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Tipos de Interações Sociais

No documento Um estudo das obras de Sêneca (páginas 59-63)

Relações Sociais Intitucionais (Superestruturais)

São relações sociais reguladas por formalizações socialmente reconhecidas, já cristalizadas na prática social e que correspondem a um nível das relações sociais em que a

igualdade e a desigualdade entre os agentes são preestabelecidas e normalizadas pela concessão de direitos e atribuição de deveres desiguais. O lugar de intermediação desse nível é, por excelência e em última instância, o Estado. Bons exemplos dessas interações são aquelas entre senhor e escravo e entre cidadão e não-cidadão. Os privilégios jurídicos de uns e outros os colocam em situações sociais distintas. Uns existem, em larga medida, como elementos antitéticos dos outros.

Relações Sociais de Produção (Estruturais)

Correspondem àquelas relações sociais que geram bens ou meios para sua produção. A associação entre os agentes para a consecução desses fins os coloca em posições desiguais com relação ao tempo despendido na realização dos fins e na quantidade de benefícios extraídos. O lugar de intermediação desse nível é, por excelência e em última instância, o mercado. Um bom exemplo dessa interação é a situação de um grande proprietário de terras, com capacidade de investimento, tendo muitos trabalhando para si e vivendo da renda aferida com a produção realizada por esses. Os que trabalham para o grande proprietário e esse vivem situações sociais claramente distintas. Contudo, como no caso anterior, são distintas, mas interrelacionadas.

Relações Sociais Interpessoais (Sociedade Civil)

Correspondem ao nível de intermediação entre os agentes não regulados pelas relações socioeconômicas ou relações sociais institucionais e, ao mesmo tempo, uma ponte entre ambas. É o campo das relações não-econômicas e não-institucionais. Serve como meio de otimização dos benefícios adquiridos nos níveis anteriores. O lugar de intermediação desse nível é, por excelência e em última instância, a sociedade civil. São exemplos desse tipo de interação social: as relações de patronato, proteção e amizade.

Esse nível incorpora o que, nas pesquisas anteriores, chamamos de relações diretas de poder. A alteração do nome não é mera formalidade, mas uma marca de um novo estágio da pesquisa. A ideia de relações diretas de poder encerrava dois inconvenientes que se apresentaram claros ao longo dos debates que estabelecemos com outros pesquisadores. O primeiro deles é ressaltar demasiadamente o elemento poder, que aí

está contido, mas que não é tudo, como parecia. Outro problema é a designação “diretas”. Essa palavra leva a pensar que seriam relações isoladas, de um único nível, tal como pensada pela tradição finleyniana analisada no capítulo anterior.

Pensamos, ainda, em nomeá-las como relações sociais concorrenciais. Contudo, o designativo concorrencial reforçaria demais o elemento de competição contido nelas. É verdade que os diversos agentes colocam-se em disputa dentro desse nível de diversas formas:

a. Concorrem por posições: vários desejam a condição de cliente desse ou daquele homem; ou ter esse ou aquele como amigo etc. Essas relações são concorrenciais à medida que operam a partir de recursos escassos. Amigo, patrono, liberto, cliente, protetor, protegido e escravo são efetivamente recursos escassos.

b. Internamente aos grupos sociais há também um forte elemento concorrencial. Clientes querem melhor se posicionar, isto é, colocar-se mais próximo do patrono do que os demais clientes. Escravos disputam posições na hierarquia dos plantéis etc.

c. Outro elemento que reforça o aspecto concorrencial da relação é o fato de ela se basear em estimativa de signos produzidos em outros níveis. Isso faz com que eles não se façam por si próprios, mas dependam da estima alheia. É preciso levar esses símbolos a serem vistos como positivos frente a outros. Apresentar esses símbolos redunda em representação social; em ser eficiente na demonstração dos elementos que traz para o jogo social.

A designação pela qual optamos, por sua vez, também apresenta problemas. A nomeação de interpessoal faz esvaecer esse elemento concorrencial, mas chama a atenção para outro aspecto também importante, que é marcado pelos seguintes elementos:

a. Sua realização a partir do nível microsocial. Ela se realiza a partir de interações individuais ou, mais raramente, entre indivíduos e coletivos. O problema é que essa fórmula deixa menos destacado que, ainda que construídas assim, as interações elevam-se a partir desse nível, não se limitando a ele.

b. Uma pretensão de perenidade da relação, de sua permanência. O nome concorrencial dá a impressão de que seu objetivo é a eliminação do outro que interage, do concorrente. Mas não é isso, obviamente. Trata-se de uma associação que leva a ganhar-se força com relação a concorrentes que não interagem consigo. O conjunto das interações, como será apresentado, forma grupos que competem entre si. Esses grupos de agentes sociais têm por base vínculos de fidelidade e solidariedade. As trocas de benefícios regulares entre os membros do grupo levam ao reforço da identidade forjada pela existência dos vínculos que unem diversas pessoas. Os vínculos entre essas pessoas são simétricos ou assimétricos. A assimetria consolida uma coesão entre indivíduos com posições sociais díspares e é reconhecível externamente ao grupo. A assimetria é também demonstrativa da superioridade da posição social de uns com relação a outros. Os vínculos simétricos, por outro lado, explicitam o reconhecimento da igualdade entre as posições sociais de dois indivíduos. Com isso, pode-se colocar as pessoas como disputantes de posições no interior de um espaço social delimitado pelo somatório de todos os participantes de um grupo e os recursos controlados por ele em seu conjunto. A área mais próxima ao ápice é ocupada por aqueles indivíduos com uma maior capacidade de geração de vínculos em que ocupem o posto superior nas relações assimétricas que estabelecem. Cada um traz para o interior do espaço do grupo os símbolos e os recursos produzidos através das relações sociais de produção e institucionais. Esses recursos e símbolos, ao serem expostos à disputa da estima dos outros no interior do grupo, criam, do ponto de vista de quem é externo a esse grupo, uma imagem da força do coletivo que integra esse grupo. É a capacidade de afirmação do grupo que está em causa e, para tanto, há solidariedade interna.

Tudo o que vimos no parágrafo acima leva à constituição de grupos sociopolíticos que atuam no sentido de apoiar seus membros na disputa de condições de classe e estamentais mais positivas frente a membros de outros grupos sociopolíticos.

A noção de interpessoal, contudo, para além e para aquém disso tudo, é um nome banalizador pelas proporções que, a partir, sim, da mera interação pessoal, assume esse nível. O conjunto dos grupos sociopolíticos é que constitui a sociedade civil, onde grupos verticalmente orientados, no que se refere à solidariedade, enfrentam-se. Disputam a formação de consensos, a construção da agenda pública, a ocupação de condições de

classe e estamentais mais favoráveis para os membros do grupo etc. E, aí, a ideia de interpessoal, decididamente, não permite entrever isso.

Essa indecisão acerca dos nomes não é de menor importância, mas uma mostra dos paradoxos e contradições de um nível das relações sociais que, ao colocar os agentes em competição, posiciona-os socialmente uns em relação aos outros; e que, ao colocá-los uns em conflito com os outros, gera também vínculos de solidariedade.

Fazendo um balanço das vantagens e desvantagens das diferentes designações, optamos por relações interpessoais por ser o nome que se coloca mais de acordo com a apresentação que Sêneca nos faz delas.

No documento Um estudo das obras de Sêneca (páginas 59-63)