2.4 Lugar da toponímia nos estudos linguísticos
2.4.3 Toponímia, cultura, identidade e regionalidade
Busca-se, nesta seção, relacionar o estudo toponímico com os demais conceitos já
abordados nesse capítulo. Para isso, acrescentam-se as ideias de Faggion, Dal Corno e Frosi
(2008), que dizem que
os topônimos são sinais importantes, indicativos da cultura, da história e da linguagem de um povo. Ditos ou escritos, os topônimos propiciam informações a respeito das sucessivas gerações de uma localidade, dos homens que aí nasceram, trabalharam e viveram, bem como daqueles que mereceram sua homenagem. Aludem a fatos e datas significativas, dão conta das devoções, traduzem sentimentos. Assim, saber o exato significado do nome de uma cidade, bem como de suas ruas, praças e parques, significa, verdadeiramente, conhecer essa cidade e reconhecer seus valores (FAGGION, DAL CORNO, FROSI, 2008, p. 278).
Em pesquisa realizada sobre a hodonímia da cidade de Bento Gonçalves (estudo
referente aos nomes de ruas), Frosi, Faggion e Dal Corno (2010) estudaram algumas situações
em que houve troca de nomes. De acordo com as autoras, tal fato ocorreu, principalmente, na
década de 1930, em decorrência do Estado Novo de Vargas e da Segunda Guerra Mundial.
(Verificar Frosi, Faggion e Dal Corno, 2010, para ver algumas das ruas que tiveram seus
nomes trocados).
O cenário mundial daquela época contribuiu para que os nomes itálicos fossem
substituídos por nomes luso-brasileiros, devido à oposição entre Brasil e Itália. Conforme as
autoras,
verifica-se, nos textos escritos sobre a mudança de nomes de ruas, a insistência em homenagear vultos da Pátria brasileira. Os outros nomes, importantes para os habitantes da cidade pela definição de uma identidade étnica, “nenhuma expressão tem”. Assim, substitui-se uma possível marca identitária por uma imposição (FROSI, FAGGION, DAL CORNO, 2010, p. 159).
Entre os exemplos apresentados pelas autoras, estão as ruas Mazzini e Cavour, que,
após a lei decretada em 1939, passaram a se chamar Rua Marques de Souza e Rua Borges do
Canto, fazendo uma homenagem a grandes vultos da história do Brasil. Logo, pode-se
concluir que o contexto histórico da época, ao substituir tais topônimos, pretendia, de certa
forma, silenciar a cultura de um povo, que, conforme já dito, “nenhuma expressão tinha”.
Chama a atenção o fato de, passado o período de guerra, os nomes italianos terem
voltado a fazer parte da toponímia da cidade, chegando, em alguns casos, a gerar o descarte
do nome que foi decretado para que o substituísse. Isso mostra que o topônimo original
permaneceu na memória das pessoas, que lutaram para que ele retornasse após o fim de tal
período. Logo, em alguns casos, como apontado pelas autoras, a tentativa de silenciar a
cultura de um povo não obteve sucesso na região. A memória e o forte sentimento por uma
identidade que condissesse com suas raízes, felizmente, fizeram a diferença.
Há outro fato interessante na Região de Colonização Italiana do Rio Grande do Sul: ao
chegarem no estado, os imigrantes batizaram algumas terras com os nomes de suas
localidades de origem, como, por exemplo, Nova Milano, Nova Bréscia e Nova Pádua
(FROSI; DAL CORNO; FAGGION, 2008, p. 3022). Ainda de acordo com as autoras,
o nome italiano significava (e, em parte, ainda significa) uma tentativa de reviver a terra de origem na nova pátria, simbolizando talvez a perspectiva de manter a memória do conhecido frente ao desconhecido, ou, quem sabe, tornar mais reconhecível a nova terra agreste e hostil que os imigrantes enfrentavam, procurando presentificar nela traços próprios da terra antiga (FROSI; DAL CORNO; FAGGION, 2008, p. 3027, grifo das autoras).