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A partir da década de sessenta, o movimento feminista ganha novos contornos ideológicos. Maria de Lourdes Pintasilgo mostra que nessa década houve: “...transposição para o plano social – público e colectivo – da opressão experimentada por cada mulher a nível pessoal e ressentida como problema íntimo e privado. (1981,

p.13). Essa é a primeira condição para o aparecimento de um movimento social, ou seja, as mulheres descobrem que suas histórias individuais são na verdade um problema universal. A segunda é a tomada de consciência de que a conquista do mundo do trabalho se revelou expressão da condição de superexploração. Nesse sentido, a crítica afirma que: “A denúncia das injustiças vividas, a possibilidade de as exprimirem mutuamente, a análise dos casos particulares no seu contexto social, econômico e político são caminhos através dos quais se opera a tomada de consciência coletiva” (1981, p.16).

O movimento de luta das mulheres está extremamente relacionado com o movimento operário. Pintasilgo mostra que o direito à reprodução social é a primeira reivindicação, pois a manifestação de seu poder individual e social de determinar o tipo de inserção que lhe seja adequado. O segundo direito é o de exigir condições humanas de trabalho. Essas reivindicações partem das lutas que se manifestam da vida familiar à vida do trabalho e da vida sexual ao exercício do poder e à tomada de decisão.

. Tal como os povos colonizados, as mulheres vivem uma subcultura própria. A necessidade de uma auto-afirmação dentro de um ambiente que lhe é hostil exige que haja resistência. A afirmação da existência da subcultura feminina pode levar as mulheres a valorizá-la, criando assim um movimento social; por outro lado pode levar à submissão extrema ou ao seu oposto que são as manifestações inconscientes e loucas, como mostra Pintasilgo.

A valorização da subcultura feminina se faz através da tomada da palavra. A crítica chama de palavra subversiva aquela que é expressão de um ato pessoal que leva à repercussão fora do grupo, atingindo assim proporção revolucionária. O que é uma questão pessoal se desdobra no coletivo. É a possibilidade de retomar a história, de mostrar que a consciência é sempre histórica. Esses são os dois traços culturais do movimento das mulheres. O que diferencia esse movimento dos outros movimentos sociais é justamente a historicidade: “A historicidade que a palavra das mulheres traz para a cena da vida não diz o instante, mas a duração em que todos os instantes se inscrevem”. (PINTASILGO, 1981, p. 44-45). É uma historicidade que mostra a palavra carregada de silêncio há séculos.

Pintasilgo salienta que o movimento das mulheres foi buscar nos três grandes movimentos sociais expressões que incorporaram aos seus códigos. No movimento operário, a expressão ‘condição operária’ é ecoada quando se fala na ‘condição feminina’. No mesmo caso se situam as expressões: exploração, alienação e opressão.

Da luta dos povos colonizados, a ‘discriminação racista’ faz eco em ‘discriminação sexista’. Na revolta dos jovens de Maio de 68, a inspiração da ousadia e criatividade da literatura feminista. Isso não faz com que a palavra das mulheres se reduza ao decalque da linguagem alheia.

O único aspecto que a crítica classifica como realmente revolucionário na ação dos novos movimentos de mulheres é o fato de se partir de situações concretas das mulheres posta em questão de forma personalizada para atingir, assim o todo social. É essa singularidade revolucionária que tonaliza a poesia de engajamento social de Maria Teresa Horta. A poetisa, militante na luta das mulheres, faz da palavra o retrato das vozes individuais de mulheres que escrevem a história coletiva das marginalizadas da história. Como feminista, fez da poesia um instrumento de revelação da voz feminina em todos os aspectos de opressão que, ao longo dos séculos, têm calado as mulheres. Embora a poesia não se restrinja à poética datada e limitada ao contexto da mulher portuguesa, há uma pretensão de refletir sobre a poesia que marca o momento de engajamento político-social no contexto dos anos sessenta e setenta, período pré- revolucionário da sociedade portuguesa.

Como diz Octávio Paz “A história é o lugar de encarnação da palavra poética” (1982, p.227), através delas é marcada a presença das mulheres na luta pela liberdade. Pertencente à geração de sessenta, Maria Teresa Horta é colocada como integrante da “geração de abril”. Destacam-se desse período dois livros de poesia que se revelam frutos da produção marcadamente de expressão feminista datável da luta revolucionária, especificamente em relação à mulher: Cronista não é recado (1967) e Mulheres de abril (1977).

Embora seja uma das principais integrantes de dois movimentos de vanguarda: Poesia 61 e Poesia experimental, os quais pretendiam romper com os esquemas tradicionais, através de uma maior depuração da linguagem poética, Horta não leva ao extremo os princípios dos movimentos. Fernando Guimarães afirma que tanto Horta quanto outros poetas dos movimentos de vanguarda não se limitaram aos valores próprios da linguagem, pois não ocorreu: “... uma recusa total relativamente a uma poesia voltada para certas circunstâncias que ultrapassam esses valores e que, ocasionalmente, acabam por vir à superfície” (1989, p.35). Os princípios estéticos marcantes da vanguarda que se evidenciam na poesia de Horta se fazem notar na quebra da discursividade poética e na fragmentação. Simões (2004) nota que essas tendências literárias, entre outras, constituem-se como símbolos de resistência intelectual à

ditadura. Ela destaca que o papel do artista na sociedade deveria ser o de luta sutil, daí a fragmentação da poesia que fala através do silêncio.