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5.1 Perspectivas Terminológicas e Construtos Associados

5.1.3 Traços de Personalidade

Pesquisas sugerem que os comportamentos antissociais seguem um transcurso estável ao longo do desenvolvimento do indivíduo, por vezes colocando-se como potenciais preditores de condutas delitivas e desviantes na idade adulta (VASCONCELOS et al., 2008). Aponta-se que o surgimento, evolução e estabilidade de comportamentos antissociais relacionam-se com fatores vários, dentre eles a personalidade (ESTEVES, 2014; SORIA; SÁIZ, 2005). Nesse sentido, o estudo das variáveis de personalidade como traços prevalentes e os estilos atitudinais e de enfrentamento se faz relevante na análise do aparecimento e manutenção do comportamento antissocial.

No que se refere aos modelos de personalidade, em Psicologia seu estudo é, historicamente, um campo de bastante relevância e interesse, haja vista os múltiplos modelos de proposição para esse fenômeno apresentados nas grandes matrizes psicológicas: Psicanálise, Humanismo e Comportamentalismo (SCHULTZ; SCHULTZ, 2011).

Uma importante contribuição nesse âmbito são as colocações de Allport e Cattel, os quais trouxeram a noção de traço e análise fatorial, que oportunizaram uma perspectiva mais empirista no estudo da personalidade e abriram caminho para modelos dimensionais que hoje são largamente utilizados e validados, como o Big Five (neuroticismo, extroversão, amabilidade, conscienciosidade e abertura para a experiência), o OCEAN (abertura, conscienciosidade, extroversão, sociabilidade e neuroticismo) e o PEN (psicoticismo, extroversão, neuroticismo) (VASCONCELOS et al., 2008).

Para o presente estudo, no que se refere à discussão da personalidade na interface com os comportamentos antissociais, será adotada uma perspectiva que a compreende enquanto uma organização estável e duradoura do funcionamento de uma pessoa, sendo constituída por um conjunto de traços que se colocam como predisposições de resposta a um dado contexto e que apresentam interações entre si e com o ambiente interno e externo ao indivíduo (ESTEVES, 2014; MORIZOT; KAZEMIAN, 2015). O traço seria, portanto, um princípio organizador deduzível das características gerais do comportamento (ESTEVES, 2014; SCHULTZ; SCHULTZ, 2011).

Dentre os paradigmas mais difundidos e empregados na análise dos traços de personalidade, tem-se o modelo dos cinco grandes fatores, ou Big Five, que estabelece por meio do modo lexical cinco fatores da personalidade (JOHN; SRIVASTAVA, 1999). A investigação desses traços se dá através da técnica estatística da análise fatorial, que oportuniza a sintetização

de múltiplas informações relativas a variáveis inter-relacionadas de um estudo, organizando-as em conjuntos coerentes denominados de fatores.

Em razão do elevado número de pesquisas e o escopo dos trabalhos com a proposta do Big Five, este tem sido colocado como modelo explicativo de uma série de construtos na interface com o estudo dos traços de personalidade, dentre eles o comportamento antissocial (ESTEVES, 2014). Pelo modelo do Big Five, dois traços se destacam na explicação do referido construto: o neuroticismo (predisposição à instabilidade emocional, irritabilidade, baixa autoestima e à experimentação de emoções negativas) que tende a explicar diretamente e de modo mais robusto os comportamentos antissociais e condutas delitivas; e a extroversão (tendência à busca por envolvimento e estimulação junto ao outros ou ao mundo exterior, expressividade e dominância) que, apesar de se relacionar ao construto, tem baixo poder explicativo e preditivo (VASCONCELOS et al., 2008).

Contudo, em contraponto, Giluk e Postlethwaite (2015), mediante meta-análise, objetivaram estimar a relação entre cada um dos cinco fatores de personalidade e a desonestidade acadêmica. Os autores afirmam que, mesmo reconhecendo que os estudos de revisão anteriores reconheceram o neuroticismo e a extroversão como potenciais preditores do comportamento, a meta-análise proposta verificou que a conscienciosidade e amabilidade são os preditores do Big Five mais intensos, com ambos negativamente relacionados à desonestidade acadêmica.

Eysenck (1996), a partir do padrão PEN, aponta que pessoas com tendência a comportamentos antissociais, geralmente, obtém resultados elevados na análise dos traços propostos no modelo. O PEN organiza-se em três dimensões: psicoticismo-autocontrole, extroversão-introversão e neuroticismo-estabilidade. Dentre esses, o psicoticismo (caracterizado por condutas violentas, contumazes, egocêntricas e insensíveis) e o neuroticismo destacam-se pela forte correlação com comportamentos antissociais, conforme aponta Romero, Luengo e Sobral (2001) e Morgado e Dias (2016).

Ainda em relação à personalidade, outro importante construto é a chamada Busca por Sensações, traço que se distingue pela inclinação à procura de novas e complexas sensações e experiências, que são normalmente intensas e associadas ao prazer, e nas quais os indivíduos tende a assumir os riscos para satisfazer essa tendência (ZUCKERMAN, 1994). Os indivíduos classificados como “altos buscadores de sensações” tendem a ser bastante sociáveis e assertivos, porém impetuosos, não conformistas, ousados e com baixo limiar ao medo (VASCONCELOS et al., 2008). Tal traço é apontado em estudos como associado diretamente a emergência de comportamentos antissociais e condutas de risco (FORMIGA; AGUIAR;

OMAR, 2008).

O Autocontrole, caracterizado como uma forma de moderar o próprio comportamento a partir de padrões socialmente definidos, também emerge como relevante na análise dos comportamentos antissociais em interface com a personalidade (SISTO; RUEDA, 2008). O desenvolvimento do autocontrole na criança envolveria aspectos como modelagem comportamental, internalização de experiências reforçadoras e punitivas e observação de modelos comportamentais, sendo que sua manifestação se correlacionaria positivamente com aspectos como desempenho acadêmico e sucesso profissional (idem, 2008).

Ainda nessa perspectiva, relacionando autocontrole e crime, a Teoria do Autocontrole de Gottfredson e Hirschi (1990) confere primazia as diferenças individuais na explicação das condutas delitivas, existindo, segundo os autores, uma propensão à criminalidade que, combinada com outras variáveis sociais, dá lugar ao crime. Tais diferenças individuais são vinculadas ao grau de autocontrole do sujeito e o crime, assim como comportamentos desviantes, seriam maneiras simplista e rápidas de obter ganhos imediatos, nos quais o sujeito expõe baixo compromisso social e vinculação com instituições.

Nesse sentido, o autocontrole consistiria em uma tendência a evitar condutas vinculadas a interesses pessoais, imediatistas e focadas em recompensas rápidas em detrimento de interesses pessoais e coletivos socialmente partilhados e de longo prazo (SISTO; RUEDA, 2008). O baixo grau de autocontrole não causaria o comportamento desviante em si, porém daria condições para sua emergência (GOTTFREDSON; HIRSCHI, 1990), caracterizando-se por: orientação voltada para o aqui e o agora, interesse por experiências arriscadas, preferência por tarefas simples frente às complexas, inabilidade para planificar o comportamento e planejar objetivos em longo prazo; egocentrismo e indiferença pelas necessidades e desejos dos outros e baixa tolerância à frustração (GRANGEIRO, 2014).

Por fim, um último modelo de personalidade relevante na compreensão do surgimento e manutenção dos comportamentos antissociais é a chamado Dark Triad. Trata-se de um conjunto de três traços de personalidade considerados socialmente aversivos e que devem ser mensurados conjuntamente, a saber: maquiavelismo, expressão de comportamentos manipuladores, inescrupulosos e de baixa empatia; narcisismo, traço de características marcadas pela ideia de vaidade, egocentrismo, superioridade e dominação; e Psicopatia, atributo de expressões relativas à amoralidade, crueldade, desinibição e frieza (GOUVEIA et al., 2016). A prevalência e interação dos traços da Dark Triad demonstram relevância na etiologia dos comportamentos violentos e socialmente indesejáveis (PAULHUS; WILLIAMS, 2002).

Buscando analisar a hipótese de que as correlações positivas entre os construtos maquiavelismo, narcisismo e Psicopatia, associada à similaridades nas correlações com critérios externos resultariam em uma dimensão hierárquica comum, Jakobwitz e Egan (2006) apontaram uma ampla amostra de variância compartilhada, sugerindo que os três elementos poderiam ter uma etiologia comum, remetendo a hipóteses evolucionistas. Rompendo com a perspectiva meramente disfuncional da personalidade, os traços da Dark Triad apresentam integração com o paradigma evolucionista no qual uma série de fatores ligados ao modelo assumem significância relativa à sobrevivência e adaptação do indivíduo ao meio, tais como: acasalamento de curto prazo, postura social exploratória e empatia limitada que favorece a manipulação e vantagens nas relações sociais (FURNHAM; RICHARDS; PAULHUS, 2013). Nesse sentido, embora tais traços sejam socialmente indesejáveis, em especial em contextos culturais de cooperação, sua permanência pode ser explicada em virtude de terem auxiliado na resolução de demandas evolutivas enfrentadas pela espécie humana. Aponta-se os traços da Dark Triad como hereditários, porém com importante variação ambiental, sendo um plano de fundo genético presente em todos (genótipo) e que pode ser ativado e expressado em alguns sujeitos (fenótipo) e não em outros a partir de certas condições socioecológicas experienciadas (JONASON; ICHO; IRELAND, 2016).

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