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Tipos de vozes mais usados e descritos na clínica de voz para a Fonoaudiologia

CAPÍTULO 1 A CONCEPÇÃO DE VOZ E DOS DISTÚRBIOS VOCAIS NO CAMPO

1.4 OS TIPOS DE VOZ E SUAS IMPRESSÕES DESCRITAS PELA CLÍNICA

1.4.1 Tipos de vozes mais usados e descritos na clínica de voz para a Fonoaudiologia

Embora existam cerca de 300 termos utilizados para definir uma condição vocal, não há consenso entre os autores e pesquisadores em relação à terminologia dessa área. Observa-se que os termos utilizados para definir a qualidade vocal são poucos e sempre homogêneos; desse modo, acabam sendo utilizados com certa consonância na literatura fonoaudiológica (FREITAS, 2012).

Segundo Andrade (2003), a frequência fundamental, a intensidade vocal e a qualidade vocal compreendem os sintomas acústicos aos quais o profissional deve estar sempre atento. Esses seriam os principais sinais indicativos de possível alteração no trato vocal, sejam de ordem orgânica ou funcional.

Ainda em relação a essas descrições, destaco que Behlau et al. (2001) indicam que o tipo de voz de um paciente é definido através do padrão básico de sua emissão, além de enfatizarem que o tipo de voz não é sinônimo de uma disfonia. Os autores também afirmam que não há uma precisão dentre as variadas definições acerca dos tipos de voz e que, muitas vezes, utilizam-se termos táteis e visuais, ou seja, de outros ramos sensoriais que não o auditivo, para descrever uma impressão vocal.

No âmbito clínico, essas classificações são predominantes. No entanto, também é necessário observar a definição dos tipos de vozes mais comumente encontradas em relatos clínicos descritos na literatura revisada, como exponho abaixo.

A voz rouca é a alteração mais comum na clínica dos distúrbios vocais. É uma voz ruidosa, que não combina com a harmonia de uma voz dita “normal”. A intensidade se encontra alterada, em um misto de soprosidade e aspereza. É um estado frequentemente associado a lesões orgânicas na laringe e quadros organofuncionais (BEHLAU; PONTES, 1995; BEHLAU et al., 2001). A voz rouca remete o ouvinte a uma ideia de cansaço, de esgotamento, mas sua escuta não chega a ser desagradável (BEHLAU; PONTES, 1995).

A voz áspera é aquela voz desagradável de se escutar. É uma voz rude, que transmitiria certa agressividade ao ouvinte, na qual se percebe um grande esforço do falante. É uma condição relacionada à rigidez da prega vocal.

Já a voz soprosa é aquela que transmite uma sensação de fraqueza, mas que também pode ser escutada como sensual. Esse tipo de voz pode ser encontrado na literatura como sinônimo da voz áspera; no entanto, a soprosidade está relacionada ao escape de ar não sonorizado. Ou seja, escuta-se um ruído do fluxo aéreo que escapa durante a fonação, o que faz com que seja de frequência mais grave e intensidade baixa. Isso pode acontecer em quadros de fadiga vocal, disfonia e doença de Parkinson, entre outros (BEHLAU; PONTES, 1995; BEHLAU et al., 2001).

Existe, ainda, um extremo da voz soprosa: a voz sussurrada. Nesses casos, há escape total do ar, sem possibilidade de sonorização. Geralmente, a voz sussurrada é conhecida como a voz para contar segredos, porém, é importante ressaltar que pode ser uma afonia de origem emocional ou um dano neurológico que resulte em paralisia total bilateral abdutora das pregas vocais (BEHLAU et al., 2001).

Behlau et al. (2001) também mencionam a existência de vozes em que há predomínio de tensão durante sua emissão: as vozes guturais, as comprimidas e as tensas-estranguladas. Na voz gutural, há uma tensão maior na região da laringe e da faringe, fazendo com que a projeção e o volume da voz sejam bastante prejudicados. Geralmente, esse tipo de voz possui origem emocional e pode acabar transmitindo a sensação de raiva21. A voz comprimida, como o próprio nome já diz, traz uma compressão de todo sistema fonatório, ocasionando uma tensão exagerada na vibração das pregas vocais. Já a voz tensa-estrangulada traduz ao ouvinte uma sensação aflitiva, como angústia e desespero. Isso ocorre em função da incoordenação

21 É importante ressaltar que essa observação é pertinente para o português do Brasil, pois existem idiomas, como

pneumofonoarticulatória evidente, que causa quebras de frequência e sonoridade e faz com que a voz seja um som entrecortado.

Behlau e Pontes (1995) e Behlau et al. (2001) incluem, entre os tipos de voz, a voz bitonal e a voz diplofônica, que se caracterizam por apresentarem dois sons diferentes em sua emissão. Na voz bitonal, há um desnivelamento entre as pegas vocais que causa alteração na qualidade vocal, na altura e na intensidade. Seria como se o ouvinte escutasse duas vozes diferentes, o que pode causar estranheza e indefinição, inclusive quanto ao gênero sexual do falante. A voz diplofônica, por sua vez, não apresenta a característica do desnivelamento, mas é representada pelo uso de diferentes estruturas, como as pregas ariepiglóticas, por exemplo. Um tipo relacionado é a voz polifônica, que indica uma situação de extrema irregularidade na qualidade vocal, semelhante a um ruído. É encontrada em casos de pós-operatório de laringectomias parciais.

Os mesmos autores ainda apresentam a voz monótona, descrita como um tipo de voz que não captura o ouvinte, caracterizando o falante como desinteressante e podendo, inclusive, comprometer a comunicação. Essa é uma voz em que encontramos inflexão reduzida, com monoaltura e monointensidade. Pode ser encontrada em indivíduos depressivos ou consistir um sinal de alguma desordem neurológica (BEHLAU; PONTES, 1995; BEHLAU et al., 2001).

Outra voz citada por Behlau e Pontes (1995) e Behlau et al. (2001) é a voz trêmula, que demonstra variação em sua frequência fundamental. Geralmente essa oscilação vai de 4 Hz a 8 Hz e é percebida em momentos de fortes emoções, passando ao ouvinte a sensação de fragilidade, indecisão, sensibilidade ou até mesmo senilidade.

Outro tipo considerado é a voz pastosa, aquela em que há diminuição do uso da ressonância oral e faríngea. Pode acontecer em casos relacionados a distúrbios neurológicos, quando há imprecisão articulatória e em casos de hipertrofia de amigdalas palatinas, entre outros. Uma possível impressão ao ouvinte é de que o falante poderia estar embriagado. Também pode indicar uma limitação intelectual (BEHLAU; PONTES, 1995; BEHLAU et al., 2001).

Behlau e Pontes (1995) e Behlau et al (2001) descrevem, ainda, a voz crepitante – também conhecida por vocal fry ou creaky voice – que seria caracterizada pelo uso de um tom grave, um registro basal que, embora seja utilizado por todos os falantes em um momento ou outro, se configura em um grande abuso vocal, constituindo uma desordem vocal importante, quando esse registro se torna “habitual” para alguém. As referências são de uma voz assustadora, causando estranheza e medo.

Também existem vozes que são descritas por sofrerem influências da cavidade nasal, como a voz hipernasal, em que há predomínio da ressonância nasal nos sons orais. Essa voz está associada a disfunções de esfíncter velofaríngeo e a fissuras labiopalatinas com grande escape de ar pelo nariz, mesmo em fonemas orais. A voz hiponasal, por sua vez, é o oposto da hipernasal, pois implica pouquíssimo uso da cavidade nasal na produção dos sons devido a obstruções, como quando da ocorrência de quadro gripal ou devido à presença de pólipos, de atresias de coanas e de septo, entre tantas outras. (BEHLAU; PONTES, 1995; BEHLAU et al., 2001).

Ainda é necessário considerar as vozes infantilizadas, feminilizadas, virilizadas e presbifônicas. A voz infantilizada, apesar do nome, não se refere ao momento da infância, mas sim ao estado em que a voz não condiz com a idade do falante. É uma voz aguda que pode ocorrer por uma condição orgânica de laringe infantil; porém, na maioria dos casos, é de origem psicológica, como nos casos das mudas vocais incompletas. A voz feminilizada se relaciona à voz infantilizada por ser comumente verificada nos casos de mudas vocais incompletas e pelo uso de um tom agudo que excede o limite tanto para homens (que se situa entre 140 e 150 Hz) quanto para mulheres (acima de 150 Hz). Já a voz virilizada é o contrário da feminilizada: há, nesse tipo de voz, um predomínio de tons graves, associados à presença de edemas nas pregas vocais das mulheres, por exemplo. Para a realidade brasileira, uma mulher que utilize uma frequência fundamental abaixo de 190 Hz já apresenta um pitch muito grave para os padrões socioculturais. Por fim, a voz presbifônica é a voz do idoso (geralmente acima dos 65 anos). É uma voz na qual não há sustentação da intensidade nem da frequência fundamental, ocasionando quebras frequentes. Devido a essas alterações nas frequências fundamentais, as vozes de idosos masculinos e femininos são semelhantes. Ao ouvinte, é uma voz que remete a uma fragilidade física, a um quadro de senilidade ou, até mesmo, de doenças (BEHLAU; PONTES, 1995; BEHLAU et al., 2001).

Essas classificações auxiliam o clínico que trabalha com distúrbios vocais a se guiar em relação às alterações vocais, pois, como já foi mencionado, é muito difícil dizer o que seria uma voz “normal”. No entanto, é importante ressaltar, também é impossível trabalhar nessa clínica sem considerar a linguagem e o lugar em que o sujeito falante se coloca ao produzir seu ato enunciativo.

Em seu texto “Um olhar para a expressão vocal”, Steuer (2005, p. 235) afirma que “o emprego da voz está relacionado a um modo de ser e de interagir com o mundo [...]” e que “[...] por essa razão, a voz não pode ser compreendida como manifestação desvinculada da expressividade da pessoa [...]”.

A autora também relata que, trabalhando na clínica dos distúrbios vocais, sua avaliação consistia na observação de certos parâmetros, tais como qualidade vocal, ressonância, respiração, articulação, velocidade e ritmo, pitch, além de todos os outros já mencionados anteriormente (ver seção 1.3). Steuer (2005, p. 236) ainda menciona que, clinicando dessa maneira, a “[...] terapia dirigia-se à modificação dos parâmetros alterados para adequação do comportamento vocal – excluídos tanto da avaliação, quanto da terapia ficavam os ajustes singulares que acontecem na produção vocal”.

Os “ajustes singulares” que a autora menciona fazem refletir exatamente sobre a voz como marca do sujeito na linguagem. Ora, não se trata desses ajustes na produção vocal, senão justamente daquilo que existe de singular no sujeito falante: a voz. Por essa razão, a categorização da voz não pode ser generalizada; o planejamento terapêutico vocal deve ser adequado a cada indivíduo ao invés do falante se adequar às técnicas, pois, conforme diz Steuer (2005, p. 239),

cada pessoa pode ser reconhecida por sua voz. Assim o uso vocal, seja dentro, seja fora de situações em que algum distúrbio se apresenta, deve ser visto da mesma maneira: a pessoa procura trazer aquilo que de mais particular existe e que possa colaborar para um uso saudável, ou não, da voz. Os gestos vocais, respiratórios e corporais devem ser lidos com o intuito de compreender aquele sujeito que veio em nossa direção com um desconforto e que, sozinho, não pode se perceber no uso que faz da voz e nos seus ajustes fixos que tendem a deixá-lo no mesmo lugar.

Steuer, então, mostra que, embora a categorização da voz e as técnicas vocais sejam aliadas do profissional, o fonoaudiólogo não pode se prender a elas. É necessário conduzir uma leitura e uma escuta clínica que partam sempre da percepção de que cada paciente é único e de que a sua voz é a marca própria dessa singularidade. Assim, as técnicas sugeridas devem se ajustar ao tratamento; e o paciente não deve se adequar a ela.