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O PAICV começou por ser um partido de massas de base nacionalista10 cuja

organização representava a vontade popular de construção de um estado- -nação independente. Após o cumprimento deste objetivo o partido adqui- riu uma componente mais classista apostando na reforma agrária e nas rei- vindicações dos trabalhadores rurais (FURTADO, 1993). No final dos anos 1980, com a crise econômica e a necessidade de incentivar a iniciativa priva-

da e de liberalizar o mercado, o PAICV torna-se mais pragmático do ponto de vista ideológico. O MpD fundado por intelectuais e elites políticas dis- sidentes, assumiu um posicionamento ideológico muito abrangente des- de a sua fundação, não se comprometendo nem à esquerda e nem à direita (ÉVORA, 2004)11. Este posicionamento aproxima o MpD do tipo ideal catch

all, em particular, na sua estratégia de reduzir as diferenças ideológicas para

aumentar as suas bases de apoio popular. Embora o PAICV, membro Inter- nacional Socialista, esteja mais inclinado à esquerda, e o MpD, membro da Internacional democrata, mais inclinado à direita, a verdade é que as dife- renças entre estes partidos e os seus eleitores são ténues (SANCHES, 2008, p. 55-64). Ambos competem ao centro do espetro partidário e são atores es- táveis e “conhecidos” dos eleitores. Adicionalmente, a bipolarização políti- ca tem estruturado de tal modo a competição partidária, que os episódios de defeções e de cisões dentro dos principais partidos são menos frequen- tes, pelo menos quando comparados com outros Estados africanos (SAN- CHES, 2014, 93-95). Em São Tomé e Príncipe o MLSTP também pode ser visto como um partido de massas de base nacionalista, que nos finais dos anos 1980 se reformou adotando uma ideologia e divisa social democrata. Ao contrário de Cabo Verde, a realidade política santomense é marcada pela proliferação de vários partidos políticos, a partir de cisões dentro dos par- tidos existentes. Muitos deles são veículos para aspirações mais personalís- ticas – veja a fundação do ADI por Miguel Trovoada e do MDFM-PL para apoiar a candidatura do presidente Fradique de Menezes. Assim, a circula- ção de elites entre velhos e novos partidos pode explicar parte dos níveis de fragmentação evidenciados entre 1991-2016. Seibert (1995, p. 249) destaca este aspeto ao argumentar que na “sociedade santomense, a política é ine- vitavelmente muito personalizada” e formatada por conflitos políticos pes- soais. Nestes partidos a componente ideológica é muito fraca, e é desempe- nho do líder que determina o “sucesso” do partido. Não queremos com isto

11. Numa entrevista ao Jornal Público (29/07/90), o líder Carlos Veiga refere: “Temos gente da esquerda à direi- ta. Vamos elaborar um programa credível, alternativo”.

dizer que não existem dimensões de personalismo na política cabo-verdia- na. Pelo contrário, também aqui surgem partidos de natureza personalísti- ca, no entanto, de acordo com os estudos que conhecemos, este é um traço que define melhor o caso santomense do que o cabo-verdiano.

CONCLUSÃO

Neste estudo conduzimos duas análises empíricas. A primeira focou nos processos de liberalização e de transição cabo-verdiana e santomense. De- monstramos que os processos de liberalização foram relativamente céleres e desencadeados por crises no interior do regime e por um mau desempe- nho da economia nos finais da década de 1980. Entre 1985-1990 uma produ- ção legislativa significativa ampliou as liberdades cívicas e os direitos políti- cos, preparando terreno para as primeiras eleições multipartidárias em 1991. O processo de negociação em Cabo Verde teve dois protagonistas princi- pais – PAICV e MpD – enquanto em São Tomé e Príncipe o MLSTP orga- nizou uma conferência nacional do qual participaram, várias elites politi- cas e fações do partido.

Ao longo do tempo Cabo Verde e São Tomé e Príncipe conseguiram consolidar-se enquanto democracias liberais, ainda que sustentadas por sis- temas partidários com características diferentes. No primeiro caso temos um clássico sistema bipartidário em que dois partidos têm expetativas de ganhar eleições, enquanto no segundo caso, estamos perante um sistema multipartidário em que pelo menos três partidos dividem as preferências do eleitorado – MLSTP, ADI e PCD-GR.

A segunda análise empírica procurou identificar alguns fatores explica- tivos dos sistemas partidários cabo-verdiano e santomense - o sistema elei- toral, a lei dos partidos políticos e a natureza dos partidos. Sobre o sistema eleitoral, verificámos que em Cabo Verde a baixa dimensão dos círculos eleitorais favorece os principais partidos e fortalece a dimensão bipolar do sistema político, enquanto em São Tomé e Príncipe, os círculos eleitorais – de dimensão média – têm favorecido a representação parlamentar de mais partidos. No que diz respeito às leis dos partidos aprovadas na fase de libe-

ralização, a cabo-verdiana procurou proteger os interesses dos partidos do governo, enquanto a santomense, favoreceu a formação de novos partidos políticos. Concluímos, assim, que as escolhas institucionais feitas pelos ato- res políticos chave, durante a fase de transição afetaram a longo prazo a es- truturação dos sistemas partidários. Como defendem os institucionalistas históricos, na medida em que os atores políticos procuram minimizar os riscos e os custos da transição, as suas escolhas têm impactos importantes no tipo de competição que irá surgir no futuro (MAHONEY e THELEN, 2010; THELEN, 1999). Relativamente à natureza dos partidos, observamos que em São Tomé e Príncipe eles tendem a ser mais personalísticos e clien- telares do que em Cabo Verde, servindo sobretudo como plataforma para aspirações políticas pessoais.

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