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1. O TRÁGICO

1.4. Do trágico grego ao moderno

Num aspecto global, pode-se dizer que para dedicar-se à apreciação do trágico é preciso buscá-lo na origem: na tragédia ática. É em Sófocles, Ésquilo e Eurípides que se encontra o princípio e o gérmen do trágico; embora se saiba que a tragédia ática não proporciona o conhecimento imediato da fundamentação do trágico, pela própria incerteza da procedência, assim como pelo questionamento que põe em debate a palavra tragédia. Grande é o número de obras produzidas pelos tragediógrafos gregos, porém poucas são as que vencem a barreira dos séculos e chegam até o presente.

Nessa perspectiva, é interessante considerar o panorama da fundamentação do trágico. Verdadeiramente, o que se chama de essência do trágico é fato de grandes dimensões e de diversas acepções que provocaram e provocam inúmeras discussões. A bibliografia existente sobre o trágico é incomensurável, o que comprova a importância que se tem dado a esse fenômeno. Mas o trágico também é fenômeno extremamente intrincado e encerra vários elementos que são mais observáveis em consonância com a obra e época específicas que o expressam.

Eis por que se decide apresentar os mais importantes aspectos da tragédia grega. Sabe-se impossível dar aspecto ou feição nova ao tema, também não é esse o objetivo; tenciona-se apenas e tão somente focalizar os fenômenos característicos da tragédia antiga, com o intuito de caracterizar os elementos trágicos.

Encontram-se, nas tragédias, grandes conflitos, seja dos homens com os deuses ou dos homens entre si. As proposições e as figurações discutidas na tragédia são universais. É por isso que está na base dos conflitos e da universalidade de temas a natureza intemporal que ultrapassa a fronteira de um gênero e de um tempo.

Como observado, tem-se conhecimento de que a origem real da tragédia perde-se no quase inexplicável passado. Segundo Manuel Antunes (1960, p.27), a tragédia tem sido o mais filosófico dos gêneros literários. São esclarecedoras tais palavras:

A filosofia que a tragédia mostra não preexiste à vida, nasce da própria vida, como a luz vem do sol ou o rio brota da fonte. Do mesmo modo que nos outros domínios da arte: prioridade do ser sobre a idéia, da existência sobre a essência, do pensamento pensado sobre o pensamento que se pensa.

Sabe-se que o trágico vai além dos limites da realização dramática e alude a uma maneira de compreensão do mundo.

Muitas foram as tentativas de elaboração de filosofia grega sobre o trágico, a fim de transmiti-la como absoluta; todavia, nem as tragédias que chegaram até nós oferecem

resistência a esse tipo de sistematização, nem as teses que dizem respeito à essência do destino, da necessidade ou dos deuses foram doutrinadas pelos próprios gregos. Na tragédia grega, não se presencia a característica individual – a personagem pode, apenas, atuar dentro dos limites estabelecidos pelos poderes superiores.

Acredita-se que a enunciação maior do trágico moderno acha-se na aflição extrema, na raiva, no vazio, na futilidade, na ausência de valores e de sentido e na absurdidade de tudo, no “sentimento de que um nada consome tudo, um tudo que não é mais que um outro nada” (SERRA, 1998, p.52).

Se pensar no trágico a partir de dois ângulos, verificar-se-á que, na tragédia grega, o destino da personagem é estabelecido pelos deuses. Entretanto, no momento em que o trágico se manifesta no mundo moderno, verifica-se que a personagem vive isoladamente. Contudo, tem a possibilidade de dar nova feição, de modificar a própria vida, a própria história, visto que exerce influência sobre o próprio destino.

O trágico, grego e moderno, tem favorecido enormemente muitas reflexões teóricas. O grande número de estudos acerca dessa natureza pode ser considerado evidência de que o trágico não é fenômeno distante da modernidade.

Segundo Aristóteles (1973), a especificidade trágica consiste na presença da ação. Para tanto, ela deve ser notável, precisa atingir princípios elementares, consistir em verossimilhança, ter como cunho a impetuosidade, o aniquilamento, o sofrimento e o pesar e levar à conclusão infeliz. A ação trágica discute e questiona a natureza do indivíduo, a base da sua condição e evidencia as emoções próprias do ser.

Goethe (Apud LESKY, 1996) afirma que todo trágico se baseia numa contradição inconciliável e vê, no conflito trágico, o caráter irresolúvel. Albin Lesky, conforme considerou, discute a dificuldade de conciliação do conflito, o que confirma que a obra trágica é um paralelo entre aspectos essencialmente opostos.

Maria Isabel Rocheta (1987) observa que o embate vital origina-se entre os sentimentos das personagens e as normas do direito, da moral e da religião. Assim sendo, pode-se considerar que são trágicos o anseio individual e o arranjo metódico do universo.

O herói trágico obstina-se no desejo de liberdade individual; depois de destruído, dignificam-lhe a memória. Não espanta, portanto, que o herói trágico demonstre patentemente que não existem homens irrepreensíveis, cabais e que a contradição, o disparate e o absurdo presentificam tudo o que é humano. Assim, considera Maria Helena Ribeiro Vallêra (1979-1980) que as origens da magnitude do herói trágico aparecem interceptadas com a procedência dos seus erros.

No trágico grego, a personagem, ao mesmo tempo em que é herói, por excluir o perigo, é transgressor, por infringir as leis instituídas. É nesta ambigüidade de duas instâncias da organização trágica que a inevitabilidade aparece como elemento desencadeante do trágico. Tal inevitabilidade pode ser entendida como espécie de fatalidade decorrente de plano lógico vedado, fortalecido pelas relações de implicação, sendo o fim funesto decorrente da ação trágica, ou seja, a catástrofe determinada com o efeito da infração fatal.

Estas deliberações podem guiar leitura do texto trágico como instigador de simpatia pelo herói. Essa afeição é efeito da boa qualidade moral e pertinácia demostradas por ele. Em vista disso, é lógico o compadecimento e a lástima por causa da destruição. Mesmo tendo como prejuízo a destruição, o herói trágico obtém o restabelecimento, mesmo que seja posterior à morte. É justamente o caráter dúbio do protagonista trágico, herói e infrator, e a punição resultante da desmedida que impedem a multiplicação da atitude do herói trágico. Em virtude dessas considerações, acredita-se por bem lembrar que é corrente entre os gregos a idéia de que a ventura em excesso traz infortúnio e desventura.

Sabe-se que, na Grécia Antiga, encontra-se o herói dirigido pelos deuses. Na modernidade o herói é orientado pelo lógos, pela razão, conquanto viva num universo em que

o desejo se choca, constantemente, contra ordem de fatos, instituídos pela sociedade, que ele não tem possibilidade de modificar.

A aparência enganosa da situação conduz o homem a pensar de maneira ilusória e tomar-se por aquilo que não é na realidade. A lacuna entre o que é e o que pensa ser é a falha entre a realidade e a exterioridade. Com o afastamento destas duas competências, dá- se a queda.

O Renascimento e, juntamente com ele, o racionalismo e a descrença, matam os deuses que representam a possibilidade de solução para os questionamentos humanos, bem como a justificação para a catástrofe que os atinge. Os deuses não existem mais, resta ao homem enfrentar sozinho o flagelo e encontrar, nos próprios atos, a explicação para a desgraça. Ele está numa situação embaraçosa e não sabe qual caminho tomar. É o período de aflição, de agonia, de sofrimento, de inquietação, de temor, afinal, de trágico.

Segundo Nietzsche (1996), depois de muitos séculos, o trágico, e não a tragédia, reaparece. O renascimento do trágico existe efetivamente, visto que a modernidade reclama para que tal renascimento ocorra. Para Nietzsche, os últimos séculos foram tão trágicos, tão intensamente patéticos, que tornaram possível esse regresso ao trágico. No entanto, o trágico moderno, que resulta da tragédia, precisa ser focalizado levando em consideração outras características que não somente aquelas que o aproximam da tragédia considerada como gênero literário. Um ponto carece ser esclarecido, a saber, que não se tratará do renascimento da tragédia na modernidade; contudo, discutir-se-á o trágico sob o aspecto de natureza modal.6

O trágico presentifica-se não mais na forma artística da tragédia, mas em outros gêneros literários: o romance, por exemplo. Nesta particular perspectiva, é o homem,

6 Em se tratando dos modos literários, além da divisão em narrativo, lírico e dramático, Aguiar e Silva julga

importante a existência de um modo trágico, um cômico, um satírico e um elegíaco, conforme observar-se-á no tópico que se intitula “A manifestação narrativa do trágico”. É nesse sentido que se pensa a natureza modal do trágico.

com seus atos, que atrai a manifestação das fatalidades. É o homem que provoca o inexplicável e não mais os deuses. Conforme observado no tópico que se intitula “Da antigüidade ao tempo cristão”, o trágico não mais se limita à estrita relação entre o herói e a Providência – o embate patenteia-se no íntimo peculiar do herói e o conflito é seu ser, é dentro de si. Sabe-se que a luta interior é mais difícil de ser resolvida, restando, enquanto alternativa ou falta de opção, a destruição, a ruína do herói. De fato, conforme diz Jean Marie Domenach (1968), o trágico moderno surge através da verificação de que a reconciliação do herói dentro do ser, o sentimento ou emoção, a índole, a natureza se pagam com a perturbação no céu ou na terra, com a desordem superior à ordem estabelecida. Dessa maneira, o homem moderno é perturbado cada vez mais com o infortúnio que está sobranceiro e esforça-se por achar, no decurso da experiência, as maneiras de impedir ou distanciar o que ameaça a estabilidade. Entretanto, não crê que a premeditação possa surtir efeito. É bem verdade que a ciência não admite que o homem transponha o seu limite.

Noutro passo, Domenach (1968) considera que, se a modernidade causa a morte dos deuses, haverá de procurar respostas para os questionamentos que eram antes dadas por eles. Não obstante a presença sistemática dos dualismos – amor/ódio, vida/morte, liberdade/prisão – o homem sente dificuldade para resolvê-los, para solucioná-los; enfim, para decidir a maneira mais apropriada de esclarecer os enigmas duais.

Os conflitos, a destruição, a ruína e o pavor são os determinantes do trágico moderno7 na literatura, são os causadores da idéia trágica. O isolamento, a solidão e o individualismo produzirão a sensibilidade e o sentimento trágico presentes nas obras literárias.

7 Diante da dificuldade de delimitar século preciso para o que se denomina trágico moderno, pois os próprios

teóricos que o referenciam não o fazem com precisão, para efeito desse trabalho, considerar-se-á moderno, o trágico que surge a partir do século XVIII, ou seja, o trágico que se manifesta na forma artística do romance. Precisamente porque, com o Romantismo, que se manifesta em finais do século XVIII e início do XIX, ocorre o desvanecimento das fronteiras entre os gêneros. A célebre frase de Victor Hugo: “Metamos o martelo nas teorias, nas poéticas, nos sistemas... nada de regras nem de modelos” retrata muito bem a filosofia desse movimento literário que empreende a libertação estanque dos gêneros.

Deve-se notar, antes de qualquer coisa, que – dentro do universo retratado – o trágico moderno ainda é resultado de outra situação: a satisfação material provoca a insatisfação pessoal. Dizendo de outro modo, o homem sente-se demasiado subordinado à tecnologia e cada vez mais deprimido, visto que o desprazimento decorre da criação de novas exigências. Todo este descontentamento e agitação motiva o trágico. O pormenor que pode significar muito é que a fatalidade é o ingrediente da tragédia grega que permanece nas obras modernas, é claro que revestida de outras nuanças. Na arte do século XVIII e na de todos os outros séculos posteriores a ele, a fatalidade representa aquilo que é contrário à liberdade, o fascínio do encantamento e da prostração.

O trágico mostra-se, nos últimos séculos, desligado da tragédia, se considerada sob o aspecto de gênero literário. O trágico agora se edifica no embate com o social, na oposição com a pungência da ordem social, que conjetura o prenúncio de desgraça e invoca impetuosidade.

O trágico está presente num ambiente em que os indivíduos são condenados, porém sentem-se soberbos e livres e não querem morrer. Ao contrário, querem viver. São culpados – da mesma maneira que os deuses – pelo sistema, abuso de autoridade, corrupção, capitalismo desenfreado que massacra o indivíduo – são heróis trágicos em presença da intensa energia do Universo. Importa considerar a natureza do herói moderno: ele não mais age de olhos vendados, como o herói grego, todavia, sim, de olhos descerrados, com conhecimento de que avança em direção à própria ruína.

Na verdade, pode mesmo dizer-se que se está em presença do que Jean- Marie Domenach (1968) designa de trágico moderno – aquele cujo enigma ou inexplicável é encontrado na vida diária e habitual. O trágico antigo transpõe essências de um mundo antigo, remoto; o moderno penetra na essência do ser humano, perscrutando o mais íntimo da alma.

Acresce que as personagens também mudam: os heróis, deuses, reis foram substituídos pelo homem comum, que não se distingue pela fortuna ou condição:

No teatro antigo só as personagens lendárias tinham direito à tragédia. As do nosso mundo eram forçadas a instalar-se todas à sombra da comédia. Mais tarde, e por tempo muito longo, só os nobres foram admitidos no palco da tragédia, o que sucedeu até Balzac gratificar pela primeira vez um forçado no romance..., e dar-lhe uma paixão que se elevou até o trágico. Nas obras de Genet, a paixão desapareceu, mas graças a ele o trágico moderno afeta o homem no degrau mais baixo da sociedade. (MISHIMA, 1994, p. 22)

No trágico moderno, segundo Isabel Cristina Rodrigues (2002), o embate parece querer subjetivizar-se ou impor-se a partir da visão individual do eu, tendo como conseqüência muito mais a conflitualidade interior do sujeito do que as concretas e sinistras contrariedades que, na tragédia grega, apresentam oposição ao feliz trajeto do herói.

Sabe-se que não existe indignação, nem mesmo disparate no mundo grego, não pode havê-los num mundo regulado pelos deuses – dessa maneira o trágico não pode ser o do espanto diante do sem-sentido do mundo – o trágico grego é o da renúncia e o da aceitação do destino e das injustiças. Na tragédia grega, o herói conforma-se e não discute a pena – quem manifesta mágoa é o coro.

Encontra-se o homem moderno, da mesma maneira que o grego, totalmente susceptível ao destino, só que, diferentemente daquele, num mundo governado pelo capital que – à maneira dos deuses – também infunde, estabelece e fixa, de modo inexorável, a opressão da Moira a todos os seus infratores.

Conforme mencionado, Lesky (1996), citando Goethe, afirma que todo o trágico estabelece-se em contradição inconciliável, incompatível. Quando aparecer ou for possível a adaptação ou a acomodação, o trágico deixa de existir. Essa afirmação merece ser apreendida, porque serve de fundamento para a teoria moderna de trágico, justificando-lhe a existência no mundo moderno, uma vez que a contradição inconciliável está presente em

qualquer tempo. Basta ser humano para vivenciar conflitos. Quando os conflitos são inconciliáveis, está-se diante do fundamento do trágico.

A partir dessa consideração, é importante atentar que não é apenas a oposição entre o homem e o destino o pressuposto para a existência do trágico, mas também a contradição que não se pode conciliar. Assim sendo, tem-se a possibilidade de pensar que a incoerência, o desacordo ou se se preferir, a contradição, pode manifestar-se tanto entre o homem e os deuses quanto entre o homem e o capital. Na primeira manifestação, configura-se o trágico grego e, na segunda, a sociedade moderna.

Bornheim (1975, p. 73), conforme considerado, assegura que a contradição inconciliável pode achar-se “na ordem ou no sentido que forma o horizonte existencial do homem” e a essência dessa ordem tem a faculdade de ser o universo, as divindades, a justiça. Enfim, “o sentido último da realidade”.

Tem-se a possibilidade de dizer que esse “sentido último da realidade” pode manifestar-se no embate que se caracteriza a partir da bipolaridade entre o indivíduo e o capital. Com efeito, qualquer oposição presume a existência de conflito que possibilite a antecipação das ocorrências e torne possível o entendimento da manifestação trágica. Desse modo, o trágico não pode ser definido pelo caráter e sim pela atuação. Nesse sentido, fazem- se esclarecedoras as palavras do professor Otávio Cabral:

o caráter é intrínseco ao ser humano, e a ação trágica produto da polaridade entre este ser e o mundo, não podendo, portanto, o caráter, ser o responsável pela manifestação da ação trágica; na verdade, esta surge como resultante do conflito entre os dois pólos. (2000, p. 25)

Na realidade, se se pensar no mundo moderno, o embate entre o indivíduo e o capital define a ação trágica, podendo ou não resultar na morte do indivíduo. De maneira diferente do trágico grego, em que a oposição às tensões é “sustentada por forças interiores que lhes demarcavam o poder da personalidade” (BRAYNER, 1978, p. 216), a condição da

tragicidade moderna se funda no embate de valores que situa o indivíduo diante do ser e da época. Assim, pode-se dizer, de acordo com Sônia Brayner, que a personagem trágica moderna emerge da construção cotidiana da história.

Observa-se que, por mais que não haja a morte do herói, sente-se forte efeito, abalo moral, impressão profunda, como na tragédia grega, merecedora de terror e condolência. O mundo do herói moderno não é governado pelos deuses, mas pelo capital, pelo individualismo. Desse modo, a hamartia – diferentemente da do herói grego, que, quando comete engano, é submetido a castigo – se efetiva através do vínculo com as situações do mundo e da ligação com outros indivíduos.

Lukács, em A Teoria do Romance (2000), observa que o herói romanesco e, por conseguinte, o herói moderno, é indivíduo solitário, à mercê da própria fraqueza e debilidade. O universo em que o herói moderno convive, não mais contém a garantia e a firmeza do universo épico, onde os deuses triunfam e obtêm vantagem sobre tudo – o herói moderno é fruto dos vínculos próprios do capitalismo, já que vive num mundo em que predominam o capital, o individual, a produção e o mercado.

O herói moderno manifesta o cotidiano das pessoas comuns, e deseja vencer a contradição, aparentemente insuperável, entre a geração de riqueza e a conseqüente geração de pobreza social e individual, que se mostram na modernidade por meio do romance, como um rompimento que não se pode superar entre o herói e o mundo que o forma (CABRAL, 2000). A personagem moderna é abandonada pelos deuses e transforma-se em dona do futuro e do destino. Ela precisa enfrentar as objeções e incoerências do dia-a-dia, travar conhecimento com outros indivíduos e lutar contra os problemas sociais. O universo do herói trágico moderno edifica-se e estabelece-se, diferentemente de Édipo cuja vontade é determinada pelos deuses, por meio dos embates estabelecidos pela vida moderna e da relação com as leis do capitalismo.

O trágico moderno constata a aptidão congênita do homem para o malogro, e que a vida, em qualquer ocasião, tem suas extraordinárias dificuldades. O rigoroso realismo do trágico põe em contato a vida com a amargura, a angústia, o infortúnio; o crime com a punição; a ausência de estabilidade, tanto no homem quanto na sociedade, com a reabilitação da estabilidade alcançada a duras penas.

O realismo reveste a ação de aspectos triviais e abjetos da sociedade e do temperamento – o que concorda com John Gassner ao observar que “os males dos tempos modernos pertencem à tragédia moderna” (1965, p.97). A literatura trágica reúne as disposições morais e intelectuais desejáveis ou indesejáveis do homem e do momento histórico. Como quer que seja, para aceitar um texto sob o aspecto do trágico, o leitor deve estar diante de personagens que padecem; contudo, o padecimento deve ser purificado. O leitor deve estar diante de seres humanos miseráveis e aviltados, todavia, dotados de certa inspiração sublime.

Na verdade, a grandeza é característica particular do trágico; é ela que dá maior magnitude à queda, à falta, ao crime. Ainda que a grandeza seja algo próprio da tragédia grega, uma vez que as personagens são nobres e o conflito decorre de situação verdadeiramente importante, a partir do século XIX, o trágico moderno começa a mostrar a tragédia do dia-a-dia, das pessoas mais simples.

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