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Tomás de Aquino e o método das cinco vias

J

á sabemos, por tudo que vimos até aqui, que é em Tomás de Aquino que a escolástica vive seu período áureo e propaga, com grande força, entre os teólogos e filósofos, qual seja a ideia de dar sustentação científica da fé.

Para isso, e antes que ele pudesse dar uma forma mais aprimorada à discipli-na da qual cuidara e engrandecera, idealizou o método que ajudou a escolásti-ca a se tornar mais didátiescolásti-ca, mesmo para os leigos, ao qual chamou de método das cinco vias.

Em resumo, sua grande preocupação era provar a existência de Deus, já que havia chegado um tempo em que alegar que Deus existe, tendo como base para esta afirmação o fato de que Ele é perfeito, não demonstrava, de forma eficaz, que a divindade dos cristãos era uma realidade, ainda que intangível.

Definir Deus em suas virtudes não resolveria o problema, e continuaria existindo uma necessidade básica a ser satisfeita, para que os ouvintes dessem crédito à explanação acerca do que criam os cristãos. Mas, como nada do que até então conseguia trazer luz sobre a questão, Tomás de Aquino vai além de Agostinho e cria o método.

Agostinho se baseou em Platão para desenvolver seus métodos e sua filosofia teológica. Já Tomás de Aquino buscou apoio no entendimento de Aristóteles e, por meio dele, deu início à maioria de seus ensaios filosóficos e doutrinas que lecionou durante esse tempo.

Um detalhe interessante merece citação neste ponto do desenvolvimento da biografia de Aquino, pois informa que ele teve maior contato com a filosofia de Aristóteles muito mais pela voz de um filósofo árabe do que pelos próprios ensinos do mestre grego.

O século 13 teve a teologia e a própria história da Igreja marcada por episódios importantes da filosofia, como, por exemplo, a inclusão cada vez mais crescente dos filósofos gregos nos anais estudantis, mas isso se deu por causa do filósofo de descendência árabe chamado Averróis (1126-1198). Esse filósofo estava estabele-cido na península Ibérica, uma área dominada pelos árabes islâmicos. Entretanto, ele influenciou a Europa Ocidental com os seus estudos sobre a filosofia de Aristó-teles, o que se poderia ser classificado como um avivamento da filosofia grega na Europa, já que nesta região ela estava um tanto quanto esquecida.

Com base em tudo o que havia absorvido até então dos ensinos de Aristóteles, pela intervenção de Arrevóis, Aquino conseguiu reunir um conjunto de teses que lhe possibilitou assimilar uma fé que poderia ser sintetizada à razão sem maiores dificuldades de raciocínio.

Para Aquino, nunca houve uma divergência significativa entre a teologia e a filosofia justificassem a impossibilidade de que ambas pudessem ser apreciadas concomitantemente e apontando para uma mesma realidade. E, enquanto uma reclamasse uma postura mais contemplativa, a outra buscaria explicar aos leigos, de forma compreensiva, como ocorria o fenômeno da fé.

Ele também lembrava seus ouvintes de que não bastava limitar o aprendizado aos limites de uma escolástica que insistisse no consenso da fé e da razão sem con-siderar o que chamou de verdades naturais teológicas, as quais ele declarou serem alcançadas por meio da fé e da revelação.

Mas este não era o único meio para se chegar a uma sabedoria que se man-tinha estruturada em ambas as escolas – teológica e filosófica – mas ainda pelos sentidos. E estes, necessariamente, reclamariam um fundamento por meio da razão e do raciocínio lógicos.

O exemplo mais claro usado por Tomás de Aquino foi o da própria teologia, no fato da existência de Deus, e esta é uma afirmação que ele julgava poder ser provada por meio da razão e da fé, mas se a base fosse a última (a fé), então, uma gama maior de conhecimentos poderia ser absorvida.

A contribuição de Aristóteles, na formação teológica de Aquino, pode ser vista com clareza a partir da teoria das quatro causas, onde Deus aparece como causa primeira de todas as coisas. Mas, além disso, Aristóteles coopera com a organiza-ção do conhecimento em áreas da filosofia que não tinham divergências com a teologia da Igreja.

Por fim e para provar a existência de Deus, Tomás de Aquino criou um método pelo qual o mundo dos sentidos e daquilo que por eles pode ser percebido fosse posto em prática como meio de percepção de Deus. E, para isso, esquematizou as chamadas “cinco vias”, que, segundo ele, ajudariam a provar a existência de Deus. Vejamos:

1) Primeiro motor imóvel: o motor imóvel a que se refere esta primeira via supõe

a existência do movimento no Universo, mas um ser não pode mover-se a si mesmo, só podendo mover outro ou por outro ser movido. Considerando isso, ao retroagirmos para o infinito, não conseguiremos explicar o movimento se não encontrarmos um primeiro motor que move todos os outros.

2) Primeira causa eficiente: a segunda via fala dos efeitos que este motor

imó-vel proporciona, ou seja, a percepção na ordenação das coisas com regras bem estabelecidas e imutáveis de causa e efeito e que permitem averiguar que não há efeito sem causa. Também, aqui, encontramos uma condição que se remete ao infinito. Assim, não poderíamos senão chegar a uma causa efi-ciente que dá início ao movimento das coisas.

3) O ser necessário e os seres possíveis: esta via faz uma comparação entre os

seres que podem ser e os que não podem, percebendo uma possibilidade des-ses seres que implica que, em algum tempo, este não era, mas, depois, passou a ser, deixando, posteriormente, de ser novamente. Mas do nada, nada vem, e, por isso, esses seres possíveis dependem de um ser necessário para funda-mentar suas existências.

4) Graus de perfeição: na quarta via de Aquino, estão discutidos os graus de

perfeição, sendo que as comparações obedecem a certos parâmetros pelos quais as classificações são possíveis e, assim, teríamos o máximo de um ser, que seria o mesmo que classificá-lo como “ótimo”. E, neste caso, o exemplo se refe-re ao verdadeiro ser, a partir do que teríamos classificações secundárias.

5) Governo supremo: a quinta e última via dispõe sobre a ordem e a finalidade

de todas as coisas criadas e que, necessariamente, são regidas por uma inteli-gência superior que as governa e que promove e mantém a ordem no mundo. Como elas estão dispostas no mundo de forma organizada, mesmo que as ava-liemos do ponto de vista limitado da racionalidade humana, notaremos que, neste ponto, se acham manifestas as leis naturais que operam na natureza e que, obviamente, não foram instituídas pelo homem.

Conseguimos identificar, com praticidade, a presença de Aristóteles nesta sis-tematização de coisas, uma vez que o que parece claro é o princípio de causalida-de. E não só isso, mas também o fato de que estas vias exigem uma experiência de sentidos que a filosofia chama de empirismo, sendo que, por meio dele, o mundo ganha todas as atribuições materiais que o torna provável.

Em Aquino, vemos também uma percepção bastante primorosa do ser humano ante a tese que ele desenvolveu, quando explica que o homem, em sua interpre-tação, é um ser intermediário. Mas, sem estas qualidades, o homem não significaria nada, ou seja, nada subsiste isoladamente para que, mesmo assim, possa ser reco-nhecido como alguma coisa, antes, precisa haver uma participação que possa ser experimentada pelos sentidos.

Além disso, está o fato de que, na ampla visão de Aquino, teríamos o homem como ser intermediário em relação aos outros seres criados e, dessa forma, o ho-mem poderia ser equiparado, em sua forma, com os seres de forma mais elemen-tar, como os minerais, as plantas e os animais, e os seres mais perfeitos, como os anjos e Deus.

Isso declarou Tomás de Aquino, posto que, de forma lógica, se reconhece que o homem possui em si elementos dos seres anteriores a ele e também dos proce-dentes, na hierarquia do Universo.

qConclusão

A

ssim como em todos os demais temas que já estudamos nos módulos an-teriores, também neste caso estamos cientes de que nenhum trabalho de pesquisa pode ter a pretensão de esgotar um tema. E o mesmo acontece quando falamos da escolástica e suas muitas nuanças doutrinárias.

Nossa pretensão, na exposição desse assunto, talvez esteja limitada ao desejo de que nossos alunos e leitores possam ampliar seus horizontes e descobrir, nesta fa-tia da história, os caminhos que muitos cristãos tiveram de percorrer para conseguir um espaço justo entre os homens para o plano de Deus.

É comum que se trate da Idade Média e, em especial, da escolástica, tendo em mente a figura tão indispensável de Tomás de Aquino. Mas é importante que se reconheça em outros grandes representantes da teologia o lugar que lhes cabe como defensores desta mesma ideia.

Conforme pudemos notar, e não nos esquecendo de que cada movimento cristão através da história teve sua importância e singularidade frente aos obstácu-los criados peobstácu-los opositores do evangelho, constatamos que a escolástica propõe um reencontro do mundo e uma volta à mística, como resposta às promessas não cumpridas da modernidade.

Em referência ao tempo que sucede a escolástica, sabemos que a modernida-de teria em si mesma um conteúdo capaz modernida-de ir muito além do que aqui foi propos-to, com todas as suas peculiaridades. Em suma, a escolástica poderia requerer um esforço bem mais amplo, caso quiséssemos esgotar todo o seu teor.

Outros aspectos da escolástica, de exame mais profundo, também se referem aos movimentos da modernidade e pós-modernidade, uma vez que, em ambos, ocorreu um processo semelhante ao que se deu entre os séculos 12 (apogeu da escolástica) e 14 (declínio da escolástica).

Concluindo, temos, como fato, que fé e razão compõem uma discussão que nunca deixou de ser estudada pelos pensadores e, do mesmo modo, assim como no século 12, a razão foi reclamada, como suporte à fé no século 14 em diante. Uma campanha foi iniciada para derrubar esse pressuposto, mas é impossível apa-gar o que a história deixou gravada para a humanidade. É impossível neapa-garmos o valor da escolástica para a teologia cristã.

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