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1 – A Beleza e o Drama. O Real como Abismo

Para Mario Perniola a estética da diferença inicia-se no século XX como um princípio de revolução acerca de identidade, como ele refere:

«Com efeito, não é certo que a noção de «diferença» possa ser considerada como um verdadeiro conceito análogo ao de «identidade» (em torno do qual se movimenta a lógica de Aristóteles) e ao de «contraditório» (em torno do qual se move a dialéctica de Hegel). Talvez mais do que no horizonte da pura especulação teórica, o seu âmbito (ou, pelo menos, o seu ponto de partida) é efectivamente, o caracter não puro do sentir, das experiências insólitas e perturbadoras, irredutíveis à identidade, ambivalentes, excessivas, que se encontram entretecidas na existência de tantos homens e mulheres do século XX»1

No entanto, compreender-se-á que uma perspectiva do belo-sublime kantiano e romântico terá exercido uma influência importante na sensibilidade modernista, em especial pensando como o informe é uma possibilidade residual para a categorização lata da produção artística possibilitando uma gestação em continuum da conformidade negativa da forma até a actualidade, como refere Perniola:

«É certo que algo deste sentir, tão diferente do sentimento kantiano e do pathos de Hegel, se vai aconselhar sobretudo em certas estéticas da forma, influenciadas pela problemática do sublime, e em algumas estéticas da acção obrigadas a pensar o conflito»2.

Conferindo uma derivação ao sentido da linguagem da arte, a experiência de Kandinsky exemplifica bem o problema da ambivalência entre uma inspiração subjectiva revolucionária e um misticismo neo-romântico. A sua obra invoca o paradoxo da continuidade entre o espiritual da obra e uma acepção “divergente” do sentir e expressar

1« In effetti, é dubbio che la nozione di «differenza», possa essere considerata como un vero concetto,

analogo a quello di «identità » (intorno a cui ruota la logica di Aristotele) e a quello di «contraddizione» intorno a cui ruota la dialettica di Hegel). Forse più che nell’orizzonte della pura speculazione toretica, il suo ambito (o almeno il suo punto di partenza) é proprio quello impuro del sentire, delle esperienze insolite e perturbante, irruducibili all’identità, ambivalente, eccessive di cui è stata intessuta l’esistenza di tanti uomini e donne del Novecente. » Cf., Perniola, Mario, L’Estetica Contemporanea. Un Panorama Globale, Bolonha, Il Mulino, 2011, p. 159.

135 a natureza das coisas: a idealidade transcendente, teorética e afirmativa de uma natureza

supra-sensível humanístico/artística prevalece passível de enquadrar a natureza

divergente do carácter único e extravagante da sua figuração, contextualizada em grandes planos, de certo modo, considerados como ao estilo do abstracionismo lírico3. Se a sua obra representa sistemática e profundamente um caminho entre a deformação da figura até ao seu apagamento,4é porque o autor advogou que a arte devia desligar-se de uma certa banalidade presentativa de visão materialista e que se apropriava da representação da natureza ao modo dos seus contemporâneos impressionistas.5 Na verdade, o pintor defende uma perspectiva de espiritualidade relacionando a natureza humana e arte com uma organicidade cósmica, sublinhando como o artista seria o arauto de um saber vanguardista a que a sociedade faria sucessivamente aproximações.6 Portanto, enquanto para Kandinsky a necessidade de desvincular-se de uma alusão literal ao naturalismo era essencial para desenvolver uma propedêutica evoluída de representação de um mundo, para os seus colegas de profissão seria crucial evocar a impressão da luz como ciência, como propedêutica da representação do instante, simultaneamente advogando uma aproximação à realidade do mundo, através de uma (igualmente) revolucionária figuração pictórica.

À perspectiva de Kandinsky poderíamos conjugar outros exemplos do problema das vanguardas modernistas, apenas para reforçar como a tensão actual entre expressão

mimese e a elocução de um sentir estranho à conciliação da forma, não é nova e continua

a sublinhar as questões sobre o real/natureza e a mimesis/criação.

Na verdade, o problema de uma mimesis, enquanto possibilidade ou compossibilidade, retorna no século XXI como se a importância de uma focalização expansiva do campo da natureza e da documentação do real introduzisse um complexo sistema entre indicadores de mimese e sensações impressivas da natureza, cuja ambivalência entre real e metáfora recria uma propedêutica da plasticidade da forma e

3 “Abstraccionismo Lírico” é um termo copulativo para designar a produção (especialmente em pintura) de

uma arte não figurativa que cria uma envolvente de sensações e atmosferas cromáticas. O termo parecia necessário quando surgiu (na altura da 1º guerra mundial) para definir a ausência de referente, acrescentando à linguagem da arte pela arte e a outras vertentes da abstracção mais racionais (como na obra de Mondrian, no construtivismo russo), um modo de envolver a intuição e o inconsciente, criar uma proximidade à música, mas não será suficiente para definir uma tipologia da pintura, de modo que a título de exemplo as obras de Wassilly Kandinsky, de Mark Rothko, de Barnett Newman, de Robert Motherwell, William Baziotes, David Hare, de Cy Twombly de Michael Biberstein, Fernando Lanhas, poderão enquadrar-se ao termo somente por defeito, entre outros autores.

4 Cf. Kandinsky, Wassily, Do Espiritual na Arte, Lisboa, D. Quixote, 1991, p. 23. 5 Idem, ibidem, pp. 22-3.

abrem uma polissemia sensitiva que continua, de algum modo, a remeter para uma relação entre forma e informe.

Porque a estética de Kant libertou a produção da arte de uma exigência de mimetismo realista, considerando a imaginação produtora das faculdades do homem na realização de uma ideia estética, a extrapolação da subjectividade reflexiva da bela-forma foi tomando, na produção artística, um crescendo de autonomia e liberdade, criando disformidades, expansões e deslocamentos que subsumem a experiência da vanguarda modernista e a crise do Modernismo.

O que podemos ver, no campo de estudos que temos vindo a considerar importante para caracterizar a atualidade, é um desdobramento da imagem e como este desdobramento se revela num horizonte estético contemporâneo: a ficção da arte, quer nas suas variações topológicas acerca de natureza interior quer de natureza exterior, encontra de novo um plano de imagem onde a vida se expressa como conflito entre apuramento vital e a reificação.

Subjacentemente, o que é um dado de facto é a aculturação da forma ou do informe na imagem, o apagamento da narrativa ou o re-acordar da ficção desconstrutiva para uma criação nova de carácter narrativo, - modulações latentes que tomam por inerência uma história da propedêutica artística, que reflecte sobre o passado recente das linguagens da arte, considerando aspectos ilusórios sobre a aproximação das gerações anteriores, mas também aspectos superiores para desenvolver e apurar uma reiteração de arte como redução imagética de uma realidade. Contudo, desde o ponto de vista da reflexão filosófica de Perniola, o sentir e o carácter não puro das sensações, o excesso a que a

arte se dedica a dar expressão7, permitem-nos, num paralelismo ao nosso campo de estudo, confrontar o sentido mais abissal da natureza humana e, por outro, como estará em jogo uma anamorfose da metáfora relativa ao transitar da imagem na arte do Séc. XX para a actualidade: o real é interpelado pela arte, num desdobramento da imagem como

simulacro, enquanto um culto novo que dá primazia da natureza reevoca um

desdobramento da origem da imagem como “culturismo” de uma mimesis. Não obstante, a participação nesta emergente diferenciação de excesso, a nova vaga mimética da natureza está a ser reenquadrada na história da arte como uma pulsão criativa, seguindo

137 um purismo que, em nosso entender, dificilmente pode ser medido como grau e valor de maior aproximação à realidade/naturalidade da produção artística actual.

Enquanto as elocuções da arte dramaticamente continuam o seu confronto com o abismo que a realidade envolve, é como se na produção artística as sequências de imagens, tomadas de uma mundivisão, cruzassem derivações à vida na sua grandeza abissal. Hipoteticamente, no continuum que a beleza e a inquietude criadora da produção artística processam, devemos considerar o sentido de mimesis como um deslocamento e um desdobrar de alusões a uma harmonia “bela natural para além do feio” e a um “trágico para além de um sublime”.

Portanto, numa inquietante oscilação, a contemporaneidade no seu tempo procura reaprender propedêuticas acerca de como uma organicidade, tomada desde um plano de grandeza imensa ou da natureza de fragmentos de vida que importam para interpelar o como caracterizar o sempre protelado sentido a dar à diferenciação do sentir que opera na concretude de uma imagem, como se transitássemos de uma perspectiva da arte, enquanto modelação de um sentir excessivo, para o que é a maneira e modo de advir de tomar consciência desse sentir excessivo a transitar do passado para o presente. Neste caso, considerando de novo o papel do inconsciente do indivíduo e o do inconsciente colectivo, em proximidade a-crítica ou crítica da criação poética, perante o paradoxal desdobramento do real em imagem poética.

1.2 – Mimesis, simulacro e a imagem-humana

Compreendendo um confronto complexo que continua uma crise de identidade subjectiva, que desde o modernismo subsiste como uma polaridade não passível de uma síntese entre cônscio e inconsciente do ser humano e estética e filosofia da arte, o problema da representabilidade responde num fluxo acerca de inferências que o mimetismo pode comportar para a desconstrução de um humanismo focal e antropomorfizado da natureza: o advento das vanguardas modernistas não é um dado de facto sobre a ruptura com a busca incessante de uma modelo para arte. Sobretudo, porque da imagem e da sua natureza especular, o simulacro constitui uma mola de força para o drama actual da arte e da estética - aceitar a própria ideia de que tudo é um simulacro, ou tentar recriar o novo sentir de um outro modo de ser espelho do mundo, vão abrindo um encadeamento de significados para que, através da plasticidade, a arte continue a

presentificar-se como vivência interpretativa do mundo. Tal poderá querer dizer que a produção artística actualmente se ocupa de ir modulando as suas deslocações e anamorfoses com uma queda da metafísica e uma decadência assumida da iconicidade. E, atendendo a esta preocupação, é como se a natureza devesse ser, primeiro que tudo, devolvida a uma experiência de realidade menos expressiva, neste caso considerando a afectação de algo que nos é exterior, ou pelo menos organizando a relação entre a interioridade da criação plástica e a súmula de uma exterioridade como percepção a haver, ainda, de uma naturalidade do estético comungável ao sentir polissémico e estranho a uma relação entre espécies.

Poderíamos dizer que o abissal e a estranheza de um sentir conjugam, na contemporaneidade da arte, a ênfase do real como abismo, ao mesmo tempo que o real parece poder ser evocado por um interesse menos egocêntrico, não obstante reflexo de uma percepção humana da ambivalência entre real/natural. A nosso ver, a questão da impressão não pode ser literal, pois em certo caso ficaria reduzida ao fluxo da documentação extensiva e de um não lugar para a arte, tomando como suficiente o que a natureza em si-mesma nos pode dar como estesia, ou designaria um revivalismo do Naturalismo, do Impressionismo e da Land Art, sobretudo. Contudo, a Imagem-sensação ou a ideia de simulacro remetem, paradoxalmente, para uma reformulação do conceito questionador de mimesis, algo panteísta, inquisidor do papel participativo da arte na actualidade, soerguendo, também, o problema da relação entre imagem, criador e conteúdo. Por outro lado, o sentido criativo da arte que temos vindo a seguir, descreve um certo desinteresse, uma decadência sobre a ênfase dada à disformidade enquanto reflexo de uma dada perspectiva criada pelo encontro com o inconsciente do homem do século XX.

De modo que o termo mimesis se poderá recolar num espaço reaberto de discussão, tal como Lacoue-Labarthe discute a possibilidade de uma «mimetologia generalizada» a que evoca o homem como o ser cultural desnaturado e que imita os seus não congéneres, crescendo no seio da sua cultura, suis generis de teatro e solidão criativa:

«A Mimesis teatral, dito de outro modo, dá o modelo da mimesis geral. A Arte enquanto se substitui à natureza, e enquanto toma o seu lugar. […] produz sempre um teatro, uma representação. O que significa mais uma apresentação, ou a apresentação de outra coisa, que ainda não estava lá, dada no presente. De onde se

139 compreende o papel privilegiado que Aristóteles dava ao teatro e o papel exorbitante que Diderot dá ao ator, o grande comediante»8

Este modo de anotar o teatro primitivo compreende a qualidade humana que o ser metafórico desenvolve em alternativa a uma falha de perfeição do instinto natural, à semelhança de Aristóteles, que o distingue como o mais imitativo do entre os seres

viventes9, sem bem que Lacoue-Labarthe sublinhará, por um lado, a ideia de um sujeito

que advém imitador como ser desnaturado (a que lhe falta uma qualidade natural que observa na natureza e como através dela se lhe compara como ser de natureza degenerada), por outro como um sujeito não pode imitar tudo nem personificar todas as máscaras (que corresponderia à crítica platónica da imitação do “mau actor” pois que não pode tudo imitar, porque se dissolve na multiplicidade das personagens10) como um sujeito «ausente de si-mesmo, privado de si»:

«Para imitar tudo, tudo (re)apresentar ou (re)produzir, no sentido mais forte – é preciso não ser nada em-si-mesmo, não ter nada que se aproprie, "O paradoxo anuncia um direito de impropriedade que é a lei da mimeses: apenas o homem sem qualidades", sem-sujeito (ausente de si mesmo, distraído de si (privada de si) é ao mesmo tempo capaz de apresentar ou produzir em geral: Platão sabia muito bem ": o imitador é o pior narrador, porque não é ninguém, máscara pura e como tal, irreparável, impossível de se fixar numa função que lhe seja apropriada, e que encontre o seu lugar na justa distribuição dos papéis.» 11

A noção de corpo humano e a de corpo-de-actor reiteram, na perspectiva de Bragança de Miranda, como a cisão da imagem e a natureza do ser meta-físico operam

como as imagens do início12. Deste modo, importa sublinhar como o sujeito é miticamente

Cf. «La mimésis théâtrale, autrement dit, donne le modèle de la mimésis générale. L’art, en tant qu’il se substitue à la nature, en tant qu’il la remplace […], produit toujours un théâtre, une représentation. Ce qui veut dire une autre présentation, ou la présentation d’autre chose, qui n’était pas encore là, donnée ou présente. D’où, cela se comprend de soi, le rôle privilégié qu’Aristote accordait au théâtre, et le rôle exorbitant que Diderot accorde au comédien, au grand comédien.»8 Lacoue-Labarthe, Philippe, L’ímitation

des Modernes, Paris, Galilée, 1986, p. 25.

9 Aristóteles, Poética, IV, 1448b 4 10 Platão, República, X, 596c-e.

11 «Pour tout imiter, tout (re)présenter ou toute (re)produire, ou sans le plus for – il faut nêtre rien par

soimême, n´avoir rien en propre. Le paradoxe énonce une loi d’ impropriété qui est la loi même de la mimésis: seul ” l’homme sans qualités”, le sujet sans sujet (absent à lui-même, distrait de lui-même, privé de soi) est à même de présenter ou de produire en général: Platon le savait très bien: le miméticien est le pire des engeances, parce qu’il n’est personne, pur masque e comme tel inassignable, irrepérable, impossible à fixer dans une fonction qui lui soit propre et qui trouve sa place dans la juste répartition des taches» Lacoue-Labarthe, Philippe, Límitation des Modernes, Paris, Galilée, 1986, p. 27.

12 Cf. Miranda Bragança de, José A. “As Imagens no Início”, in Lumina- Facom/UFJF, nº1, 2001, in,

estruturado numa relação entre a imagem e a ideia ou a reflexo que a representação reencaminha incessantemente para a imagem que os autores não julgam do ponto de vista de uma verdade platónica.

Uma perspectiva de mimesis é possível, mas é preciso sublinhar o sentido que se revela desde esta perspectiva lacoue-labartheana para a contemporaneidade: a uma mitopoética far-se-á corresponder uma dada natureza humana em si mesma. Esta, porventura, não tem uma confinalidade orgânica. É o desequilíbrio que a origina, mas ele pressupõe a dificuldade de enunciar uma estética global baseada numa harmonia de todos os seres. Como se houvesse que reinscrever uma transcendência da imagem do real numa fenomenologia da imanência, porque a perspectiva de uma espácio-temporalidade, vivida desde a relação a outro, não se articula num plano de homogeneização do real. Poderíamos dizer que este real é o que retoma o mito da saída da caverna platónica do homem, todavia prestando atenção ao problema endémico da condição humana como espécie a cuja exterioridade do mundo não se pode aceder, ainda que fique subentendido a sua importância e os modos como esta pode evocar perspectivas de uma ligação do homem com o que o transcende. Ou aquele que em Lacoue-Labarthe se evoca através da elocução poética como o ser do enunciado ao Outro.13

1.2.1 – O excesso e a cisão da imagem. A imagem-humanizada e a incorporação de “uma meta-fisica”

Ao contrário do que ocorre em Platão, o supra-sensível e o sensível estão definitivamente ligados em Kant, porque a razão não pode apreender-se fora do tempo. Já que comporta a condição possível do sujeito kantiano de liberdade, e, simultaneamente, o sujeito que realiza a experiência empírica que é condicionada pelo a priori das categorias de espaço e tempo14. Em Kant o livre exercício da faculdade de julgar define- se mediante o juízo teleológico reflexionante que interpreta a natureza como relativa à realização dos fins supremos da razão humana no mundo sensível.15 Ou, é mediante o juízo estético reflexionante do sublime que Kant relaciona a razão com um substrato supra-sensível moral que determina no sujeito estético a experiência do seu prazer negativo - passando por uma informidade esquemática entre a imaginação e o entendimento, para recorrer, num segundo momento, à faculdade da razão que assume o

13 Cf. Lacoue-Labarthe, Philippe; Nancy, Jean-Luc, Scéne, (suivi de) Dialogue sur le Dialogue, Paris, Christian Borgois, 2013, pp. 18-22.

14 Cf. Kant, Emmanuel, Crítica da Faculdade do Juízo, Lisboa, INCM, 1994, Introdução, LVI e § 23. 15 Idem, ibidem, “Observação geral sobre a exposição dos juízos reflexivos estéticos.”

141 juízo reflexionante do sublime. como juízo estético.16 Deste modo, a faculdade da imaginação e da razão produzem mediante um conflito, uma conformidade a fins subjetiva das faculdades do ânimo; i.e.: um sentimento do ser humano que reconhece que possui em si a faculdade da razão para a avaliação da grandeza e potência, tanto no

sublime matemático quanto no sublime dinâmico17. Contudo, o supra-sensível manterá algo com relação ao tempo porque o sujeito recorre à razão, mediando uma relação estético-moral com um mundo supra-sensível, perante a incapacidade da imaginação para formar uma síntese com o entendimento (como acontece na harmonia do belo).18

Por sua vez, Villacañas Berlanga, a respeito de Kant, refere o sentido evasivo acerca do ser animal humano, quando Kant escreve o pequeno texto Começo Verosímil da

História Humana19: - «É curioso que Kant tenha desejado limitar neste pequeno texto a invasão

do argumento evolutivo. Ele evade a questão de como é possível o ser humano como animal.»20 Do ponto de vista da produção artística actual, tudo o que poderá ser um revivalismo de “ismos” ligados à representação da natureza é uma modulação acerca de um campo de forças que mede a sua especularidade entre a exterioridade e a interioridade do sentir. Designadamente reflectindo como a possibilidade da beleza coexiste com qualquer excesso e não é de entre as formas significantes aquela que retorna à nostálgica acepção de uma transcendência divina fixada na impressão da natureza. Entre outras razões, porque não será apenas a nostalgia do divino o que nos liga à natureza, mas sempre uma tensão que recria o sentido humano numa origem que firma e reafirma as imagens, tal como diz Bragança de Miranda, no que se «cinde em Imagem», num contínuo de tensões em que as imagens são a estranheza, o bizarro, o começo do humano».21

De modo que a tensão no trânsito de uma alma para o corpo do sujeito é, todavia, uma expansão da mesma experiência enigmática de sentir como veicular o corpo na linguagem, encadear-se no imitativo por conflito numa dramática tensão que continua a

16 Idem, ibidem, § 24, § 25.

17 Idem, ibidem, Introdução, LVI, § 23. 18 Idem, ibidem, § 29, 117, 120.

19 “Muthmalicher Anfang der Menschengeschichte” in Kant’s Werke, vol. VIII, Königlich Preuischen

Akademie der Wissenschaften (no original).

20«Es curioso que Kant haya deseado limitar en esto pequeño texto la invasión del argumento evolutivo. Él

evade la cuestión de cómo es posible el ser humano como animal.» Cf. Villacañas Berlanga, José Luís,

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