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O número de marujas que participam da Irmandade é grande, e há as marujas promesseiras que participam em alguns momentos da festa, como a procissão. Trago histórias obtidas a partir de cinco pontos de vistas diferentes, um homem, presidente da Irmandade, e 4 mulheres marujas – dentre elas a Capitoa.

Considero importante também, trazer alguns elementos históricos que permitam refletir sobre as mudanças ocorridas na Marujada, principalmente desde a década de 1980 que é um espaço-tempo referência para esta pesquisa, e como são percebidas na atualidade. Apresento, a seguir, juntamente com a descrição da participação na festa, a fala de quatro interlocutoras, e traço uma trajetória da história de vida dessas mulheres e seu envolvimento com a marujada.

3.1.1. Dona Bia, Capitoa da Marujada.

Esse é o nome como é conhecida Maria de Jesus, 59 anos, sendo 32 deles como maruja de São Benedito. Ela tem uma aparência forte mesmo tendo a baixa estatura, aparenta uma simplicidade e timidez confirmada durante nossas conversas. Carrega uma grande responsabilidade como a pessoa que comanda o ritual da Marujada, as marujas e marujos. Se ‘saber dançar’ é um requisito importante para ser Capitoa, esta senhora flutua magicamente pelo salão ao passo do Retumbão. Confessa que começou a dançar por influência do marido, que já era marujo. Quando entrei em contato com ela, me convidou a ir até sua casa, onde contou como começou a dançar a marujada.

- “Eu to com 32 anos agora, que passei pra Marujada. Eu entrei pra Marujada porque quando eu casei meu marido era marujo, quando eu tive meus três filhos, ai já tavam grande, que eu entrei pra marujada, fui dançar a marujada, e continuei dançando. E depois que eu tinha 25 anos de maruja, a Capitoa adoeceu, perdeu uma perna, e me botou pra dançar com a vice. Quando terminou, quando a vice morreu, morreu antes da Capitoa, ai ela me escolheu pra ser a vice dela. Logo depois, com 30 dias que ela tinha me convidado pra ser a vice, ela morreu. Ai eu passei automaticamente a ser a Capitoa. Ai, eu já escolhi outra pra ser a vice.”

3.1.2. Dona Francisca, 63 anos, maruja.

É maruja 27 anos, nasceu em uma comunidade rural de Bragança, contou que “trabalhava em roça, fazia de tudo que tem direito. Aqui eu faço jogo do bicho. Tá com uns 36 anos já que eu faço, trabalhei no cruzeiro, primeiramente pra soiá, da soiá veio a Cruzeiro do Sul, Cruzeiro do Sul foi a falência ficou A Fortuna”. Além de trabalhar no jogo do bicho, também é artesã e fabrica os chapéus das marujas e dos marujos. Contou-me sobre inúmeras promessas que fez a São Benedito, esse é o motivo de sua participação na marujada, uma graça alcançada. Fez promessas muitos anos atrás pelo restabelecimento de sua saúde.

- “Era uma dor que eu tinha que nunca ficava boa. Só vivia no hospital, chorava, chorava, meus filhos era tudo criança na época. Eu tinha medo de morrer, ai eu fiz uma promessa. Só vivia no hospital, farmácia, posto, farmácia... Um dia chorando eu disse, se São Benedito me mostrasse uma graça pra mim ficar boa dessa dor que eu tinha, eu ia ser escrava dele até o fim da minha vida. Eu ia sair de maruja! Todo ano eu ia sair de maruja até não poder andar, quando eu não pudesse andar eu parava. Mas que ele me mostrasse uma graça pra eu tomar um remédio, caseiro, eu queria ficar boa com remédio caseiro, não remédio mais de farmácia, que não dava mais cura em mim. Eu achava que remédio de farmácia não prestava mais. Eu agarrei e fiz promessa com fé, porque olha quem cura é a fé. Se tu não tiver fé, tu não é curada! Ai chorando pedi pra Deus, eu pedi primeiro pra Deus depois pedi pra ele, porque Deus é nosso onipotente né? O primeiro da frente! Ai depois me peguei com Ele e disse: se eu

alcançasse essa graça de eu achar um remédio caseiro pra mim ficar boa, eu iria sair de maruja até o fim da minha vida. Eu seria escrava dele até o fim da minha vida. Ia sair no dia 25, dia 26, ia assistir a cavalhada, o que eu pudesse comer pudesse beber eu comia e bebia. E dia de São Benedito do mesmo jeito. E até hoje eu to cumprindo essa promessa... é que eu fiquei boa; um purgante que uma mulher me deu, um purgante, agora sabe com o que eu fiquei boa? Um purgante de ananim com mel de abelha. Leite do ananinzaeiro que é uma arvore que dá na beira do igapó, aquela árvore que fica na beira do igapó, que dá aquelas frutinhas vermelha. Foi o leite do ananin com mel de abelha. A mulher fez o purgante e me deu, eu tomei e graças a deus fiquei boa. Era uma dor que tinha aqui.”

Além dessa promessa, também que recebeu outras graças de São Benedito pela saúde dos seus filhos em dois momentos diferentes, quando eram crianças e depois de adultos. Ela participa da Irmandade há 27 anos, “Primeiro eu fui sendo promesseira, saia de promessa. Depois pra partir pra Irmandade, todo ano eu pago a minha joia. [...] Porque na época só entrava na Irmandade mesmo pra ficar até o fim da vida se fosse possível. Primeiro tinha que sair sete anos, depois de sete anos que entrava na Irmandade. E foi o que aconteceu comigo. Sai sete anos, com sete anos entrei na Irmandade. Pra ter direito no caixão. Tá com 25 anos, como maruja do quadro.”

3.2.3. Dona Suely, 61 anos, maruja.

É maruja da irmandade, “desde 1985, no caso tem 31 anos, de 85 pra cá que eu participo... Porque eu sou maruja de promessa. Porque todas as marujas a gente sabe que geralmente eu acho que quase todas, bem poucas que saem de maruja é assim por causa da cultura, por causa da marujada que já é cultura17. Mas a maioria é por promessa, porque se apega ao santo, a pessoa conseguiu uma promessa.” Destaca que sua família tem participado da marujada desde os tempos antigos: – “eles eram também de irmandade, de São Benedito e ai a minha família vive nessa dependência, gente que

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A maruja se refere às (aos) participantes que se vestem de marujas e marujos, mas não tem relação com a Irmandade. Participam somente da procissão, geralmente, motivados pelo valor histórico e pela dimensão sociocultural que a manifestação assumiu principalmente após o processo que a transformou em Patrimônio Cultural do Pará. Um exemplo é o marujo que já citei acima, que se diz “devoto da Marujada”.

tocava violino, os antigos, e eu tive parentes que eu nem conheci, mas o meu pai falava que era violinista da marujada. Então, Capitoa, já teve capitoa da minha família também, da marujada”. Perde-se em sua memória o início da participação, “eu já vivo nisso ha muito tempo, desde criança, meus parentes, meus antepassados por sinal eu sou descendente de escravo mesmo daqui, dos índios e escravo”.

3.2.4. Dona Maria tem 52 anos, maruja.

É professora aposentada – me contou muito contente durante a festa que havia sido admitida como bancária. Não nasceu em Bragança, mas adotou a devoção a São Benedito e fez uma promessa ao chegar à cidade há cinco anos, que se tornaria maruja se conseguisse ali se estabilizar. “Eu sou da Irmandade, eu sou promesseira na Irmandade, agora já sou efetiva. Só falta ir lá fazer minha carteirinha tudo [...]. Foi quando eu vim morar aqui em Bragança que na verdade eu fiz uma promessa pra São Benedito, porque quando a gente se muda, a gente tem muita dificuldade. Pra se estabilizar no município [...] eu fiz a promessa pra são Benedito, que se a gente conseguisse se estabilizar aqui em Bragança, comprar casa, se eu me arrumasse aqui, eu seria da Irmandade e sairia na Marujada. E assim foi. E já tô com cinco anos. E eu já tinha a simpatia pela Marujada, desde que eu vim de Primavera eu já tinha essa simpatia”.

Atualmente, Dona Maria mora em um município próximo a Bragança, em função do seu novo emprego, porém me disse que não pretende deixar Bragança em definitivo. Durante a Festa no ano de 2016, me contou sobre suas negociações com seus superiores para conseguir dançar a Marujada. Estava no grupo das marujas mais animadas, principalmente ao som do xote.

Após apresentar minhas interlocutoras, descrevo a festa, tratando em específico de alguns eventos rituais que foram importantes para contextualizar a relação das marujas com a festa. Além de uma etnografia sobre o ciclo oficial da festa, focalizando a participação da Marujada, dialogando também através das falas das minhas

interlocutoras. Antes, destaco a figura da Capitoa, elaborando um histórico dessas personagens - até onde foi possível.