Edital que saiu não está de acordo com aquilo que foi acertado com a SMS, com o senhor secretário. Então é algo que a nós vamos estar precisando sentar, nesta semana. E posteriormente teremos que agir, provavelmente com uma reunião com o Ministério Público do Trabalho (CMSPel, ÁUDIO 01/2011).

95 Resumindo, o argumento de apelo à autoridade é utilizado para qualificar um ponto de vista recorrendo a uma figura ou instituição pública conhecida por todos. O destaque acima, tem como objetivo exigir que o edital para Agentes de Saúde seja revisto, tendo em vista as várias conversas entre o Conselho e a SMS onde foram acordadas algumas questões que não estavam contempladas no Edital. Neste sentido, o presidente da instituição afirma a possibilidade de apelar ao Ministério Público do Trabalho para resolver tal questão.

3.4.1.3 Argumentação ad personam:

Consiste numa argumentação que usa as circunstâncias particulares do interlocutor como justificativa para a conclusão. Este tipo de argumento é bastante comum nos debates, quando uma das partes envolvidas ataca o argumento de seu oponente com base em fatos ocorridos no passado, na profissão do interlocutor ou num boato sem provas.

O recorte a seguir dá um exemplo específico de argumento contra a pessoa, presente nas plenárias do COMSPel. Contextualizando, na Plenária 26/2011, um conselheiro vem a público expressar a sua insatisfação com a substituição da sua associação, no Conselho de Ética do Hospital Santa Casa de Misericórdia:.

Então eu queria manifestar o meu desagrado com essa forma como eu fui substituído. E até mesmo substituído por um conselheiro que dificilmente vai cumprir com este mandato. Primeiro, nos últimos sete anos, essa entidade nunca “aqueceu o banco aqui”. Faz sete anos que eu estou aqui no conselho, ela foi muito mais inadimplente do que presente. Foi exatamente essa entidade que foi escolhida para me substituir para um mandato de três anos que dificilmente será cumprido (CMSPel, ÁUDIO 26/2011).

A partir da citação, podemos perceber que o conselheiro falante argumenta contra a conduta do conselheiro e/ou associação que o substituiu, neste caso o DCE/UFPel. Neste informe, percebemos claramente que o conteúdo do descontentamento dá espaço a acusação direta contra a pessoa do outro conselheiro e, também, contra as práticas do Diretório Acadêmico nas reuniões do Conselho.

No decorrer da nossa análise teremos a oportunidade de expor e analisar outros argumentos ad personam que, em resumo, cumprem a função de desqualificar a pessoa, um grupo de pessoas ou instituição com base em

96 características particulares que não estão vinculados a argumentação, mas a pessoa na forma do oponente.

3.4.1.4 Argumento de apelo ao sentimento

O apelo ao sentimento tem a finalidade de sensibilizar ou emocionar o

auditório como ferramenta persuasiva. Este recurso é utilizado como auxílio da argumentação principal e visa desviar o foco das provas comprovadas para boatos ou situações pessoais podendo ou não estar vinculada a emoções. O uso deste tipo de argumento parte de uma premissa abrangente que pode ser comum a maioria dos ouvintes. Por exemplo, o apelo à angustia com a saúde do idoso pode ser uma ferramenta interessante, afinal, a maioria das pessoas conhece ou convive diariamente com idosos. Um exemplo específico de argumento com apelo emotivo pode ser identificado na plenária 01/2011, quando um conselheiro desabafa sobre as suas emoções frente aos pedidos de demissão dos médicos e a falta de notícias sobre as novas contratações:

Então me perdoe, porque eu “boto o pé atrás” e começa a ser complicado. Ai a Drª Gislaine chega aqui e diz “Olha, não tem médico, está faltando, estão saindo.” Eu estou muito angustiado com isso. Estou muito angustiado porque parece que eu estou vendo: um hoje, um dia o pediatra, outro dia o vascular, outro dia é o neurocirurgião, outro dia não-sei-o-que, outro pede demissão. O salário não é bom. E o arisco está aqui batento! Eu gostaria de dizer, gostaria de conscientizar todos os conselheiros que nós somos cobaias, principalmente os velhos. (CMSPel, ÁUDIO 01/2011)

A partir da citação, podemos perceber a intensidade do apelo emotivo do orador ao colocar os sentimentos de angústia, receio, medo em sua fala que podem ser comuns ao auditório. Tal ferramenta foi utilizada para impulsionar as mesmas emoções nos ouvintes visando chamar atenção para as fragilidades da saúde pública da cidade de Pelotas, no ano de 2011.

Até agora explicitamos quatro tipos de argumentos que serão recorrentes nas reuniões da arena de decisão que estamos investigando. Contudo, achamos pertinente aprofundar no nosso estudo sobre a argumentação, trabalhando algumas figuras retóricas presentes no interior do argumento.

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