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Falemos agora do não menos famoso Tomás das Quingostas, que “não foi o bandido que nos pintam, nem o benemérito que nos querem impingir” (Cerdeira, 2007), mas de quem se contam tantas histórias e do seu interesse para esta pesquisa.

Um homem que suscitou opiniões tão diferentes e foi tão acarinhado por alguns da sua terra, quanto odiado e perseguido por outros e pelos sodados da coroa, o que terá a ver com o valor do património oral?

No início do século XIX, quando nasceu Tomás Joaquim Codeço, poucos sabiam ler e escrever e, os que sabiam poucos meios tinham para o fazer, não se dedicando seguramente a deixar registada a história de vida de um homem que aterrorizava as populações. Foi a transmissão oral que manteve viva esta personagem, mesmo que “adulterando a verdade dos factos, à medida que a distância sobre os mesmos aumentava e o número de pessoas suas contemporâneas decrescia, acabando por desaparecer completamente” (Cerdeira, 2007:22)

Na sua obra O Tomaz das Quingostas, este mesmo autor explica que

quase nada se escreveu acerca de tal bandoleiro e, mesmo esse pouco, com o atraso de cerca de cem anos e que […] nos dias que correm quase ninguém detém reminiscências dos seus feitos, mesmo as pessoas mais idosas e que viveram e nasceram na freguesia que lhes serviu de berço (Cerdeira, 2017: 22)

Também San Payo (2000) refere que “o Tomaz das Quingostas é uma dessas figuras, entre guerrilheiros e salteadores, que se tornaram lendários” e que a sua avó “contava-nos, muitas vezes, estórias relativas a essa personagem tão polémica na história como nos relatos do povo” (San Payo, 2000:121), mas acrescenta que a avó “não lhe denegria a figura. Contava até que o Tomaz das Quingostas era moço alto, bonito de cabelo louro e dizia:

- […] Era ladrão, mas respeitava as senhoras. Não lhes fazia mal. (San Payo, 2000:121)

Alguns dos que mais tarde escreveram sobre ele, como o professor e historiador Valter Alves no seu blogue “Entre o Minho e a Serra”, debaixo do tema: “Tomás das Quingostas: herói ou salteador?”11 registam o que ouviram contar aos seus antepassados,

que também já tinham ouvido contar a outros. Diz Valter Alves que

Uma das figuras históricas mais conhecidas da freguesia de S. Paio é o chamado Tomás das Quingostas. Admirado no Alto Minho mas também na Galiza. Idolatrado por uns e odiado por outros, a verdade é que cresci a ouvir histórias da minha avó materna (nascida na primeira década do século XX) que ela própria tinha ouvido de familiares mais idosos ainda em criança.

Ainda há poucas décadas, não havia certezas da sua existência. Era uma personagem lendária. Na verdade havia uma notável falta de estudos que comprovassem a sua existência. Nas últimas décadas, há uma série de estudos que comprovam claramente a sua existência e a sua importância durante a guerra civil entre absolutistas e liberais na primeira metade do século XIX. (Valter Alves no seu blogue “Entre o Minho e a Serra”, debaixo do tema: “Tomás das Quingostas: herói ou salteador?”, acessível em https://entreominhoeaserra.blogspot.com/search?q=Tom%C3%A1s+das+Quingostas)

Ilídio Sousa (2018), no seu já referido blogue “Melgaço, do Monte à Ribeira” publica em 29 de dezembro de 2018, um excerto debaixo do tema “A Cruzada de S. Gregório”12, que explica o aparecimento desta personagem pelas terras de Melgaço.

A aceitação da vitória liberal, não sendo um facto consumado em todo o reino, contribuiu para o desenvolvimento de uma política de guerrilha. Constituiu o primeiro passo para a formação de bandos organizados, que se dedicavam à prática de todo o tipo de atentados.

Apesar da detenção, no decurso do ano de 1835, de algumas das figuras destacadas da guerrilha, e, Janeiro de 1836 o provedor de Melgaço traçou um cenário desolador. Algumas estradas, nomeadamente a que ligava a freguesia de Penso a Valadares, estavam praticamente intransitáveis, devido ao clima de medo imposto por bandoleiros, sendo o mais conhecido Tomás das Quingostas, que deambulavam por aquelas terras. Por outro lado, funcionários judiciais recusavam-se a entrar nas aldeias e afixar editais contra eles, com receio de perder a vida, imperando, por isso, um verdadeiro clima de medo e delação. (Ilídio Sousa no seu blogue, “Melgaço, do Monte à Ribeira”, acessível em https://iasousa.blogs.sapo.pt/a- cruzada-de-sao-gregorio-216590).

Podemos perguntar como é que numa terra tão longínqua e de difícil acesso, chegaram naquela época as ideias revolucionárias que influenciam esta personagem e o levaram a querer seguir as “pisadas de alguns aventureiros” (Cerdeira, 2007: 40). Mais uma vez, a resposta prende-se com a transmissão oral que era feita por quem vinha de fora e chegava àquelas paragens. Tomaz das Quingostas “ambicionava” (Cerdeira, 2007:40) ser como aqueles “cujos feitos tinham chegado até ele através de relatos ouvidos 11 Acessível em https://entreominhoeaserra.blogspot.com/search?q=Tom%C3%A1s+das+Quingostas 12 Acessível em https://iasousa.blogs.sapo.pt/a-cruzada-de-sao-gregorio-216590

a almocreves vindos de outras paragens e a quem escutava embevecido.” (Cerdeira, 2007:40)

Célia Maria Silva, num artigo intitulado “Movimentos absolutistas no período de implantação do Liberalismo”, publicado aquando do IV Congresso Histórico de

Guimarães,13 refere que “no alto Minho era o bando de Tomás Joaquim Codeço, mais

conhecido por ‘Quingostas’ que destabilizava a tranquilidade” (pp.323) mas “gozava do apoio popular como todos os ‘bandidos sociais’. […] era considerado um herói pela comunidade, por isso, o protegiam” (pp.323). Explica a mesma autora que este género de pessoas

permaneciam dentro da sociedade camponesa de onde saíram e eram considerados pela sua gente como heróis ou justiceiros, razão por que os ajudavam e apoiavam. As ações desse bandido eram aceitáveis dentro dos seus valores de comportamento como quem rouba aos ricos para dar aos pobres ou mata para limpar a sua honra ou a de algum familiar. […] não roubava o camponês, mas apenas os senhores ricos. (Silva, s/d)

Diferente de Inês Negra, Tomaz teve um triste fim e acabou sendo capturado pelos soldados que há muito o perseguiam. San Payo (2000) conta que, segundo ouviu também contar, “foi ingloriamente capturado sem se poder defender. Bastou cortarem-lhe os suspensórios das calças, que lhe caíram aos pés, atrapalhando a fuga” (San Payo, 2000: 123). No entanto, Tomás das Quingostas conquistou a maior parte da população melgacense sendo um ponto de referência na coragem e luta pela defesa dos valores que passou de geração em geração até aos nossos dias, um “final pouco glorioso para o ‘herói’ duma estória, que ainda hoje vive na memória do povo”. (San Payo, 2000: 122)

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